Levantamento sobre tendências em agricultura digital segue até 31 de maio
Os resultados do levantamento vão orientar novas pesquisas e inovações, além de ajudar nas estratégias de fortalecimento de pequenos negócios que ofereçam soluções digitais
Para controlar e propor correções de causas que podem estar interferindo, por exemplo, na produtividade das culturas de grãos, devemos estabelecer um diagnóstico de todo o processo produtivo, seja do solo, do clima, da área abrangida, do tipo de cultura e dos componentes de manejo, como forma de mecanização, cultivares, adubação e controle de pragas e de doenças.
Um dos problemas mais comentados na literatura agronômica, bem como tem sido tema recorrente em dias de campo, palestras e cursos, é o processo de compactação nas áreas sob plantio direto no Brasil.
Mas aí começam as dúvidas para o completo entendimento do problema da compactação. Quando se trata de plantio direto, de que estamos falando? Alguns mais técnicos dirão que o correto seria semeadura direta, pois para colher grãos, são semeadas sementes diretamente no solo sem preparo prévio, a não ser uma mínima mobilização na linha de semeadura. E não seria plantio direto, pois tecnicamente envolve colocar partes vivas de plantas no solo, como o plantio de manivas de mandioca, de tubérculos de batata ou de toletes de cana-de-açúcar. Também não seria denominado de transplantio direto, pois esse manejo envolve transplantar diretamente mudas ao solo, como, por exemplo, as de frutíferas ou de eucaliptos. Outros dirão que o processo popularmente consagrado como plantio direto (PD) é mais amplo do que simplesmente colocar as sementes na linha de semeadura com mínimo preparo, tomando outras denominações como plantio direto na palha, sistema de plantio direto na palha (SPDP), entre outros.
Outra dúvida se refere à área de grãos cultivada sob PD ou SPDP no Brasil. Segundo dados oficiais, a área de grãos semeada utilizando essa forma de manejo teve aumento gradativo e rápido até o ano 2010, chegando ao patamar de 36 milhões de hectares. A partir de 2010, a área estabilizou e, segundo analistas de mercado, reduziu nos últimos anos. Isso tem sido explicado por diversas razões, desde aumento do estado de compactação do solo, uso de algum preparo para minimizar efeito de invasoras resistentes a herbicidas ou manejo de palhadas, bem como promover incorporação de insumos a maior profundidade no solo.
Além de não se saber qual a área total atual nem qual o percentual que usa efetivamente o conceito de SPDP, com rotação de culturas, aporte que uma quantidade substancial de massa vegetal (resíduos da parte aérea e de raízes) e preparo localizado realizado pelos órgãos ativos da semeadora somente no sulco de semeadura, não há informações reais do total de área sob PD em que é semeada somente uma cultura, duas ou até mais no ano agrícola. Igualmente não se sabe ao certo qual percentual de terras sob PD em que se emprega integração com pecuária, por exemplo.
Outro fator, tido como importante no processo de compactação do solo em PD, além do já citado acima (integração da lavoura de grãos com pecuária), é a mecanização empregada para os cultivos no período em que as áreas foram manejadas com esse sistema. Esse tempo de emprego do sistema também é muito variável, desde poucos anos até mais de 35 anos consecutivos. Ao longo desse período de utilização sob PD, os tratores e as demais máquinas também variaram muito, em especial a potência, o peso e o tipo de pneus dos tratores; tipo (montados, arrasto e autopropelidos) e peso dos pulverizadores e distribuidores a lanço e tamanho (número de linhas e peso total) e tipo de órgãos sulcadores das semeadoras-adubadoras. Outra máquina que mudou drasticamente seu conceito, peso e largura de colheita é a colhedora autopropelida de grãos. A combinação de todas essas variáveis ao tipo (classes) de solo, ao teor de água do solo no momento em que as máquinas e ou animais atuaram sobre (patas e pneus de tratores e de autopropelidos) e dentro (sulcadores da semeadora) do solo, pode causar influências diversas no processo de compactação do solo em áreas sob PD.
Todos esses fatores têm sido pouco considerados nos estudos para um correto diagnóstico e estabelecimento de propostas para mitigação do processo de compactação do solo. Em geral, os estudos são pontuais e não buscam entender o porquê do processo, mas sim somente seus efeitos (só olhar as teses, dissertações e artigos científicos). Nem sempre se tem ou se procura saber do histórico da respectiva área para que se possa ter uma análise mais profunda do que efetivamente ocorreu ao longo do tempo.
Outra situação, mais recentemente adotada em muitos estudos, é estabelecer tráfego (patas ou pneus) intensivo, com diferentes cargas e aplicadas no mesmo dia em parcelas de campo. A partir daí são obtidos dados relativos à compactação induzida ao solo, como resistência mecânica à penetração de uma haste metálica no solo, fluxos (água e ar), densidade e porosidade, capacidade de suporte e resistência do solo a cargas aplicadas, crescimento e expansão do sistema radicular, componentes de rendimento e produção de grãos dos cultivos, entre outras medidas. Essa forma rápida de obtenção de resposta ao problema compactação do solo tem fundamentação teórica?
