Manejo do solo para elevados patamares produtivos
A formação de perfil do solo exige que fatores da química, da física e da biologia sejam considerados e manejados em conjunto, de modo a criar ambientes que sustentem elevados patamares produtivos
Em áreas de cultivo protegido realizado de forma intensiva, sem a rotação de culturas ou pousio, o plantio de meloeiro tem sido acometido por diversas doenças (Müller; Vizzotto, 1999, Charlo et al, 2011), dentre as quais merecem destaque os nematoides, importantes patógenos, que em altas infestações ocasionam perdas significativas. Dentre as espécies constatadas na cultura do meloeiro, destacam-se os nematoides-das-galhas, Meloidogyne incognita e Meloidogyne javanica; o nematoide-reniforme, Rotylenchulus reniformis; e o nematoide-das-lesões-radiculares, Pratylenchus brachyurus.
Existem várias espécies de nematoides do gênero Meloidogyne associadas às raízes do meloeiro, destacando-se: M. javanica, M. hapla e M. arenaria. Entretanto, a espécie mais frequente que ocasiona maiores danos é a M. incognita, cujas perdas podem chegar a até 100% da produção da cultura. Esta espécie é agente causal da doença conhecida como meloidoginose.
No Brasil, sua presença tem sido constatada na maioria das áreas de cultivo de meloeiro, principalmente na região Nordeste. As perdas oriundas do patógeno podem limitar a produção, atingindo patamares de até 100%. O nematoide possui ampla gama de hospedeiros, incluindo cucurbitáceas, solanáceas, leguminosas e outras plantas de interesse econômico.
O sintoma característico devido à infestação pelo nematoide é a presença de galhas nas raízes (Figura 1). As raízes das plantas infectadas aumentam em tamanho (hipertrofia) e quantidade (hiperplasia). Nas folhas, observam-se os sintomas de amarelecimento e queda prematura. As plantas infestadas apresentam-se com tamanho desigual, entouceiradas, menos vigorosas e murcham nas horas mais quentes do dia. As folhas e os frutos produzidos por plantas sintomáticas apresentam porte reduzido e redução na porcentagem de sacarose. Como resultado dos danos causados pelo nematoide, tem-se a redução na produção da cultura.
Os nematoides danificam as raízes e favorecem a penetração de fungos e de bactérias, que contribuem para o desenvolvimento de complexos de doenças. Por exemplo, a interação de Didymella bryoniae com Meloidogyne javanica em áreas infestadas pelo nematoide-das-galhas na cultura do meloeiro causa seca na parte aérea das plantas (Figura 2).
O nematoide-das-galhas apresenta atividade durante todo o ano em climas quentes e solos úmidos. Já em climas mais frios, o ciclo de vida é mais longo. As espécies do nematoide-das-galhas são parasitas obrigatórios de raízes e de caules subterrâneos. São móveis no solo, e os estádios de desenvolvimento vermiformes ou juvenis de segundo estádio (J2) são as formas de vida que infectam as raízes de meloeiro presentes no solo.
Em resposta à introdução de substâncias produzidas pelas glândulas esofagianas de juvenis nos tecidos das raízes da planta, ocorre aumento no tamanho e no número das células das raízes parasitadas, que resulta em engrossamento denominado de “galha”. Na fase adulta, o macho geralmente sai da raiz e não mais parasita a planta. Os machos adultos destes nematoides são vermiformes e não se alimentam. Já a fêmea continua seu desenvolvimento até assumir formato globoso e piriforme e, posteriormente, produz uma massa de ovos que geralmente permanece fora da raiz, com possibilidade de ser vista a olho nu.
Esta massa contém, em média, de 500 ovos a mil ovos envolvidos por uma substância gelatinosa que os protege contra dessecação e outras condições desfavoráveis. Em determinadas situações, como altas temperaturas e hospedeiro altamente suscetível, o número de ovos produzidos nesta massa pode ultrapassar duas mil unidades. Dentro de cada ovo vai ocorrer a formação do juvenil de primeiro estádio (J1), que sofre uma ecdise e se transforma em juvenil de segundo estádio (J2), ainda no interior do ovo. Este representa a forma infectiva que eclode do ovo, vai para o solo ou diretamente infecta outra raiz, passando por mais três ecdises até chegar à fase adulta, completando assim o ciclo em torno de 21 dias a 45 dias, a depender das condições climáticas e da espécie de nematoide envolvida, com possibilidades de ser completado em até 70 dias no inverno.
