Principais métodos para controle do bicho-mineiro e broca-do-café

Convivência e o manejo dos insetos exigem estratégia, racionalidade e principalmente monitoramento vigilante para embasar as decisões de controle

25.11.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

A cafeicultura é patrimônio nacional por fazer parte da história e do dia a dia do povo brasileiro. O café, além do aspecto cultural, exerce papel fundamental na economia do país, maior produtor e exportador do grão. De acordo com os dados da Organização Mundial de Café, até abril de 2020 já tinham sido exportadas mais de três milhões de sacas de 60kg para inúmeros países.

Para manter este imenso potencial produtivo, é essencial minimizar os fatores responsáveis por perdas na produção cafeeira, principalmente aqueles relacionados ao ataque de insetos-praga. No Brasil, o bicho-mineiro-do-cafeeiro (BMC) [Leucoptera coffeella (Lepidoptera: Lyonetiidae)] e a broca-do-café (BDC) [Hypothenemus hampei (Coleoptera: Scolytidae disputam, safra após safra, o status de principal praga da cultura. Ambas as espécies são de difícil controle e ocasionam danos expressivos, reduzindo drasticamente a qualidade dos grãos, representando metade dos gastos fitossanitários de uma fazenda cafeeira.

Fazenda Primavera do Sobrado-MG em época de colheita mecanizada
Fazenda Primavera do Sobrado-MG em época de colheita mecanizada

Em muitos países produtores, o bicho-mineiro-do-cafeeiro é a praga de maior importância, cujos danos podem reduzir até 50% da produção quando em elevados níveis de infestação. Por sua vez, os prejuízos relacionados à broca-do-café tenderam a aumentar a partir de 2012, devido ao impedimento de uso do inseticida endosulfan (organoclorado) nas lavouras. Como a BDC é uma praga que causa danos diretos aos frutos, estima-se que os prejuízos decorrentes de seu manejo ineficiente atinjam 300 milhões de dólares ao ano entre os principais países produtores.

Tanto as larvas como os adultos da BDC causam danos aos frutos. As fêmeas constroem, preferencialmente, um orifício na região da coroa e depositam seus ovos em uma galeria construída no endosperma da semente. A BDC possui um comportamento endofítico, passando todo seu ciclo de vida dentro do fruto, o que dificulta o seu monitoramento e controle. O adulto do BMC é uma micromariposa que faz a postura dos ovos sobre as folhas. Após a eclosão, as lagartas iniciam a alimentação e confeccionam minas, que são responsáveis por reduzir a área fotossintética, afetando indiretamente a qualidade dos grãos.

Detalhes de ovo (A), mina (B), lagarta (C), crisálida (D) e adulto de bicho-mineiro-do-cafeeiro (E)
Detalhes de ovo (A), mina (B), lagarta (C), crisálida (D) e adulto de bicho-mineiro-do-cafeeiro (E)

Por que é tão difícil controlar essas duas pragas?

Uma das maiores dificuldades para o controle do BMC e da BDC está relacionada à desuniformidade dos métodos de manejo, muitas vezes iniciados quando as populações das pragas já se encontram muito elevadas. Isso ocorre devido à falta de amostragens precisas e, principalmente, à adoção contínua de um sistema de controle calendarizado; ou seja, os produtores determinam datas fixas para realizar pulverizações com inseticidas e/ou herbicidas (quando se apoveita a ida do pulverizador a campo com misturas), independentemente dos níveis populacionais das pragas. Adicionalmente, essa prática, ainda muito comum, negligencia a necessidade de rotacionar ingredientes ativos dos inseticidas, além de empregar muitas vezes doses superiores às recomendadas.

Ovos (A), fêmea (B) e fruto broqueado (C) pela broca-do-café
Ovos (A), fêmea (B) e fruto broqueado (C) pela broca-do-café

Essas ações desordenadas têm favorecido a incidência crescente do BMC e da BDC ano após ano, gerando outros problemas (veja o box).

Como controlar essa dupla?

Não existe um método de controle que propicie a erradicação das duas pragas nas lavouras de café. O clima favorável e a extensão de áreas plantadas fazem do Brasil um ótimo território para o desenvolvimento do BMC e da BDC. Dessa maneira, é preciso aprender a conviver com esses inimigos.

Ovos de bicho-mineiro-do-cafeeiro
Ovos de bicho-mineiro-do-cafeeiro

Estratégias de convivência

Monitoramento das áreas por técnicos que possuam conhecimento específico sobre as fases do ciclo das pragas. Por exemplo, os ovos do BMC são de difícil localização e identificação.

Acompanhamento profissional durante as pulverizações. O controle químico deve ser rotacionado com grupos de inseticidas diferentes e que não prejudiquem inimigos naturais, ou seja, priorizar o uso de inseticidas seletivos.