Primeiro há que se considerar que o sistema PD, por si e ao longo do tempo, vai aumentando sua variabilidade, em relação ao preparo convencional do solo, por diversos motivos: a) pela ausência de revolvimento uniforme em toda uma camada de solo, já não ocorre mistura de camadas, não há homogeneização de nutrientes e corretivos aplicados e há incorporação de material orgânico das camadas mais superficiais para as mais profundas; b) os pneus (e patas) ainda, na maioria das lavouras, não passam sempre nos mesmos locais da lavoura (tráfego controlado) e, assim, podem provocar mudanças estruturais no solo devido a este não suportar a carga imposta; c) a ausência de preparo em toda uma camada de solo permite que os sistemas radiculares das culturas e a fauna do solo interfiram na sua porosidade e aporte de material orgânico; d) a permanência por longo tempo nesta forma de manejo pode aumentar a resiliência do solo a cargas impostas por pneus e patas, pode interferir nos fluxos de água e ar e, consequentemente nos processos de emergência, desenvolvimento e produtividade das culturas produtoras de grãos e e) de que classe de solo estamos falando, ou seja, qual a base em que estão sendo implantados a cultura e os manejos. Desta forma, forçar diferentes estados de compactação do solo por cargas diferenciadas em um só momento e daí tirar conclusões possuem validade limitada somente para o período imediatamente subsequente e curto, pois a resiliência e o processo de umedecimento e secagem do solo podem anular estes resultados em maior ou menor período de tempo sob PD.
Além da variabilidade intrínseca ocorrente no solo sob PD, devido aos processos já mencionados, deve ser levada em conta também a variabilidade imposta pelos sistemas mecanizados que operam e distribuem insumos nas lavouras que empregam este sistema de manejo. Nos países mais desenvolvidos e que têm especial preocupação com a contaminação das águas (superficiais e subterrâneas) devido à disposição de insumos que possuem nitrogênio na sua composição (adubos formulados e adubação orgânica), é estabelecido que estes sejam aplicados respeitando um coeficiente de variação ao redor de 14%. No Brasil, em função da baixa qualidade da maioria dos distribuidores a lanço, falta de calibração adequada da largura útil de trabalho e também pela maior área das lavouras sob PD, muito dificilmente esse valor de CV de 14% é respeitado ou então conhecido por quem possui e opera esses equipamentos. Não raras são as aplicações efetuadas com CV de mais de 25%. Isto, na prática, significa dizer que se foi planejado aplicar 300kg/ha de determinado insumo a lanço, com CV de 25%, haverá locais da lavoura que receberam 75kg a mais ou a menos do que os 300kg/ha, ou seja, poderá haver variação de dosagem entre 225kg/ha e 375kg/ha.
Da mesma forma, a legislação brasileira permite que o espaçamento entre plantas na linha de semeadura seja até 50% maior ou menor do que o ideal. Isso, na prática se obtém dividindo o número de plantas por hectare pelo número de metros de linha de semeadura por hectare. Considerando que o resultado desse cálculo de espaçamento ideal entre duas plantas na linha fosse de 0,5m, caso estas tivessem distanciamento entre 26cm e 74cm entre elas, a semeadura estaria adequada pela norma atual. Entretanto, temos especialistas falando em plantabilidade, aceitando e recomendando tecnicamente isso. Até quando?
Outra máquina muito utilizada no PD, a exemplo de distribuidores a lanço e semeadoras, são os pulverizadores (distribuidores de líquidos, de gotas). Da mesma forma como ilustrado para distribuidores de sólidos, também há, nas melhores condições de dosagem e de aplicação, um CV de 15% dentro de cada leque das pontas. Em algumas situações, vários pesquisadores constataram variações muito maiores, devido fundamentalmente à falta de troca das pontas de pulverização. Considerando um CV de 20% e que o pulverizador foi calibrado para aplicação de 4L/ha de um determinado produto comercial, haverá locais na largura coberta por bico (em geral de 50cm) que será aplicada a dosagem entre 3,2L/ha e 4,4L/ha. A pergunta que fica é: biologicamente, mesmo no sistema de PD isto não causa variabilidade adicional? Outra pergunta que fazemos é em relação à comparação estatística das médias dos parâmetros obtidos nas pesquisas conduzidas em áreas cultivadas sob PD. Qual deve ser o rigor para comparar as médias de tratamentos, considerando as variabilidades citadas até aqui? Com um CV de 15%, dado pelas condições de realização do ensaio (desconsiderando a variabilidade natural dos outros fatores) se um teste estatístico mais restritivo que isso encontrar diferenças é bem provável que haja problemas, ou não?