O nematoide-das-galhas movimenta-se a curta distância, aleatoriamente entre as partículas do solo, até encontrar o sistema radicular. A disseminação ocorre em condições adequadas de temperatura e umidade do solo. Os solos arenosos são os mais propícios para disseminação do nematoide. A disseminação a longa distância é realizada por meio da água de irrigação ou da chuva, do transporte de partículas de solo ou de raízes, ferramentas, máquinas e implementos agrícolas. Na ausência do hospedeiro, o patógeno pode sobreviver na forma de ovos e juvenis que se encontram no solo ou em raízes de plantas daninhas ou plantas remanescentes da cultura. Como exemplo de plantas daninhas hospedeiras do nematoide-das-galhas, destacam-se maria pretinha (Solanum americanum), joá-de-Capote (Nicandra physaloides), falsa-serralha (Emilia fosbergii), juá bravo (Solanum sisymbriifolium), caruru (Amaranthus hybridus), arrebenta cavalo (Solanum aculeatissimum), melão-de-são-caetano (Momordica charantia), entre outras. O ciclo de vida do nematoide-das-galhas encontra-se representado na Figura 3.
A adoção de diferentes medidas de manejo integradas deve ser a estratégia mais empregada, para que a população do nematoide-das-galhas mantenha-se abaixo dos níveis de dano econômico. As medidas preventivas mais eficientes consistem em impedir a entrada do nematoide-das-galhas em áreas de cultivo do meloeiro, selecionar as áreas para plantio livres do patógeno e principalmente utilizar mudas sadias. Outras medidas de manejo para o nematoide-das-galhas incluem o alqueive com aração profunda e gradagens sucessivas, pousio, eliminação de restos culturais, limpeza de ferramentas, máquinas e implementos agrícolas, plantio de plantas antagonistas, rotação de culturas, controle biológico e o uso do controle químico em último caso. Para o manejo do nematoide das galhas a rotação é uma atividade complexa, exceto quando se utilizam plantas não hospedeiras, como as gramíneas (cultivares braquiária, milho milheto resistentes). Deve-se ressaltar que, até o momento, não existem cultivares comerciais de meloeiro resistentes a esses nematoides.
O plantio de plantas antagonistas causa redução dos níveis populacionais de nematoides. Crotalárias (Crotalaria spectabilis, Crotalaria juncea), cravo-de-defunto (Tagetes patula, Tagetes minuta, Tagetes erecta e mucunas (Mucuna aterrima) são exemplos de plantas antagonistas que são utilizadas com sucesso no controle de nematoides. Merece destaque o fato de que a mucuna-preta (Mucuna aterrima) tem comprovada eficácia para M. incognita, mas não para M. javanica. Para o controle das espécies de Pratylenchus indica-se apenas o plantio de Crotalaria spectabilis e de cravo-de-defunto.
Cultivares de melão enxertadas em porta-enxertos de cucurbitáceas resistentes a nematoides é uma prática alternativa de manejo do nematoides de galhas (Thies et al, 2010; Ito et al, 2014). O interesse por esta técnica vem crescendo no mundo, pelas vantagens de resistência e/ou tolerância a altas e baixas temperaturas além dos nematoides (Kubota et al, 2008; Lee et al, 2010). Abóboras híbridas (Cucurbita maxima Duchesne × Cucurbita moschata Duchesne) são amplamente utilizadas como porta-enxertos de melão, sendo altamente resistentes à murcha de fusário, verticílio e crestamento gomoso (Guan et al, 2012; Louws; Rivard; Kubota 2010). No entanto, são suscetíveis aos nematoides-das-galhas e podem ter efeitos adversos na qualidade dos frutos de algumas cultivares de melão (Davis et al, 2008; Sakata; Ohara; Sugiyama, 2008). Quando da utilização de mudas enxertadas, para o investimento realizado ter retorno financeiro, o porta-enxerto não deve possuir apenas resistência a doenças, mas também deve ter compatibilidade, mantendo a produtividade e as características da cultivar utilizada como enxerto (Jang et al, 2012; Guan; Zhao, 2014). O controle químico da meloidoginose deve ser realizado com produtos químicos registrados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Com relação ao controle biológico, vários organismos presentes no solo são parasitos de nematoides, com ênfase para os fungos e as bactérias, utilizados como tecnologia incremental na integração das demais medidas de controle. Como exemplo, a bactéria Pasteuria penetrans é um parasito obrigatório de várias espécies de Meloidogyne.
Rotylenchulus reniformis, conhecido vulgarmente pelo nome de nematoide-reniforme devido ao aspecto morfológico que a fêmea possui quando adulta na forma de um “rim”, é um nematoide que apresenta grande importância para a cultura do meloeiro.