Manejo de pragas secundárias, plantas daninhas, além de cuidados nas entre linhas e acompanhamento de aspectos nutricionais, fortalecendo a planta para que a lavoura esteja protegida e uniforme em todas as áreas.

Integração do controle químico com outros métodos, como o cultural e o biológico. Para obter melhores benefícios desta prática, o produtor deve recorrer a profissionais que o auxiliem, uma vez que o controle biológico pode ser muito efetivo desde que utilizado corretamente.

Monitoramento é coisa séria, mas como realizá-lo?

Atualmente, com todo o volume de informação disponível aos produtores, as aplicações calendarizadas começam a ser cada vez mais questionadas nas fazendas, dando lugar a pulverizações específicas e devidamente justificadas pelos níveis populacionais das pragas. Assim, de forma crescente, produtores mais tecnificados têm apostado em treinamentos sobre manejo integrado de pragas, possibilitando amostragens eficientes de suas áreas. É importante observar as etapas para a realização do monitoramento assertivo das infestações do BMC e da BDC (Figura 1).

 

Figura 1 - Esquema de amostragem para o bicho-mineiro-do-cafeeiro e broca-do-café
Figura 1 - Esquema de amostragem para o bicho-mineiro-do-cafeeiro e broca-do-café

Monitoramento dobicho-mineiro-do-cafeeiro

Dividir a área em talhões, sendo escolhidas aproximadamente 20-30 plantas/talhão que representem a área.

De maneira aleatória, amostrar cinco folhas do terço médio, localizadas em ramos laterais de cada lado da planta. Para cada ramo, avaliar uma folha do 4° par de folhas.

Após a retirada das folhas, determinar a presença de minas ativas, ou seja, aquelas com presença de lagartas vivas (Figura 1). Caso a incidência de minas ativas esteja acima ou igual a 20% em relação às folhas amostradas, o controle deve ser efetuado.

Lagarta de bicho-mineiro-do-cafeeiro
Lagarta de bicho-mineiro-do-cafeeiro

Monitoramento da broca-do-café

Dividir a área em talhões, sendo escolhidas no mínimo 30 plantas. Em cada planta deve-se escolher um ramo de cada terço (superior, médio e inferior), de onde serão retirados dez frutos.

Os frutos perfurados devem ser contabilizados, somados e divididos por 18. Caso o valor obtido seja maior ou igual a 3%, deve-se iniciar o controle.

Após a primeira pulverização, o monitoramento deve ser repetido a cada 25-30 dias. Contudo, a partir desta fase, os frutos perfurados (broqueados) devem ser coletados e abertos.

Devem ser contabilizados apenas os insetos adultos vivos. O valor obtido deve ser multiplicado por 100 e dividido pelo número total de adultos encontrados em todos os frutos. Caso o valor obtido seja maior ou igual a 3%, recomenda-se uma nova pulverização.

Mina ativa de bicho-mineiro-do-cafeeiro (coloração com aspecto brilhante e sem perfurações). Ao colocá-la contra a luz, é possível observar as lagartas
Mina ativa de bicho-mineiro-do-cafeeiro (coloração com aspecto brilhante e sem perfurações). Ao colocá-la contra a luz, é possível observar as lagartas

Quando e por quanto tempo eu devo monitorar?

Cafeicultores que não querem ter problemas com o BMC e a BDC nas safras subsequentes, devem iniciar imediatamente os planos de amostragem, pois o sucesso de uma safra começa na safra anterior. Vale destacar ainda que a cafeicultura é uma atividade bastante dinâmica e, por ser adotada em diferentes regiões do País, não segue um cronograma comum. De tal forma, um produtor que acabou de finalizar seu processo de colheita pode estar imediatamente sujeito a novas infestações provenientes de áreas adjacentes, onde a colheita ainda está em andamento e/ou sendo finalizada. Assim, a prevenção é a melhor recomendação que deve ser feita ao produtor.

Após a colheita eu não tenho frutos na planta, como monitorar a broca?

O período de frutificação entre o final de fevereiro até o início de junho normalmente coincide com o pico populacional da BDC. Nessa fase, a umidade dos frutos proporciona fonte de alimento e abrigo ideais para o desenvolvimento dos insetos. Logo, o monitoramento após a colheita é muito importante e garante a redução da população da BDC na safra seguinte.

Na maioria das regiões produtoras do Brasil, o período compreendido entre setembro até o início de novembro (80-90 dias após a florada principal) é conhecido como período de trânsito da BDC, fase em que as fêmeas sobreviventes da entressafra (frutos remanescentes nas plantas, ausência de repasse etc.) vão procurar novos frutos e iniciam a reinfestação. Contudo, a amostragem deve ser iniciada antes mesmo dessa fase e continuada durante toda a fase reprodutiva das plantas. Isso é necessário, uma vez que embora estes frutos possam ainda estar verdes (sem teor de umidade favorável à BDC), as fêmeas da BDC normalmente voltarão aproximadamente 50 dias para a oviposição, quando os frutos estarão mais adequados.

