IAC inaugura sistema protegido para preservar maior coleção de citros do mundo
Na nova etapa, o Plano deixa os gabinetes para chegar ao dia a dia do produtor rural do Oeste da Bahia.
Há exatos 20 anos, o agricultor Miguel Carvalho entrou com um pedido de desmatamento no IBAMA para poder produzir em sua propriedade de 5,9 mil hectares no distrito de Roda Velha, município de São Desidério. Pagou as taxas, recebeu o protocolo, mas, jamais, apesar das suas inúmeras solicitações, recebeu a visita de um técnico do órgão e muito menos a liberação da licença. Ainda assim, cumpre rigorosamente a lei, preservando os 20% de mata nativa do cerrado e a nascente do Rio Roda Velha, desde que chegou à região há 30 anos. Mesmo com seu esforço, Miguel Carvalho, já passado dos 70 anos e com excelente reputação na região, está ilegal do ponto de vista ambiental.
O caso do produtor Miguel Carvalho, longe de ser uma exceção, é mais um dos milhares no Oeste da Bahia, que, em virtude da falta de estrutura de fiscalização e cumprimento da lei dos órgãos ambientais, gerou um enorme passivo, que punha em risco a viabilidade de um dos maiores pólos agrícolas do Brasil. A boa notícia é que em breve, estima-se, situações como esta serão assunto do passado, com o Plano Oeste Sustentável, força-tarefa empreendida pelos produtores rurais, através da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia (Aiba), Governo do Estado, representado pelas secretarias de Agricultura (Seagri) e de Meio Ambiente (Sema), e, desde a última sexta-feira (23), pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA).
Com a assinatura do Acordo de Cooperação Técnica entre Sema, Seagri e IMA, com interveniência da Aiba, o Plano Oeste Sustentável, que há dez meses foi esboçado, posteriormente constituído, e ganhou arcabouço legal, chega enfim ao dia a dia do produtor rural. A cerimônia realizada em Barreiras reuniu cerca de 300 participantes, a maioria produtores, que queriam conhecer mais sobre o Plano e manifestar apoio ao que vem sendo chamado de “divisor de águas” na história do desenvolvimento do cerrado baiano.
“Vejo como muito promissora essa associação entre o agronegócio e o meio ambiente e acredito demais nessa parceria. O IMA não pode ser uma entidade de arrecadação. Nosso propósito é converter multas em serviços ambientais”, afirmou a diretora geral do IMA, Beth Wagner, e continuou: “Não admitimos mais posturas anacrônicas, de 20 anos atrás. Desconhecer a questão ambiental é estar desatualizado”.
Segundo Beth Wagner, o IMA, autarquia ligada à Sema para executar a política estadual de administração dos recursos ambientais na Bahia, está hoje se estruturando para atender às demandas. Até o ano passado, o órgão possuía 22 técnicos para fazer licenciamento nos 417 municípios baianos. Hoje, são 80 nesta área específica, com previsão de concursos públicos.
Para o presidente da Aiba, Walter Horita, a assinatura do Acordo com o IMA foi uma conquista. “A regularização ambiental é um direito que o produtor reivindica há muitos anos e é uma condição indispensável à sua atividade. Nós, da Aiba, empunhamos esta bandeira desde 2000, mas só agora encontramos um ambiente favorável para que a nossa causa fosse ouvida, compreendida e, principalmente, apoiada, convertendo-se em ações e políticas públicas eficazes”. O presidente aproveitou o momento para ler o artigo publicado pelo renomado professor Luiz Tejon em um grande jornal de circulação nacional na última quinta feira, sobre o exemplo positivo do Plano Oeste Sustentável (vide artigo abaixo).
Confiança mútua
O secretário da Agricultura, Roberto Muniz, lembrou que a Operação Veredas, ponto de partida do Plano Oeste Sustentável, foi deflagrada na região em pleno dia da sua posse, no dia 6 de novembro de 2008, trazendo grandes prejuízos para a região, em multas, embargos, confisco de máquinas, equipamentos e produção.
“Recebi do governador Jaques Wagner, a incumbência de, juntamente com o secretário Juliano Matos, trabalhar para fazer meio ambiente e agricultura caminharem juntos na Bahia. Creio que estamos conseguindo. Aqui na Bahia, ao contrário de muitos estados, essas duas pastas dialogam, são parceiras, e, com isso, todos saem ganhando”, disse Muniz.
“Ninguém aqui abre mão de produzir, mas também não abre mão de preservar. Temos orgulho de ser o maior celeiro da Bahia, mas também de ter os nossos rios conservados”, concluiu.
Já o secretário do meio ambiente, Juliano Matos, em seu discurso enfatizou a confiança mútua entre o setor produtivo e o governo. “O produtor aderiu espontaneamente a essa causa. Estamos muito impressionados com isso, que é um sintoma claro de que podemos fazer uma revolução nesta área”, disse Juliano Matos.
Ao fim da cerimônia o presidente do Fundo para o Desenvolvimento do Algodão (Fundeagro), Ezelino Carvalho, entregou as chaves de seis veículos utilitários de uso exclusivo adquiridos pelo Fundo, em convênio com a Aiba, para o Plano Oeste Sustentável. Os veículos serão utilizados pelos técnicos de campo nos trabalhos de cadastramento e fiscalização.
Treinamento
Também na sexta-feira (23), no período da tarde, cerca de 150 produtores e técnicos em projetos participaram do treinamento em cadastramento e licenciamento do Plano Oeste Sustentável. As apresentações foram feitas, respectivamente, pelo representante da ONG ambientalista parceira do Plano, The Nature Conservancy (TNC), Adolfo Dalla Pria, e pelo diretor do departamento de Florestas da Secretaria do Meio Ambiente, Plínio Augusto de Castro.
