Manejo do solo para elevados patamares produtivos

A formação de perfil do solo exige que fatores da química, da física e da biologia sejam considerados e manejados em conjunto, de modo a criar ambientes que sustentem elevados patamares produtivos

23.07.2020 | 20:59 (UTC -3)
Larissa Gomes Araújo Tormen, Instituto Phytus

O impacto da formação do perfil do solo na produtividade agrícola tem sido cada vez mais evidenciado, principalmente em safras onde a precipitação é insuficiente ou irregular. As perdas em produtividade são mais expressivas quando os níveis de precipitação insuficientes coincidem com os períodos de floração, maturação e enchimento de grãos, estádios das culturas que requerem elevada oferta hídrica.

O crescimento das raízes em profundidade com o objetivo de maior tolerância ao estresse hídrico tem sido um dos principais objetivos que impulsionaram a busca pela formação do perfil do solo (Figura 1). No entanto, além de melhorar a eficiência de utilização da água disponível no perfil, o maior desenvolvimento das raízes das plantas traz diversos outros benefícios, como a eficiente recuperação de nutrientes que podem ser lixiviados, a melhor interação com a microbiota e a maior capacidade de tolerar ataque de pragas e patógenos. Diante disso, mesmo para áreas em que o suprimento hídrico não seja uma limitação, a formação do perfil possibilitará o desenvolvimento mais adequado das plantas, aumentando a capacidade de tolerar estresses bióticos e abióticos.

Figura 1 - Representação da disponibilidade de água em um perfil do solo com limitações para o crescimento radicular
Figura 1 - Representação da disponibilidade de água em um perfil do solo com limitações para o crescimento radicular

A formação do perfil do solo é frequentemente associada apenas à maior disponibilidade de nutrientes distribuídos para camadas abaixo de 20cm de profundidade de solo, dando maior relevância para os atributos químicos. No entanto, a construção do perfil vai além do aumento dos teores de nutrientes, pois os parâmetros relacionados à física e à microbiologia do solo exercem grande influência no desenvolvimento das raízes e consequentemente das plantas. Portanto, esses fatores devem ser trabalhados em conjunto para que possibilitem maior equilíbrio dos nutrientes, diversidade microbiana e estruturação do solo.

No que se refere à oferta de nutrientes para a formação do perfil do solo, ainda que todos os macronutrientes e micronutrientes sejam essenciais às plantas, alguns assumem maior importância em função das características dos solos brasileiros e dos próprios nutrientes. O cálcio, por exemplo, participa em diversas funções essenciais para o crescimento adequado das plantas, principalmente relacionado ao desenvolvimento das raízes, pois é componente da parede celular. Esse efeito é demonstrado claramente na Figura 2, onde o aumento da disponibilidade de cálcio no solo promoveu um crescimento linear da massa de raízes de cana-de-açúcar.

Figura 2 - Disponibilidade de cálcio no perfil do solo e massa de raízes de cana-de-açúcar de primeiro corte cultivada em Latossolo Vermelho. Fonte: Modificado de Araújo et al, 2016
Figura 2 - Disponibilidade de cálcio no perfil do solo e massa de raízes de cana-de-açúcar de primeiro corte cultivada em Latossolo Vermelho. Fonte: Modificado de Araújo et al, 2016

Apesar da importante participação do cálcio para o crescimento adequado das raízes, a oferta desse nutriente nos solos brasileiros é frequentemente baixa ao longo de todo o perfil do solo. Adicionalmente, em função de sua limitada mobilidade nas plantas via floema, o crescimento das raízes em profundidade é dependente da sua disponibilidade em todo o perfil do solo.

Outro elemento que possui grande influência no crescimento das raízes é o alumínio, que na forma Al3+ é tóxico para o crescimento radicular, reduzindo o seu comprimento e consequentemente a absorção de nutrientes pelas plantas. Em seu estado natural, a maior parte das regiões agrícolas brasileiras apresenta elevados teores de alumínio ao longo do perfil e, para áreas já corrigidas, é comum haver níveis inadequados de saturação por alumínio em camadas mais profundas (abaixo de 40cm). Essa condição limita o crescimento radicular às camadas superficiais do solo, onde normalmente foi realizada a correção com a utilização de calcário.

A redução da toxidez por alumínio e o aumento dos teores de cálcio em profundidade favorecem o crescimento do sistema radicular das plantas. O uso do calcário com essa finalidade promove o aumento dos teores de cálcio e a redução da toxidez por alumínio principalmente na camada onde é incorporado, porém tem pouco efeito sobre as camadas mais profundas. A aplicação combinada de calcário com fontes que apresentam maior solubilidade, como o gesso, pode ser uma alternativa para o incremento dos teores de cálcio no perfil e redução da toxidez por alumínio sem a necessidade de revolvimento do solo, que sabidamente tem efeito negativo sobre outros parâmetros.

Esse efeito é demonstrado na Figura 3, onde a aplicação de calcário e gesso promoveu o aumento dos teores de cálcio até 60cm profundidade após um ano da aplicação quando comparado com a aplicação isolada do calcário.

