Fertilidade de solo e tolerância das plantas ao ataque de nematoides

Melhoria da fertilidade do solo é uma ferramenta-chave que pode tornar plantas de soja mais tolerantes ao ataque de nematoides e contribuir no manejo integrado

04.12.2020 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

As doenças causadas por nematoides encontram-se entre os principais problemas fitossanitários enfrentados pelos sojicultores brasileiros, principalmente na região Centro-Oeste do País. Das mais de 100 espécies de nematoides associadas a cultivos de soja em todo o mundo, cinco têm ocasionado os maiores prejuízos nas condições brasileiras: nematoide-de-cisto (Heterodera glycines), nematoide-de-galhas (Meloidogyne javanica M. incognita), nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus) e nematoide-reniforme (Rotylenchulus reniformis). Recentemente, outras espécies têm sido apontadas como possíveis causadoras de danos às raízes de soja no Brasil, como Scutellonema brachyurus, Tubixaba tuxaua e Helicotylenchus dihystera, porém apresentando, até o momento, importância secundária. Além dos nematoides prejudiciais às raízes, há ainda o Aphelenchoides besseyi, relacionado à “soja louca II”, que tem ocasionado perdas médias de produtividade de até 60% em regiões quentes e chuvosas do Maranhão, Tocantins, Pará e Mato Grosso.

Os sintomas ocasionados pelos nematoides das raízes variam em função da espécie, mas todos resultam na formação de reboleiras, onde os danos são mais expressivos. Nesses locais são observados gradientes crescentes de atrofiamento e clorose das plantas até o centro da reboleira, onde pode, inclusive, ocorrer morte de plantas. Como resultado, perdas de 30% a 75% na produtividade da soja pelo ataque de nematoides têm sido reportadas na literatura.

A formação das reboleiras tem sido atribuída à maior densidade populacional dos nematoides em determinadas regiões da lavoura, devido à baixa mobilidade desses parasitas no solo. Entretanto, a intensidade dos danos dos nematoides não está associada apenas à sua concentração e à sua patogenicidade, mas também à suscetibilidade da planta e às características do ambiente. No caso das doenças radiculares causadas por fitonematoides, o ambiente é determinado pela fertilidade química, física e biológica de solo que, por sua vez, influencia tanto a sobrevivência, a reprodução e a patogenicidade dos nematoides, quanto à suscetibilidade das plantas ao parasita.

A importância do ambiente solo na determinação dos danos ocasionados por nematoides é ilustrada na Figura 1, que compara duas regiões de um talhão de aproximadamente 450ha de soja localizado no Médio-Norte do Mato Grosso, infestado pelo nematoide-das-lesões-radiculares (P. brachyurus). A cultivar e a época de semeadura foram idênticas nas duas regiões. Mesmo apresentando uma densidade populacional (do nematoide) cerca de 75% superior, a intensidade dos sintomas é visivelmente menor na região A (26% de argila) em comparação à B (10% de argila). Em geral, o aumento do teor de argila proporciona, entre outros benefícios, maior armazenamento de água e nutrientes, resultando assim em ambiente que favorece maior tolerância das plantas de soja aos danos de P. brachyurus. Da mesma forma, o maior teor de argila resulta em maior acúmulo de matéria orgânica (MOS) no solo, que apresenta papel-chave na melhoria da fertilidade física, química e, sobretudo, biológica do solo.

Figura 1 - Aspecto visual da cultura da soja em duas regiões (A e B) de uma gleba agrícola localizada em Vera/MT, com diferenças na densidade populacional do nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus) e nos teores de argila e matéria orgânica (MOS) do solo na camada de 0-20 cm. A época de semeadura e a cultivar de soja utilizadas foram as mesmas em ambas as regiões
Figura 1 - Aspecto visual da cultura da soja em duas regiões (A e B) de uma gleba agrícola localizada em Vera/MT, com diferenças na densidade populacional do nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus) e nos teores de argila e matéria orgânica (MOS) do solo na camada de 0-20 cm. A época de semeadura e a cultivar de soja utilizadas foram as mesmas em ambas as regiões

Portanto, o foco principal do manejo do solo para a redução dos danos causados por nematoides deve ser o aumento da sua fertilidade, proporcionando: 1) maior tolerância das plantas ao parasitismo; e 2) ambiente supressivo aos nematoides. Neste artigo, será abordado como a melhoria da fertilidade do solo pode tornar as plantas de soja mais tolerantes aos nematoides, buscando conviver com o problema sem prejuízos ao agricultor.

