Melhoramento clássico mantém-se na liderança da oferta de variedades de canas tolerantes à seca

Variedade do IAC, resistente ao estresse hídrico, lançada em 2017, já obtém em Goianésia uma produção 25% acima da média das demais variedades

14.12.2021 | 16:51 (UTC -3)
Marli Romanini

Uma variedade de cana melhorada, a IACCTC07-8008, lançada em 2017 pelo Instituto Agronômico (IAC), em Campinas, precisou de uma forte estiagem registrada este ano para comprovar seu verdadeiro potencial em campo. Plantada em sequeiro em área de produção, numa das maiores usinas da região de Goianésia, em Goiás, cravou em média 155 toneladas de cana por hectare contra 122 toneladas de outras variedades plantadas em mesmo solo sob idênticas condições climáticas e de soca, ou seja, uma produtividade média de quase 25% acima de variedades já consagradas.

“Tínhamos boa expectativa com relação a essa variedade, mas o resultado realmente surpreendeu. Pesquisadores das áreas de biotecnologia e de fisiologia do IAC procuram agora entender a razão desse potencial de tolerância”, diz Marcos Landell, engenheiro agrônomo, pesquisador e diretor geral do IAC. Segundo ele, o apoio do BIOEN – Programa de Bioenergia da Fapesp foi decisivo nessa pesquisa, por exemplo, para a montagem do laboratório de biogenética. “Sem isso seguramente não conseguiríamos avançar na velocidade atual”, reconhece.

Landell diz que a IACCTC07-8008 é resultado de um trabalho de evolução varietal conhecido como melhoramento clássico. Ele prevê que diferentes espécies sejam cruzadas com a expectativas de uma terceira variedade agregar o que há de melhor nas duas anteriores. Trata-se de um trabalho de persistência, de tentativa e erro, por muitos anos. No entanto, essa linha de pesquisa tem se mostrado decisiva para a obtenção de centenas de variedades que hoje contribuem para e elevação dos níveis de produtividade.

Ele conta que começou o trabalho de campo em Goianésia ainda nos anos 1990, uma região seca, com solo fraco e chuva mal distribuída ao longo do ano. “Naquela época, a produtividade média do primeiro corte não passava de 90 toneladas. Hoje, mesmo em condições de forte estresse hídrico, não tiramos menos de 120 toneladas na cana planta, ou seja, no primeiro ciclo da cultura. Esse é o resultado de uma série de fatores, mas as novas variedades contribuíram muito para isso”, avalia.

Mudança no manejo

Além do melhoramento clássico, Landell explica que alguns avanços na área de tolerância ao estresse hídrico aconteceram graças a mudanças no manejo das plantações. Ele diz que um desses avanços desenvolvidos pelo IAC é a chamada Matriz do Terceiro Eixo. Essa metodologia considera que, a cada ciclo (corte) da cultura da cana, ocorre o melhor desenvolvimento do sistema radicular, possibilitando que ele alcance profundidades maiores. Segundo o pesquisador, essa informação é fundamental para que se defina um planejamento de colheita, de forma a promover a mitigação do déficit hídrico ao longo da vida útil de um canavial e evitar que a cana mais jovem fique demasiadamente exposta a longos períodos de seca.

Landell explica que pesquisas desenvolvidas pelo IAC indicaram que, ao contrário do que se acreditava, a raiz da cana segue se desenvolvendo e aprofundando ano após ano, desde que planta não sofra impedimentos físico-químicos do solo ou a ação de algum fator, como pragas. O método da Matriz do Terceiro Eixo define que a colheita da cana de primeiro e segundo ciclos (cortes) deva ocorrer no máximo até o final de junho, evitando que a planta seja exposta a situações de estresse hídrico intenso quando a raiz ainda está muito superficial. Com isso, a cana mantém um desenvolvimento radicular robusto e, a partir do terceiro ciclo, ela já consegue absorver umidade de regiões mais profundas do solo e segue se aprofundando ano a ano, o que garante melhores níveis de produtividade em todas as colheitas seguintes.

“Essa metodologia foi implantada na região de Campo Florido, em Minas Gerais, por produtores que conseguiram expandir a produtividade de 62 toneladas de cana por hectare para 116 toneladas, considerando-se a média de nove ciclos (cortes). “Isso é resultado de uma raiz bem formada e aprofundada”, garante Landell. Segundo o diretor geral do IAC, grandes empresas do setor já estão utilizando essa metodologia com bons resultados. “Conforme os produtores passarem a usar melhores variedades, aliadas às novas técnicas, chegaremos em breve à média de produtividade nacional de cana por hectare acima dos três dígitos”, aposta.

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