O nematoide reniforme apresenta ampla gama de hospedeiros, tais como o caupi (Vigna unguiculata), feijão-guandu (Cajanus cajan), banana (Musa paradisiaca), abacaxi (Ananas comosus), algodoeiro (Gossypium hirsutum), mamona (Ricinus communis), pepino (Cucumis sativus), abóbora e abobrinhas (Cucurbita moschata), melancia (Citrullus lanatus), batata-doce (Ipomoea batatas), coentro (Coriandrum sativum), quiabo (Abelmoschus esculentus), soja (Glycine max), maracujá (Passiflora edulis), maxixe (Cucumis anguria), tomate (Solanum lycopersicum) e plantas daninhas pertencentes à família das Malvaceae e das Cucurbitáceas.
O nematoide-reniforme ocasiona danos no sistema radicular, interferindo na absorção de nutrientes da planta. Plantas altamente infectadas desenvolvem sintomas de deficiência de nitrogênio, potássio, manganês e outros nutrientes devido à absorção limitada pelas raízes. Além disso, apresentam crescimento reduzido e murcha sob estresse hídrico, clorose e manchas irregulares. A consequência dos danos provocados pelo nematoide é a redução no rendimento e na qualidade dos frutos de melão.
A fêmea de Rotylenchulus reniformis é uma ectoparasita sedentária, que parasita a superfície externa das raízes do meloeiro. Todas as formas de vida de Rotylenchulus reniformis como juvenis, machos e fêmeas imaturas sobrevivem no solo. O macho é de pequeno porte e não parasita as raízes. Juvenis eclodem do ovo e em seguida, na forma de J2, movimentam-se no solo e sofrem mais três ecdises antes de se alimentarem. Depois da última ecdise, fêmeas imaturas vermiformes encontram as raízes e as parasitam. Com o passar do tempo, o corpo da fêmea incha e fica com aspecto de um rim. Inicialmente, durante a penetração, as fêmeas imaturas causam destruição de células da epiderme, resultando em lesões necróticas pequenas. Com a movimentação da sua região anterior através do parênquima cortical, ocorre a morte de células e a fêmea imatura alcança a endoderme e periciclo onde vai estabelecer seu sítio de infecção no floema. Entre cinco e dez células do tecido das raízes ao redor da sua região anterior (‘cabeça’) vão ser atingidas por substâncias que são produzidas pelas suas glândulas esofagianas. A fêmea vai permanecer no sítio de alimentação até tornar-se uma fêmea adulta. Com o passar do tempo, ocorrem necrose do floema e colapso da região do córtex, havendo desta maneira crescimento reduzido do sistema radicular e consequente redução no crescimento das plantas. A fêmea deposita em média 50 ovos a 100 ovos em uma mucilagem que fica presa à sua região posterior, externamente à raiz. O ciclo de vida de ovo a ovo é completado aproximadamente de 24 dias a 29 dias, dependendo da espécie hospedeira, do tipo de solo e das condições ambientais como temperatura do solo e umidade (Figura 4). Estádios móveis de R. reniformis podem sobreviver no solo por pelo menos seis meses em temperaturas variando de -4° a 25º.
O nematoide-reniforme é capaz de persistir por longos períodos no solo sem a presença do hospedeiro. Dessa forma, medidas como o pousio ou o alqueive não são recomendadas para o controle. Apesar da ampla gama de hospedeiros, a rotação de culturas é medida interessante para o manejo de R. reniformis. Plantas não hospedeiras, como crotalárias e cravo-de-defunto, podem auxiliar na redução dos níveis populacionais desse patógeno. Até o momento, não foram identificadas cultivares comerciais resistentes de meloeiro ao nematoide-reniforme. Com relação ao controle químico, até o momento, não existem nematicidas registrados no Mapa para o manejo do nematoide-reniforme em plantios de meloeiro.
É um nematoide que ocasiona também importantes reduções na produção do meloeiro.
O primeiro relato do nematoide-das-lesões-radiculares ocasionando infecções naturais em campos de meloeiro foi na região do Polo Assu-Mossoró. Mais de 300 plantas de diferentes famílias botânicas já foram relatadas como hospedeiras de Pratylenchus spp. O nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus spp.) tem sido relatado causando danos severos em diversas culturas de importância econômica, como quiabo, abacaxi, soja, feijão, algodão, milho, especialmente na região de cerrado.