Esses aspectos comportamentais da BDC podem mudar conforme particularidades climáticas e variações nos períodos de trânsito entre as lavouras. Entretanto, se o monitoramento estiver ocorrendo de maneira adequada, o produtor estará ciente quanto à flutuação populacional da praga, bem como quando deve controlá-la.

Em adição, o período pós-colheita é o momento de se colocar em prática algumas medidas culturais. É importantíssimo reavaliar se é necessário um repasse com a colhedora, coleta manual e cata no baixero. A limpeza embaixo da saia do cafeeiro é essencial, para não deixar frutos na planta ou no chão, locais que servem de abrigo para a BDC na entressafra.

Frutos perfurados pela broca-do-café na região da coroa
Frutos perfurados pela broca-do-café na região da coroa

Prevenir antes dos picos do bicho-mineiro-do-cafeeiro

O bicho-mineiro-do-cafeeiro é uma praga que tem seu desenvolvimento favorecido em regiões de clima seco. De maneira inversa, as populações tendem a cair durante as estações chuvosas. Geralmente, quando não ocorrem grandes mudanças nas estações climáticas brasileiras, os picos populacionais dessa praga ocorrem em duas épocas: a primeira nos meses de abril e maio e, a segunda, geralmente mais forte, entre setembro e outubro. Assim, não é recomendado esperar as épocas mais quentes para iniciar o controle do inseto. O monitoramento deve ser iniciado logo após a colheita, ou mesmo direcionado aos talhões que já foram colhidos. Desse modo, evita-se chegar a época seca e mais quente sob elevado nível populacional da praga.

O Cerrado precisa de atenção redobrada

Entre todas as regiões produtoras do País, o Cerrado é a que possui maior intensidade de ataque do BMC. Isso ocorre devido ao clima da região, à grande área cultivada com café e à falta de manejo adequado com inseticidas, gerando inúmeros relatos de resistência da praga aos principais grupos químicos disponíveis no mercado. Nesse caso, além de um monitoramento durante todo o ano, recomendam-se aplicações preventivas com inseticidas sistêmicos via solo antes dos picos populacionais ou em períodos de estiagem.

Outros tipos de controle Biológico

O controle biológico aplicado, ou seja, aquele em que se adquire o inimigo natural para utilização direta na lavoura, não é prática usual para o manejo do BMC. Já o controle biológico natural é feito de maneira contínua e significativa por vespas predadoras, embora acabe muitas vezes prejudicado pelo excesso de pulverizações com inseticidas sintéticos não seletivos.

Com relação ao controle biológico da BDC, existem produtos à base de fungos entomopatogênicos no mercado, com relatos de bons resultados quando associados a inseticidas sintéticos. No entanto, para obtenção desses resultados, necessita-se de clima com elevada umidade relativa e emprego de tecnologia de aplicação.

Vespa predadora do bicho-mineiro-do-cafeeiro (Vespidae)
Vespa predadora do bicho-mineiro-do-cafeeiro (Vespidae)

Como evitar os principais erros?

A colheita bem feita, seguida de repasse, é uma prática eficaz contra a BDC.

Uma lavoura bem nutrida permite à planta originar frutos de qualidade, entretanto, uma adubação desequilibrada, principalmente com excesso de nitrogênio, favorece o desenvolvimento do BMC.

A falta de rotação de ingredientes ativos e o uso de inseticidas de largo espectro prejudicam a população de inimigos naturais e favorecem o surgimento de pragas resistentes aos inseticidas registrados para o cafeeiro.

O monitoramento periódico e a capacitação dos funcionários e técnicos são práticas fundamentais para estimar o nível populacional do BMC e da BDC e permitem a adoção de ações mais assertivas no manejo das duas pragas. 

A tecnologia de aplicação dos defensivos deve ser adaptada às particularidades biológicas e comportamentais do BMC e da BDC, para possibilitar boa penetração e cobertura das estruturas vulneráveis às pragas.

BOX - Problemas do controle calendarizado

- Desequilíbrio ambiental: redução da quantidade e diversidade de insetos benéficos;

- Desenvolvimento de populações resistentes a inseticidas e, consequentemente, perda de eficiência dos ingredientes ativos recomendados;

- Falhas da certificação e redução na qualidade dos grãos;

- Aumento dos custos operacionais e fitossanitários;

- Dificuldade em manter as populações das pragas abaixo dos níveis de dano econômico.

Jéssica Gorri, UFV-CRP, FCA-Unesp; Edson Luiz Lopes Baldin, FCA-Unesp 

Cultivar Grandes Culturas Setembro 2020

A cada nova edição, a Cultivar Grandes Culturas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de grandes culturas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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