Mais recentemente as máquinas vêm sendo comercializadas equipadas com ferramentas para promover Agricultura de Precisão (AP), gerando um novo conceito muito comentado atualmente e referido como Agricultura 4.0. No entanto, como referido acima, mesmo nas melhores condições de regulagem e aplicação (o que sabemos que isso não ocorre), a “precisão” deve ser sempre relativizada em função de todas as variáveis de solo, clima, mecanização e resiliência que ocorrem nas lavouras semeadas sob PD.
É dito que com auxílio da AP pode-se atingir o máximo de uniformidade de produtividade entre glebas (que as vezes podem ser 400 ou mais hectares), o que muitas vezes se obtém graças à aplicação de mais insumos. Pelos dados publicados por diferentes órgãos, verifica-se que nos últimos 20 anos em geral triplicou-se (em volume e ou em valor, dependendo do insumo) a utilização de fertilizantes, agroquímicos, defensivos, mecanização, mão de obra, valor da terra e genética das culturas, sem, no entanto, refletir em triplicação ou duplicação da produtividade das culturas. De que modo essa diferença é absorvida pelos agricultores? Quem vem adotando o PD há muitos anos tem uma realidade diferente do citado?
A relação benefício/custo não está aumentando nos últimos anos no Brasil, em especial pela estabilização da produtividade e do preço pago para os grãos das principais culturas (soja, milho, feijão, trigo, arroz) e pelos crescentes aumentos dos preços dos insumos, especialmente óleo diesel, fertilizantes, agroquímicos, defensivos, tratores e implementos e sementes. Assim, já tem sido comentado por muitos produtores e também recentemente em simpósios e mesmo dentro das universidades e centros de pesquisa que, para a sustentabilidade do produtor, a meta não deve ser “produzir cada vez mais”. Parece ser consenso que se deva produzir mais, sim, mas produzir em cada gleba da lavoura aquilo que lhe gera um retorno financeiro líquido justo com o menor risco possível. Neste aspecto, as ferramentas difundidas pela AP podem auxiliar em muito a tomada de decisão por parte dos produtores e ou técnicos. Cultivar o quê? Quando? Como? Onde? Com quê? Qual risco? Isso também deve ser válido para quem emprega o sistema PD, especialmente a última pergunta “qual o risco?” que deveria ser a primeira a ser feita.
Também, na contramão para uma agricultura mais sustentável, muitos trabalhos têm mostrado que a relação entrada/saída de energia tem se estabilizado e, na maior parte dos casos, reduzido com o passar dos anos, mesmo em sistema PD. Significa que há estabilização e até redução do número de unidades de energia gerado pelos produtos produzidos (grãos), em relação às unidades de energia investidas para a sua produção. Essa redução tem sido verificada especialmente em anos com deficiência hídrica (que não é estiagem), lavouras mal manejadas, com invasoras resistentes, solo com alto estado de compactação e uso intensivo e/ou sem critérios técnicos de sistemas de irrigação de baixa eficiência, como a de aspersão.
Assim, considerando os pontos mencionados, como e quando o agricultor poderá contar com uma ferramenta capaz de diagnosticar claramente os efeitos da compactação do solo sobre o desenvolvimento das principais culturas produtoras de grãos, manejadas sob PD ou SPDP, considerando todas as variabilidades comentadas? Entendemos que devemos seguir o exemplo adotado há muitos anos pela especialidade “fertilidade do solo”, embora esta hoje também esteja sob forte questionamento, em especial pelos usuários do SPDP. Entendemos que a formação de uma rede de pesquisa, que gere resultados de parâmetros relacionados a solos (classe, mineralogia), física e biologia do solo, biofísica, mecanização, fitotecnia, produção animal, manejo do solo e agricultura de precisão e com pessoal especializado para integrar estes conhecimentos obtidos em diferentes locais, possa se chegar ao entendimento do processo de compactação do solo no sistema PD. Mesmo com uma enormidade de estudos pontuais e sem considerar todas as variáveis e variabilidades inerentes ao sistema, não se avançou muito nos últimos anos em diagnóstico e recomendações econômica, ambiental e energeticamente sustentáveis para prevenir e/ou atenuar o processo de compactação dos solos em PD. Dados ajudam a criar cenários. Mas com conhecimento de como ele foi obtido, suas variações, o histórico que o cerca e, principalmente, qual é o grau de instrução do material humano na outra ponta, o produtor, poderemos fazer uma agricultura convergente.
Renato Levien e
Michael Mazurana,
UFRGS
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Ampliar o uso da biotecnologia, fornecer acesso a variedades melhoradas, dotar de conectividade e aumentar o investimento em pesquisa e desenvolvimento será fundamental