Figura 3 - Efeito da aplicação combinada de calcário e gesso sobre a disponibilidade de cálcio no perfil de um Latossolo Vermelho. Fonte: modificado de Araújo et al, 2016
Figura 3 - Efeito da aplicação combinada de calcário e gesso sobre a disponibilidade de cálcio no perfil de um Latossolo Vermelho. Fonte: modificado de Araújo et al, 2016

Além dos fatores relacionados à oferta de nutrientes, a construção do perfil é influenciada pela estruturação do solo. Essa estrutura é composta pela agregação das partículas do solo com os componentes minerais e orgânicos, o que resulta na formação de macro e microagregados. Tal propriedade exerce influência no desenvolvimento radicular, atividade microbiana, infiltração e retenção de água, matéria orgânica e uma infinidade de outras propriedades.

O manejo empregado nas áreas agrícolas exerce grande influência sobre a estruturação do solo, tanto de forma positiva como negativa. Práticas que proporcionam o aumento do aporte de biomassa vegetal, formação e manutenção da palhada e o revolvimento mínimo do solo favorecem uma boa estruturação do solo. Por outro lado, operações com umidade inadequada e revolvimento do solo são bons exemplos de manejos que frequentemente ocasionam a deformação dos agregados do solo e resultam na formação de zonas de impedimento ao crescimento radicular, reduzindo a capacidade da planta de utilizar a água e nutrientes disponíveis (Figura 4).

Figura 4 - Raízes de soja deformadas em função da baixa estruturação e compactação do solo
Figura 4 - Raízes de soja deformadas em função da baixa estruturação e compactação do solo

Dentre as práticas de manejo que contribuem para uma boa estruturação do solo está a utilização de plantas de cobertura, que favorecem inúmeros benefícios ao sistema. Esse efeito ocorre principalmente devido ao maior aporte de biomassa vegetal, tanto aérea como de raízes, além da maior diversificação de matérias vegetais com distintos crescimentos radiculares e tempo de decomposição. Algumas plantas de cobertura têm sido amplamente utilizadas no Brasil, como é o caso de milheto (Pennisetum sp.), brachiaria (Brachiaria sp.), aveia (Avena sativa/Avena strigosa), nabo (Raphanus sativus) e crotalária (Crotalaria sp.)

A forma de implementação das plantas de cobertura dentro do sistema de produção varia muito entre regiões e mesmo propriedades, porém o mais usual tem sido a sua semeadura após a colheita da cultura de verão, que na maior parte das áreas é a soja. Isso ocorre normalmente no final da estação chuvosa em boa parte das regiões, impondo diferentes cenários de disponibilidade hídrica para o crescimento das plantas de cobertura. Desse modo, a escolha da planta de cobertura precisa considerar, além do objetivo principal de sua implantação, as condições ambientais às quais será submetida e que condicionam seu desenvolvimento.

As plantas de cobertura possuem importante participação na formação do perfil do solo, pois condicionam suas propriedades químicas, físicas e biológicas. Do ponto de vista da química do solo, as plantas de cobertura promovem a ciclagem e incorporação de nutrientes, possibilitando a maior eficiência de sua utilização e o aumento dos teores de matéria orgânica no solo. No caso dos atributos físicos e biológicos, as plantas de cobertura auxiliam na estruturação e proteção das camadas superficiais do solo, reduzindo a oscilação térmica, promovendo maior infiltração de água e redução da taxa de evaporação. A soma desses fatores, associada ao aporte de resíduos vegetais, contribui para o aumento da biodiversidade de micro-organismos do solo, constituindo um ambiente mais equilibrado entre micro-organismos benéficos e fitopatogênicos.

O alcance de maiores patamares produtivos e a estabilidade desses potenciais está diretamente relacionado à capacidade dos cultivos agrícolas em tolerar situações de estresses, sejam eles bióticos ou abióticos. A construção do perfil do solo tem participação fundamental no desenvolvimento de plantas com sistemas radiculares profundos e volumosos, tornando-as mais resilientes aos inúmeros estresses aos quais serão submetidas. Diante desse cenário, para a construção do perfil os fatores da química, da física e da biologia do solo devem ser considerados e manejados em conjunto, de modo a criar ambientes de solos que sustentem elevados patamares produtivos. 

Figura 5 - Plantas de cobertura, comumente utilizadas (a) brachiaria (Brachiaria sp.), (b) aveia (Avena sativa), (c) nabo (Raphanus sativus), (d) milheto (Pennisetum sp.) e (e) crotalária (Crotalaria sp.)
Figura 5 - Plantas de cobertura, comumente utilizadas (a) brachiaria (Brachiaria sp.), (b) aveia (Avena sativa), (c) nabo (Raphanus sativus), (d) milheto (Pennisetum sp.) e (e) crotalária (Crotalaria sp.)

Larissa aborda os fatores a serem observados quanto ao perfil do solo
Larissa aborda os fatores a serem observados quanto ao perfil do solo

Larissa Gomes Araújo Tormen, Instituto Phytus

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