Fertilidade de solo e a tolerância das plantas

O aumento da tolerância das plantas aos nematoides envolve o suprimento adequado e equilibrado de água, oxigênio e nutrientes. Para isso, o perfil do solo não pode apresentar camadas de impedimento físico (compactação) e químico (acidez excessiva, com baixos teores de cálcio e presença de alumínio tóxico) ao crescimento radicular da soja, possibilitando assim um maior volume de solo explorado em busca de água e nutrientes, sobretudo nas camadas mais profundas. Na ausência de tais impedimentos, estudos desenvolvidos na Embrapa Soja mostram que as raízes da soja podem atingir mais de dois metros de profundidade. Além do aumento do reservatório de água e nutrientes para suprimento da demanda das plantas, um crescimento vigoroso e rápido das raízes proporciona efeitos de diluição (mesma população inicial de nematoides no solo para uma maior quantidade de raízes) e de escape (raízes rapidamente ultrapassam a camada com maior concentração de nematoides), diminuindo assim os danos diretos ao sistema radicular.

A prevenção ou eventual correção de camadas de impedimento químico envolve a adoção de práticas como a calagem e a gessagem, realizadas com base na interpretação de laudos de análise química de solo. É importante ressaltar que diversas pesquisas têm demonstrado a viabilidade de se manter um ambiente químico favorável ao crescimento radicular da soja em áreas sob sistema plantio direto (SPD). Essa condição é alcançada por meio de aplicações superficiais de calcário e gesso, sem necessidade de incorporação mecânica, desde que eventuais camadas subsuperficiais com acidez excessiva tenham sido corrigidas (se necessário, com incorporação) no processo de conversão do preparo convencional para o SPD. A adubação correta e equilibrada, levando-se em consideração os teores de macro e micronutrientes no solo e na folha, bem como a exportação pelos grãos, garante suprimento adequado às plantas, o que também aumenta a tolerância aos nematoides.

O manejo de camadas de impedimento físico ao crescimento das raízes deve ser focado na melhoria da estrutura do solo, o que requer a adoção de sistemas de produção com maior diversidade de espécies vegetais e com alto potencial de produção de palha e raízes, conforme exemplificado na Figura 2. Nessa Figura é possível comparar visualmente a estrutura de duas amostras do solo coletadas em fevereiro/2018 na camada de 0-25 cm, em parcelas sob SPD com rotação ou sucessão de culturas, que fazem parte de experimento conduzido desde 1985 na Fazenda Experimental da Coamo, em Campo Mourão, Paraná. Fica evidente que a utilização da sucessão soja/trigo por 33 anos resultou na formação de uma camada compactada entre 6cm e 19cm de profundidade, o que por sua vez limitou o crescimento das raízes da soja, que ficaram concentradas na camada superficial. Essa camada compactada não é observada na amostra que representa as parcelas sob rotação de culturas, onde o maior aporte de palha e raízes ao longo do tempo favorece os processos biológicos de agregação e formação de poros (bioporos).

Figura 2 - Estrutura de duas amostras de solo coletadas em fevereiro/2018 na camada de 0-25 cm, em parcelas sob SPD com rotação e sucessão de culturas, componentes de experimento conduzido desde 1985 na Fazenda Experimental da Coamo, em Campo Mourão/PR. TIE = taxa de infiltração estável de água, obtida em parcelas de 1m2 com o uso de simulador de chuvas
Figura 2 - Estrutura de duas amostras de solo coletadas em fevereiro/2018 na camada de 0-25 cm, em parcelas sob SPD com rotação e sucessão de culturas, componentes de experimento conduzido desde 1985 na Fazenda Experimental da Coamo, em Campo Mourão/PR. TIE = taxa de infiltração estável de água, obtida em parcelas de 1m2 com o uso de simulador de chuvas

A melhoria da estrutura do solo proporciona ainda maior taxa de infiltração, fluxo e armazenamento de água disponível às plantas, bem como equilibra a oferta de água e oxigênio para as raízes, o que também aumenta a tolerância da soja aos danos dos nematoides. Como exemplo, a rotação de culturas produziu um incremento na taxa de infiltração estável de água (TIE, correspondente à situação solo saturado) no experimento Coamo/Embrapa (Figura 2). A TIE foi de 34mm/h na sucessão de culturas, cerca de 2,5 vezes menor que no sistema de rotação de culturas (92mm/h).

Tanto o crescimento das raízes quanto os fluxos e o armazenamento de água disponível, são beneficiados pela cobertura do solo com palha. Em clima tropical, a temperatura máxima das camadas superficiais do solo sem cobertura pode chegar a mais de 50ºC, o que paralisa o crescimento e o funcionamento das raízes principalmente nos estádios iniciais da cultura. Adicionalmente, a cobertura com palha reduz as perdas de água por evaporação até o fechamento das entre linhas da cultura, aumentando a oferta hídrica às plantas.

