Cuidados com o manejo de mancha-branca em milho
Confundida muitas vezes com lesões provocadas pela fitotoxidade de herbicidas, a mancha-branca é uma doença cuja severidade tem aumentado nas lavouras de milho
A leprose dos citros (LC) é uma das mais sérias ameaças à citricultura paulista, sendo uma doença de etiologia viral e endêmica presente no continente americano, da Argentina até o México. Para avaliar sua importância econômica, estima-se que os produtores paulistas gastam aproximadamente 80 milhões de dólares/ano somente com acaricidas específicos para o controle do ácaro-vetor, evitando a disseminação da LC. Seu primeiro relato se deu na Flórida, no início do século 20, onde causou perdas significativas e era referida como “scaly bark” ou “nailhead rust”, mas deixou de ser detectado a partir dos anos 1960. A partir dos anos 1920, doença similar foi descrita na Argentina, no Paraguai e no Brasil, tendo sido considerada similar à dos EUA, e passado a ser chamada de leprose. A enfermidade caracteriza-se por lesões em folhas, ramos e frutos de laranjeiras; pode resultar em desfolha e intensa queda dos frutos. As lesões nos ramos, se muito numerosas, podem coalescer, resultando na morte do ramo, e resultar em uma morte descendente da planta em poucos anos (Figura 1 A-E). Laranjeiras são as mais suscetíveis; tangerinas e pomelos em menor grau e limões são considerados imunes.
No início, a etiologia da LC foi controvertida, mas em 1940, Frezzi, na Argentina, demonstrou a associação do ácaro, identificado como Brevipalpus obovatus, com a LC. Musumecci e Rossetti demonstraram em 1963, que a LC no Brasil era transmitida por B. phoenicis. Knorr, na Flórida notou que lesões de ramos da LC, enxertadas em ramos sadios, se propagavam sugerindo etiologia viral, hipótese que foi confirmada subsequentemente por uma série de evidências, como a presença de alterações celulares e partículas semelhantes às causadas por vírus por Kitajima et al nos anos 1970 e transmissão mecânica do vírus por Colariccio et al em 1995. A presença da CL acha-se confirmada em quase todos os países da América Latina (Argentina, Paraguai, Brasil, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Panamá, Nicarágua, Honduras, El Salvador, Belize e México).
Em 1995, o signatário se integrou à Esalq como professor visitante, após aposentar-se da Universidade de Brasília, onde era docente, a convite do professor Raul Machado, para gerir o recém-criado Laboratório de Microscopia Eletrônica do campus. Para manter suas pesquisas, decidiu começar investigações sobre vírus de plantas transmitidos por ácaros Brevipalpus (VTB), com enfoque na LC, atividade mantida até hoje e que contou com apoio de uma equipe multidisciplinar, multi-institucional e multinacional, e suporte financeiro da Fapesp. Desde 2006, quando se aposentou compulsoriamente, mantém os estudos sobre VTB como servidor voluntário/pesquisador colaborador da Esalq, com a anuência do Departamento de Fitopatologia e Nematologia e a direção da instituição.
Nestes 24 anos de investigações desde então, houve um incremento exponencial de informações não só sobre CL, mas sobre VTB em geral, com a identificação e caracterização de vários deles e avanços nos conhecimentos sobre a biologia e a sistemática dos ácaros Brevipalpus, e das relações dos que atuam como vetores e os vírus transmitidos.
Um avanço significativo na compreensão do patossistema da LC foi dado, quando se conseguiu obter sequenciais parciais do vírus causador a partir do dsRNA em 2003, com as quais se desenvolveu uma ferramenta para sua detecção molecular (RT-PCR) de maneira rápida e precisa, em grande número de amostras, tendo contribuído para confirmar a presença do LC nos países já citados. Logo a seguir, em 2006, logrou-se obter a sequência total do genoma do agente da CL, que foi denominada de vírus da leprose C (CiLV-C), distinto de outros vírus de planta conhecidos, para o qual foi proposta a criação de um gênero novo Cilevirus, aceito pelo International Committee for Virus Taxonomy (ICTV).
