Diante da agressividade do problema, uso de fungicidas é indispensável, além de medidas integradas para auxiliar no controle
18.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Hortaliças e Frutas
No Brasil, a batata é a principal hortaliça cultivada do ponto de vista econômico. Atualmente, a área plantada alcança aproximadamente 120 mil hectares, com produção de 3,7 milhões de toneladas (IBGE, 2017). A produção poderia ser ainda maior, não fossem os prejuízos provocados pelos micro-organismos causadores de doenças.
Para o manejo de doenças na cultura da batata é importante considerar três fatores básicos, conhecidos como o triângulo da doença. O primeiro deles é o hospedeiro (cultivar da hortaliça que está sendo plantada). O segundo, ambiente, se refere às condições edafoclimáticas, constantemente ideais para o desenvolvimento de doenças e epidemias. O terceiro vértice do triângulo é o patógeno, que deve ser virulento e presente em grandes quantidades no ambiente.
A principal doença da batata é o míldio, mais conhecida como mela ou requeima. Possui tamanha importância que destruiu milhares de hectares de batata, na década de 1940, provocando fome e morte de milhões de pessoas em todo o continente europeu. No Brasil, as quantidades de defensivos utilizados para o controle deste patógeno são extremamente elevadas, devido ao fato de que as pulverizações são realizadas por meio de calendário fixo, desconsiderando os fatores ecológicos que afetam a interação entre este oomiceto e a batateira, principalmente as condições ambientais.
Desenvolvimento da doença no campo
O agente causal da requeima é o oomiceto Phythophthora infestans, que ao contrário dos chamados fungos verdadeiros, produz micélio cenocítico (sem septos) hialino e esporângios hialinos liminiformes, estas últimas formadas sob condições de alta umidade relativa, acima de 90%, e temperaturas amenas entre 18ºC e 22°C, que por sua vez formam os zoósporos biflagelados, em temperaturas mais baixas (com temperatura ótima de 12°C). Estas estruturas são as unidades assexuadas do oomiceto que causarão surtos epidêmicos. Portanto, em regiões de clima ameno, as epidemias são geralmente mais severas. Ainda assim, pode ocorrer a germinação direta de esporângios em regiões de clima antes considerado desfavorável ao desenvolvimento da doença, provocando surtos epidêmicos. A principal forma de disseminação do patógeno ocorre pelo vento, mas pode se dar também por meio de água, insetos, mudas e tubérculos contaminados. Em presença de água na superfície foliar, os zoósporos se dispersam rapidamente para vários pontos da folha, provocando o surgimento de diversos sítios de infecção. Noites com temperaturas amenas (16ºC – 20°C) e umidade relativa na faixa de 90% – 100% são ideais para o desenvolvimento da requeima, pois são fatores-chave para a infecção e esporulação do patógeno. O ciclo de vida do patógeno se completa entre quatro e cinco dias. Em temperaturas acima de 30°C a doença não se desenvolve, mas o patógeno permanece nos tecidos do hospedeiro, e quando as condições voltam a ser favoráveis os ciclos de infecção recomeçam.
Prejuízos da requeima à produção de batata
Em condições favoráveis, P. infenstans pode destruir completamente uma lavoura em poucos dias, devido à destruição da folhagem. Os esporos deste patógeno, que são as células reprodutivas, aderem em minutos à superfície da planta e em menos de três horas penetram nos órgãos da parte aérea. Após três a quatro dias os sintomas já são visíveis. O fungo sobrevive por muito tempo na batata-semente e ocorre também a disseminação pelo vento que o transporta para novos locais.
Em áreas com alto nível de infecção e controle ineficiente, os prejuízos podem chegar em 100%.
Nos últimos anos ocorreu o aparecimento de novas raças ainda mais agressivas do patógeno e, consequentemente, a demanda de uma maior quantidade de aplicação de agroquímicos. Estima-se que os prejuízos causados por essa doença em todo o mundo ultrapassem os 8 bilhões de dólares. Algumas estimativas indicam que no Brasil mais de 20% do custo de produção é direcionado para o controle da requeima da batata.