O aumento da tolerância da soja aos nematoides, em função da melhoria da fertilidade do solo, é comprovado nas Figuras 3 e 4. A produtividade da soja diminuiu linearmente com a densidade do nematoide-das-lesões-radiculares nas raízes, determinada no estádio R5.5, passando de 55 sacas/ha para 36 sacas/ha com o aumento de 500 para dois mil indivíduos por grama de raiz (Figura 3). Porém, observa-se que, em uma mesma densidade populacional (1.200 nematoides por grama raiz), a produtividade variou de 35 sacas/ha a 54 sacas/ha, sendo os pontos de menor produtividade aqueles com baixos teores de Ca e Mg e maior acidez do solo. Assim, infere-se que a correção da acidez do solo reduziu as perdas de produtividade em 19 sacas/ha, o que provavelmente está relacionado à maior tolerância das plantas aos danos de P. brachyurus induzida pela melhor nutrição e pelo maior crescimento das raízes.

Figura 3 - Relação entre a produtividade da soja (cultivar suscetível) e a densidade populacional do nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus), determinada em experimento conduzido sobre solo arenoso (10% de argila), no município de Vera/MT
Figura 3 - Relação entre a produtividade da soja (cultivar suscetível) e a densidade populacional do nematoide-das-lesões-radiculares (Pratylenchus brachyurus), determinada em experimento conduzido sobre solo arenoso (10% de argila), no município de Vera/MT

Já na Figura 4, observa-se que a produtividade de uma cultivar de soja suscetível, em um solo arenoso e com ocorrência de déficit hídrico durante o ciclo, diminuiu de 38 sacas/ha para 12 sacas/ha com o aumento da densidade populacional do nematoide-de-galhas (M. incognita) em cultivo após o milho segunda safra. Por outro lado, a produtividade não foi influenciada pela densidade do nematoide em cultivo após Brachiaria ruziziensis. Para uma população de 100 mil nematoides por planta (bioensaio), a produtividade da soja após o milho foi aproximadamente 25 sacas menor (-56%) comparativamente ao cultivo após Brachiaria ruziziensis. É provável que a maior produção de raízes e palha pela braquiária tenha melhorado a estrutura do solo, favorecendo maior crescimento radicular da soja e, consequentemente, maior acesso à água e aos nutrientes. Da mesma forma, a melhor estrutura do solo, em conjunto com a maior cobertura, pode ter aumentado o volume de água disponível às plantas, resultando em maior tolerância aos danos ocasionados pelo nematoide-de-galhas.

Figura 4 - Relações entre a produtividade da soja (cultivar suscetível) e a densidade populacional do nematoide-de-galhas (Meloidogyne incognita) obtida por bioensaio, em função da cultura antecessora, determinada em experimento conduzido sobre solo arenoso (15% de argila), no município de Assis/SP. O bioensaio consistiu da avaliação do número de nematoides presentes no sistema radicular de plantas de soja suscetíveis cultivadas por 60 dias em casa de vegetação, em vasos contendo o solo coletado na área experimental por ocasião da colheita da soja
Figura 4 - Relações entre a produtividade da soja (cultivar suscetível) e a densidade populacional do nematoide-de-galhas (Meloidogyne incognita) obtida por bioensaio, em função da cultura antecessora, determinada em experimento conduzido sobre solo arenoso (15% de argila), no município de Assis/SP. O bioensaio consistiu da avaliação do número de nematoides presentes no sistema radicular de plantas de soja suscetíveis cultivadas por 60 dias em casa de vegetação, em vasos contendo o solo coletado na área experimental por ocasião da colheita da soja

Considerações finais

Quando se trata de manejo de fitonematoides, a fertilidade do solo sempre ficou em segundo plano. Atualmente, a pesquisa demonstra claramente que um solo fértil sob o ponto de vista químico, físico e biológico é essencial para o aumento da tolerância das plantas, constituindo-se em ferramenta imprescindível no contexto do manejo integrado desses parasitas. Além das boas práticas de manejo da acidez do solo e de adubação das culturas, a efetiva adoção dos fundamentos do Sistema Plantio Direto (SPD) sobretudo no que se refere à utilização de sistemas de produção com maior diversidade de espécies vegetais e maior aporte de palha e raízes, é o caminho para a melhoria da estrutura do solo e sua ativação biológica. Isso aumenta o crescimento radicular da soja e a oferta de água, oxigênio e nutrientes, além de formar um ambiente biologicamente supressivo aos nematoides, diminuindo assim os danos ocasionados à cultura.

Henrique Debiasi, Julio Cezar Franchini, Alvadi A. Balbinot Jr, Embrapa Soja, Londrina/PR; Waldir Pereira Dias, Pesquisador aposentado, Embrapa Soja; Edison Ulisses Ramos Jr., Embrapa Soja, Sinop/MT 

Cultivar Grandes Culturas Setembro 2020

A cada nova edição, a Cultivar Grandes Culturas divulga uma série de conteúdos técnicos produzidos por pesquisadores renomados de todo o Brasil, que abordam as principais dificuldades e desafios encontrados no campo pelos produtores rurais. Através de pesquisas focadas no controle das principais pragas e doenças do cultivo de grandes culturas, a Revista auxilia o agricultor na busca por soluções de manejo que incrementem sua rentabilidade. 

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