Estudos morfológicos já haviam sinalizado, em 2003, que existem dois tipos distintos de VTB baseados nos efeitos que eles causavam nas células infetadas. O tipo citoplasmático, com partículas baciliformes curtas e a presença de uma inclusão densa (viroplasma) no citoplasma (Figura 2A). Outro, referido como nuclear, induz um viroplasma claro no núcleo, tendo partículas em forma de bastonetes curtos, presentes no núcleo e no citoplasma (Figura 2B). Estudos moleculares confirmaram esta dicotomia, indicando que o tipo citoplasmático corresponderia aos Cilevirus, como CiLV-C, enquanto o nuclear corresponderia aos Dichorhavirus. Este gênero, que tem como membro tipo o vírus da mancha das orquídeas (OFV) (Figura 3D), é próximo aos gêneros Nucleorhabdovirus e Cytorhabdovirus, ambos vírus de plantas e integram a família Rhabdoviridae.
Dentre os VTB conhecidos no Brasil, CoRSV (um dichorhavírus) (Figura 3E) e o da pinta verde do maracujá (PfGSV) (Figura 3B), um possível Cilevirus, podem causar certas perdas, e além deles, levantamentos sucessivos têm identificado vários casos de VTB, como leprose do afineiro (LigLV) (Figura 3A), mancha anular do solano-violeta (SvRSV) (Figura 3C), mancha anular da dama-da-noite (CeRSV) (Figura 3G), mancha clorótica do Clerodendrum (ClCSV) (Figura 3F) e outros ainda sem identificação, em diversas espécies de plantas, em geral ornamentais. Em todos estes casos de VTB, a característica comum é que os sintomas resultantes da infecção são invariavelmente localizados (manchas cloróticas, anelares, necróticas), que não se tornam sistêmicos, possivelmente porque estes VTB não logram infetar células do floema e, assim, invadir os vasos crivados, para serem transportados à distância dentro da planta infetada.
Merece destaque o fato de a LC, na realidade, não ser uma enfermidade única, mas uma síndrome com sintomas muito semelhantes, que podem ser causada por vários VTB distintos, além do CiLV-C, que de longe é o mais importante economicamente e o mais disseminado (Figura 1 A-E). Na Colômbia foi descrito o CiLV-C2, outro Cilevirus (Figura 1F). No México e na Colômbia, um isolado do OFV foi identificado como agente causal de CL (Figura 1J). Outros Dichorhavirus como o da leprose N (CiLV-N) (Figura 1G) detectado em região de clima ameno e de maiores altitudes no Sudeste brasileiro, da mancha clorótica (CiCSV) (Figura 1H) identificado no Piauí, da mancha brilhante (CiBSV) (Figura 1I) nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul são considerados parte da síndrome da LC. Recentemente foi relatado na África do Sul o primeiro surto de CL em laranjeiras (Figura 1K) fora do continente americano, causado por um isolado do OFV. Embora a CL da Flórida tenha desaparecido há cerca de 50 anos, análises feitas em amostras herbarizadas mostraram que ela teria sido causada por outro possível isolado do OFV. Na Colômbia, CiLV-C foi detectado em 2006, e CiLV-C2 em 2013, havendo indícios de que este passe ser o vírus predominante. No Brasil, o CiLV-C2 ainda não foi registrado, tampouco isolados de OFV afetando plantas cítricas como ocorre na Colômbia, no México e na África do Sul. Os Dichoravirus descritos entre nós (CiLV-N, CiCSV e CiBSV) são marginais e de rara ocorrência. Estudos sobre diversidade de CiLV-C mostram que o isolado originalmente estudado e referido como de Cordeirópolis (CiLV-C CRD) ocorre em todo continente americano. Mas no estado de São Paulo, outro isolado detectado há aproximadamente dez anos, chamado de São José do Rio Preto (CiLV-C SJP), está rapidamente se dispersando em todos pomares. Possivelmente este isolado seria mais eficientemente transmitido pelas populações de B. yothersi presentes nos pomares.