Sintomas da requeima na batateira
O oomiceto sobrevive no campo por meio de restos culturais infectados de safras anteriores ou através do material propagativo contaminado. Geralmente, antes de generalizar-se, a doença surge na lavoura por meio de focos isolados, podendo ser propagada rapidamente por toda a planta, contaminando tubérculos, caules, folhas e pecíolos, até matar a planta por completo em um curto período de tempo. Nas folhas, as lesões se iniciam aquosas no limbo foliar com rápido crescimento, e em pouco tempo provocam a necrose, apresentando bordos de tonalidade verde mais clara se comparada com os tecidos sadios. Em condições de alta umidade pode ocorrer a formação das estruturas do patógeno, geralmente na face abaxial das folhas. Sob condições de surtos epidêmicos, as lesões coalescem, destruindo as folhas de forma rápida, dando-lhes aspecto de queimada, o que originou o nome característico da doença.
Como manejar
Em função da agressividade deste micro-organismo, o manejo eficiente da doença requer o uso constante de fungicidas (Tabela 1), tanto protetores quanto sistêmicos, principalmente de forma preventiva, pois a requeima é uma doença muito destrutiva. A aplicação após o aparecimento dos sintomas pode ser inviável econômica e ambientalmente. Portanto, a pulverização de defensivos para o controle da requeima deve ser criteriosa e sempre com o auxílio de um profissional especializado.
Dentre as práticas culturais é recomendável evitar o plantio em solos contaminados pelo fungo, em áreas de baixada e expostos à ocorrência frequente de neblina por períodos prolongados. Evitar também o plantio em solos onde não há boa drenagem e a forma escalonada, ou seja, não implementar novas lavouras próximas de velhas, bem como abandonadas.
Para desfavorecer o fungo, o ideal, se possível, é o plantio em épocas mais quentes com menor volume de chuva. A irrigação deve ser preferencialmente por gotejamento e a incorporação de restos vegetais após a última colheita é essencial para reduzir fontes de inóculo. Para casos mais severos recomenda-se também a rotação de culturas por dois anos com gramíneas ou plantas que não sejam hospedeiras do fungo. Quando as condições do ambiente são favoráveis ao progresso da doença recomendam-se aplicações periódicas de fungicidas de contato registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a cultura.
O período de proteção pode chegar a até oito dias, porém são sujeitos à remoção pela chuva e/ou irrigação. Portanto, após a detecção dos primeiros sintomas da doença no campo, é recomendável a aplicação de fungicidas sistêmicos, também registrados no Mapa para a cultura, que oferecerão proteção por até 14 dias. A aplicação de fungicidas deve ocorrer de forma sequenciada, ou seja, primeiro a aplicação dos produtos de contato a partir da emergência, com posterior aplicação dos produtos sistêmicos no crescimento vegetativo e frutificação da cultura. É de fundamental importância alternar os ingredientes ativos e modos de ação, a fim de evitar a pressão de seleção de patógenos resistentes, visto que P. infestans apresenta alta variabilidade genética.
Para a cultura da batata existem algumas cultivares com bom nível de resistência à requeima, como Araucária, BRS Clara, BRS Cristal, Catucha, Ibituaçu, Itararé, Pérola, IAPAR Cristina, Monte Alegre 172 e SCS 365. Entretanto, a utilização apenas do controle genético não é suficiente, principalmente quando as condições ambientais são favoráveis à doença. Assim, deve-se adotar e integrar as práticas culturais e a aplicação de fungicidas à utilização de cultivares resistentes ou tolerantes. As práticas culturais para o manejo da requeima na batata se assemelham às do tomate. Porém, para a batata tem-se desenvolvido sistemas de previsão e aviso da doença em muitas regiões que são produtoras, de modo a facilitar e reduzir número de aplicações de fungicidas. Esses sistemas preveem a possibilidade de desenvolvimento da requeima a partir de dados de temperatura, umidade e chuva, alertando produtores sobre a necessidade de pulverizações de fungicidas nas lavouras.