Os sintomas causados por nematoides do gênero Pratylenchus não são específicos, podendo ser facilmente confundidos com os causados por outros patógenos ou deficiências nutricionais. Entretanto, o principal sintoma reside na presença de intensas lesões escuras (necróticas) nas raízes e radicelas das plantas parasitadas.
As plantas doentes normalmente se manifestam em reboleiras na lavoura. Fungos e bactérias podem penetrar nessas lesões, potencializando os danos nas raízes e, consequentemente, causando apodrecimento. Além disso, podem causar drástica redução de crescimento e atraso em seu ciclo. Na parte aérea, são verificados crescimento atrofiado e presença de folhas cloróticas, e consequente redução no rendimento do meloeiro.
Atualmente existem mais de 70 espécies de Pratylenchus com uma ampla gama de hospedeiros e distribuição generalizada nas diversas regiões do mundo. Em cultivos de meloeiro, a espécie mais importante é P. brachyurus.
São endoparasitos migradores que causam danos nas raízes devido à alimentação, à movimentação ativa e à liberação de enzimas e toxinas no córtex radicular. A primeira ecdise de Pratylenchus ocorre dentro do ovo, de onde sai o juvenil de segundo estádio. Todos os estádios de desenvolvimento são ativos e vermiformes (Figura 5), podendo penetrar nas raízes de meloeiro, de onde migram continuamente nos tecidos intra e intercelular e se reproduzem, chegando a alcançar altos níveis populacionais.
Nematoides do gênero Pratylenchus permanecem migradores durante todo o ciclo de vida e se movimentam ativamente no solo até encontrar as raízes de meloeiro, onde penetram e migram no córtex radicular, podendo retornar ao solo. As fêmeas depositam seus ovos isoladamente ou em grupos no solo ou nas raízes. Cada fêmea produz, em média, aproximadamentee 80 ovos a 150 ovos durante toda a vida.
Os danos causados por espécies do gênero Pratylenchus são distintos quando comparados com aqueles causados pelos nematoides-das-galhas, basicamente devido às diferenças nos seus ciclos de vida. Os níveis de danos e população variam grandemente, de 0,05 nematoides/cm3 a 30 nematoides/cm3 de solo e ciclo de vida de Pratylenchus de três a quatros semanas. Centenas de plantas daninhas são hospedeiras dos nematoides-das-lesões-radiculares, principalmente dentro da família das gramíneas, que podem contribuir para a manutenção e o aumento dos níveis populacionais no campo.
Um dos principais fatores responsáveis pela distribuição e disseminação de nematoides do gênero Pratylenchus é a textura do solo. Solos com textura arenosa ou média geralmente favorecem a maioria das espécies do gênero. Outro fator que favorece o ciclo de vida do nematoide das lesões radiculares é a umidade do solo, onde 70% a 80% da capacidade de campo representa condição ótima para várias atividades do nematoide.
O controle do patógeno deve ser realizado mediante a integração de várias práticas preventivas, de modo a evitar a entrada do nematoide na área, e de controle para a redução dos níveis populacionais dos nematoides em áreas já infestadas, pois uma vez infestada, é impossível erradicar o patógeno da área.
Em relação à rotação de culturas, existem poucas opções de espécies para essa prática devido à sua ampla gama de hospedeiros. As crotalárias, especialmente Crotalarias spectabilis, constituem boas opções para o uso em rotação de culturas, pois reduzem os níveis populacionais do nematoide, após um ciclo de cultivo.
É importante mencionar que a ocorrência concomitante em uma mesma área do nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus) e do nematoide-das-galhas (Meloidogyne spp.) dificulta em muito o manejo cultural, em relação à rotação de culturas, visto que ambos os gêneros são polífagos. Além disso, Pratylenchus alimenta-se preferencialmente em gramíneas, principalmente milho e milheto, o que dificulta o manejo cultural, visto que a recomendação de rotação de culturas para Meloidogyne prioriza a utilização de espécies desta família.
Para áreas sabidamente infectadas, recomenda-se o alqueive, que consiste em manter o solo sem plantas hospedeiras ou qualquer tipo de vegetação, com revolvimento do solo por meio de aração ou gradagem em intervalos de 15 dias a 20 dias por dois meses, o que constitui excelente medida de manejo. Vale ressaltar que o excesso de adubação nitrogenada e de irrigação pode aumentar os danos de Pratylenchus. Até o presente momento não há na literatura menção do uso de enxertia como alternativa para manejo do nematoide-das-lesões-radiculares.
Jadir Borges Pinheiro, Raphael Augusto de Castro e Melo, Alexandre Augusto de Morais, Embrapa Hortaliças
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