As investigações sobre este patossistema dos VTB incluem os ácaros Brevipalpus (Figura 4 A-B), pertencente à família Tenuipalpidae. Atualmente acham-se listadas 291 espécies reconhecidas de Brevipalpus, que se distribuem globalmente das regiões equatoriais às subtropicais. Poucas delas, contudo, estão envolvidas na transmissão dos VTB. Até recentemente, eram reconhecidas as espécies B. obovatus, B.californicus e B. phoenicis como vetoras. Ácaros Brevipalpus são pequenos (adultos medem ca. 0,3mm), achatados e de coloração vermelha-marrom (Figura 4A), e a maioria deles se reproduz por partenogênese telítoca, fêmeas gerando fêmeas. Alimentam-se sugando células, que são perfuradas pelo estilete (Figura 4 C, D). Há evidências indicando que partículas dos VTB presentes nas células infetadas são ingeridas juntamente com o conteúdo celular circulando no corpo do ácaro a partir do intestino médio, passando pela glândula prosomal anterior (=salivar) e introduzida na planta hospedeira com a saliva no início da alimentação, resultando na infecção. Os Dichorhavirus, como OFV, CoRSV e ClCSV multiplicar-se-iam nos tecidos do vetor, enquanto os Cilevirus (CiLV-C, CiLV-C2, PfGSV, SvRSV) apenas circulariam no corpo do ácaro-vetor, sem infetá-lo. Houve recentemente alterações nos critérios morfológicos para identificação das espécies de Brevipalpus com a introdução de caracteres adicionais e também com a utilização de marcadores moleculares (DNA do núcleo ou mitocondrial) resultando em mudanças importantes na sistemática. Assim, a espécie tida como B. phoenicis foi desmembrada em pelo menos oito espécies, algumas novas e outras “ressuscitadas” e isto levou à reconfiguração das espécies tidas como vetoras. Por exemplo, a principal espécie vetora de CiLV-C foi identificada como B. yothersi, enquanto o vetor de CoRSV, seria B. papayensis. A Tabela 1 lista os VTB e as espécies de Brevipalpus atualmente reconhecidas como vetoras.
Hoje a epidemiologia do CiLV-C é bem conhecida e as estratégias de seu manejo na citricultura paulista baseiam-se essencialmente no controle químico e outras práticas culturais para evitar a disseminação de seu vetor, B. yothersi. A recente chegada do Greening/HLB causou mudanças significativas no manejo fitossanitário (intensificação do uso de inseticidas, redução no espaçamento entre plantas) da citricultura paulista, aliada e um menor número de acaricidas específicos para B. yothersi disponível. Para enfrentar este novo desafio, várias pesquisas estão em andamento para encontrar soluções para se manter CL sob controle.
Com relação à criação da família Kitaviridae, foi ela uma cortesia prestada pelo grupo de trabalho responsável pela sistemática de Cilevirus, dentro do ICTV. O ICTV incentivou recentemente a criação de novas famílias para numerosos gêneros “órfãos”, e este grupo propôs incluir os gêneros Cilevirus, Higrevirus e Blunervirus, que têm organização genômica similar, em uma nova família Kitaviridae, homenageando o signatário, em função de suas contribuições para o avanço dos conhecimentos sobre os VTB. Contudo, deve-se deixar bastante claro que tais avanços não teriam sido alcançados pelo trabalho de uma só pessoa, e resultaram da participação de um grupo numeroso, com mais de 50 pessoas (docentes, pesquisadores e estudantes), de diversas instituições brasileiras e do exterior, além de agências de fomento à pesquisa como a Fapesp, com as quais este preito deve ser compartilhado.
Elliot W. Kitajima, Pesquisador Colaborador, Departamento de Fitopatologia e Nematologia, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, USP, campus Piracicaba
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