Há um grande número de fungicidas registrados no Mapa para o controle da requeima da batata. De maneira geral, as pulverizações de fungicidas protetores que protegem contra a infecção do fungo por até oito dias devem ser repetidas em intervalos de quatro dias a sete dias em períodos chuvosos ou em que há rápido desenvolvimento vegetativo da cultura, e de sete dias a dez dias em períodos mais secos. Os fungicidas sistêmicos possuem ação curativa, sendo translocados pelo sistema vascular, se distribuindo em toda a planta. Esses produtos apresentam rápida absorção e o período de proteção é mais prolongado, por até 14 dias. A aplicação dos fungicidas também deve ser realizada de forma sequencial para a batata, com produtos de contato a partir da emergência, e posterior com produtos sistêmicos no crescimento vegetativo e tuberização da cultura. A alternância de ingredientes ativos e de modos de ação é indispensável, prevenindo a seleção de isolados de P. infestans resistente a fungicidas.
A utilização de barreiras vegetais ao redor da área de produção propicia o isolamento da área e dificulta a disseminação de esporos de fungos por meio de ventos. Assim, as barreiras vegetais podem ser formadas através de algumas plantas de interesse econômico, como sorgo, mandioca, milho, cana-de-açúcar e bananeira, além de árvores frutíferas ou não, capim-colonião e alguns arbustos.
Muitos fungos ainda permanecem viáveis em restos de cultura na área de produção, servindo como fonte de inóculo para os cultivos sucessores. Fazem-se necessárias a destruição e a incorporação dos restos culturais ao solo logo após a colheita. Na decomposição, os materiais orgânicos geram produtos no solo que podem proporcionar o aumento da atividade microbiana natural e reduzir os danos causados pelos fungos através da competição, com favorecimento da ação de micro-organismos antagônicos presentes no solo.
Outras medidas adotadas capazes de prevenir impactos negativos são a escolha de época adequada para plantio, o manejo e as práticas culturais. Logo, sistemas de irrigação por gotejamento são utilizados no controle, evitando a produção de esporos devido à redução do molhamento foliar, e adicionalmente, gerando economia no consumo de água. Como P. infestans é um patógeno capaz de sobreviver em restos culturais, recomenda-se sua eliminação da área de plantio e também de hospedeiros eventuais.
Estratégias alternativas de controle
Diversas pesquisas comprovam a eficiência de fungos usados como antagonistas de P. infestans, que podem reduzir o impacto da doença na cultura, aumentando também o crescimento da planta. Os fungos do gênero Trichoderma spp. demonstram a sua efetividade no controle em função de diferentes mecanismos de ação: competição, antibiose ou hiperparasitismo.
A utilização de óleos essenciais e extratos vegetais é estratégia de manejo que nos últimos anos vem ganhando bastante espaço entre pesquisadores e produtores. Para P. infestans, já foram avaliados extratos de pimenta, pimenta-do-reino, cravo, açafrão-da-índia e alho, a partir dos quais a incidência da doença foi reduzida devido à inibição da formação de zoósporos. Além disso, o óleo de nim, combinado a fungicidas químicos, proporcionou um menor progresso do patógeno, indicando que controles com estes compostos são eficazes e benéficos à cultura. É possível citar também pesquisas com produtos à base de fosfito, que apresentam ação fúngica e antioomicetos, com o potencial de controle de doenças em condições de campo.
Medidas mais eficazes de manejo
1. Plantio de cultivares resistentes;
2. Adubação equilibrada, sem excesso de nitrogênio;
3. Adução com o silício;
4. Evitar o plantio em regiões sujeitas à ocorrência e à permanência de neblina;
5. Realizar a rotação de culturas com espécies de planta não hospedeira da doença;
6. Utilizar batatas-semente de boa procedência;
7. Vistoriar as batatas-semente para a verificação e eliminação de tubérculos infectados;
8. Não plantar em áreas próximas de culturas velhas de batata e de tomate;
9. Realizar plantios menos adensados, para um melhor arejamento;
10. Eliminar plantas voluntárias próximas às lavouras;
11. Destruir os restos da cultura logo após a colheita.
João Pedro Elias Gondim, Universidade Federal de Lavras; José Feliciano Bernardes Neto, Juliano Henrique Alves de Sousa Carvalho e Rodrigo Vieira da Silva, IF Goiano Campus Morrinhos
Cultivar Hortaliças e Frutas Janeiro 2020
A cada nova edição, a Cultivar Hortaliças e Frutas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de hortaliças e frutas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. Na edição de abril/maio você confere também:
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