ARTIGO
TESE DO PREMIO NOBEL DE ECONOMIA SOLUCIONA *DRAMA DO AGRONEGÓCIO.
Jose Luiz Tejon
Elinor Ostrom, a primeira mulher a receber o Nobel de Economia, o fez pelos méritos dos seus estudos a respeito da governança através de ações lideradas pela sociedade civil organizada.
Sem conhecer a Doutora Elinor, produtores rurais do Oeste da Bahia, uma das mais recentes fronteiras agrícolas do Brasil, tinham na virada do século cerca de 1 200 processos de propriedades rurais ilegais, nas suas mãos. O passivo ambiental ia se avolumando, à medida em que os agricultores desmatavam para plantar, e as estruturas de fiscalização e de regularização do estado não conseguiam acompanhar a demanda do crescimento rural.
Exatamente neste mês de outubro, nove anos após o inicio dos trabalhos da Associação dos produtores com a sociedade civil organizada, ONG’s e governo, está sendo assinado oficialmente (23 de outubro, em Barreiras BA) o Plano de Adequação e Regularização dos Imóveis Rurais – Oeste Sustentável (lei No.11 478 de 1 de julho de 2009 e suas normativas ).
O Oeste da Bahia tem hoje uma das agriculturas mais tecnificadas e competitivas do mundo. Algodão de qualidade comparada ao do Egito. Soja, milho, cafés especiais, frango, suínos, feijão, pecuária, florestas. Há 30 anos atrás existiam apenas 50 ha de capim, numa estação experimental. Hoje são mais de 1 milhão e 800 mil ha plantados, com muita irrigação, além de projetos voltados para pequenas áreas com frutas, pimenta e produtos diferenciados. Barreiras, Luis Eduardo Magalhães (LEM), São Desidério (o maior município produtor de algodão do país), são os pólos centrais da região. Dificilmente encontramos torcedores do Bahia ou do Vitória, na área. Grêmio, Inter, times do Rio, São Paulo e Minas são preferidos, revelando a diferença sociológica e cultural com a Bahia litorânea. Região de Cerrado, onde a lei florestal reserva 20% de cada propriedade para preservação das matas nativas.
No início, os agricultores ainda conseguiam obter a regularização e autorização para plantar dentro de um tempo exeqüível. Com a chegada de novos produtores, o Ibama não atendia, os papéis estacionavam na burocracia, a falta de diálogo entre os diversos órgãos públicos, e complicações políticas, agregavam mais dramas e os plantios foram feitos sem as autorizações legais. A Associação dos Agricultores e Irrigantes da Bahia (AIBA) estava diante de um problema extremamente perigoso: “um passivo ambiental ameaçando a viabilidade de um dos maiores pólos agrícolas do Brasil”, afirma Sergio Pitt, agricultor, vice-presidente da entidade e o coordenador de toda essa ação, uma gigantesca “cruzada” para a legalização.
O que este caso tem de exemplar para todo agronegócio brasileiro, é demonstrar que, sim, é possível caminharmos ao lado do futuro, compatibilizando agronegócio com sustentabilidade, com lei, com ONG’s, Ibama, Ministério público, legislativos, executivos, secretaria de meio ambiente, secretaria da agricultura, mercados, e empreendedorismo rural. Qual é a chave da questão? Liderança sustentável, visão de longo prazo. E a consciência nova de que só poderemos caminhar doravante através da integração estratégica de uma governança que tenha pés no chão, com atitudes e comprometimentos efetivos da sociedade civil organizada. Dá trabalho? Sim, e muito. Exige voluntariado? Sim; verdadeiros abnegados para dar as viradas na história. Desde Policia Federal investigando servidores, prendendo agricultores utilizando químicos contrabandeados, até idas e vindas, paciência, tolerância pelos gabinetes dos órgãos públicos municipais, estaduais e federais, enfrentamento de aproveitadores, espertos, indo para alianças com ONG’s éticas como a TNC (The Nature Conservancy), criando diversos acordos de cooperação técnica suportados pelos próprios agricultores, conscientização do legislativo. Essa tem sido a peregrinação das lideranças dos produtores da região, para criar o Oeste Sustentável.
E agora? o trabalho apenas começa no campo, no mundo real. A Associação dos Agricultores calcula em cerca de 50% as propriedades que precisarão ser legalizadas. Hoje existem em torno de 2 000 processos parados. Sem contar os novos a serem gerados. Há um prazo de enquadramento para os agricultores se cadastrarem. Após o cadastramento com as coordenadas localizadoras, a ONG TNC plota os dados numa matriz geo-referenciada. A partir disso o produtor prepara um projeto do que fará, como fará, e o prazo, se for preciso reflorestar, corrigir, etc. Vai ao IMA (Instituto do Meio Ambiente). O técnico do IMA (trabalhando a partir do acordo de cooperação assinado entre o Ibama, Ministério do Meio Ambiente e demais órgãos) avalia; e o agricultor firma um Termo de Compromisso. A partir de então, se não cumprir vai para a execução da promotoria pública. Durante a vigência do TC, o produtor fica liberado para o exercício das suas atividades.
As modernas lideranças do agronegócio brasileiro podem tirar um ótimo proveito desse caso do oeste da Bahia. Liderar, fazer acontecer, coordenar, dialogar com a sociedade. Cidadania e organização da sociedade é o novo nome do jogo. Ética, o fiel da balança.
(* “The Drama of the Commons”– Elinor Ostrom)
Jose Luiz Tejon
Prof. FGV; Dirige o Nucleo de Agronegócio da ESPM
Catarina Guedes
Assessora de Imprensa da Aiba
(71)3379-1777
Receba por e-mail as últimas notícias sobre agricultura