Cotonicultura do Brasil fez da diversificação o caminho para a proteção sustentável de cultivos

Atualmente, 77% das lavouras brasileiras são chanceladas pelo Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR) e pela Better Cotton Initiative (BCI)

05.10.2020 | 20:59 (UTC -3)
Catarina Guedes

Quando o algodão é produzido no Brasil, quem o compra pode ter certeza de que ele também é sustentável, porque foi produzido dentro de padrões criteriosos e internacionalmente reconhecidos de boas práticas ambientais, sociais e econômicas. Atualmente, 77% das lavouras brasileiras são chanceladas pelo Programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR) e pela Better Cotton Initiative (BCI). O ABR, certificação da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), e a BCI, organização suíça referência em licenciamento de fibra sustentável, operam no Brasil em benchmark desde 2013. Essa atuação conjunta por uma produção responsável de algodão é um caso de sucesso que tem contribuído para impulsionar a imagem da fibra brasileira no mundo e conquistar a preferência das indústrias, sempre atentas às demandas de consumidores cada vez mais conscientes.

Para chegar ao status de fornecedor de algodão sustentável, o produtor tem de ralar muito para seguir protocolos e cumprir um extenso check list. O Brasil é campeão nesse quesito. Segundo a BCI, em seu relatório lançando em junho deste ano, o Brasil detém a maior parte do algodão chancelado pela entidade. Em 2019, a participação nacional no montante global foi de 36%. Números, protocolos, certificações e licenciamentos já seriam motivo de sobra para o país se orgulhar desse posto, mas se a gente levar em consideração o desafio que é produzir algodão no Brasil, essa vitória fica ainda mais saborosa.

Primeiro, é preciso esquecer aquele negócio de que, aqui, em se plantando tudo dá. Dá, sim, muito trabalho, porque o mesmo clima, o mesmo solo e as condições que fazem as plantas crescerem rapidinho, também são tudo de bom para pragas, doenças e ervas daninhas, os chamados inimigos das lavouras. Para complicar, como aqui não temo invernos com neve ou clima de deserto, esses bichinhos e plantas não desejáveis têm vida boa o ano inteiro. Por isso, é preciso investir em proteção de cultivos.

De acordo com o consultor agronômico Celito Breda, que também é produtor rural na Bahia e supervisor do programa fitossanitário da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), manter esses “carinhas” fora das lavouras custa caro para o produtor. “Somando-se o valor dos defensivos e o dos royalties, pode-se gastar em torno de 30% a 40% do custo total médio de produção, por hectare, somente com proteção de cultivos. No caso do algodão, esse custo pode chegar a US$ 1mil dólares por hectare”, diz.

Não bastasse isso, a cada safra, as pragas, doenças e ervas daninhas ficam mais resistentes, e, da mesma forma como acontece com os antibióticos que a gente toma quando está doente, com o passar do tempo, eles tendem a deixar de fazer efeito. Então, novas moléculas precisam entrar em circulação – o que, no Brasil, pode levar até dez anos para acontecer – ou uma quantidade maior de produto precisará ser utilizada, o que não é bom nem para o meio ambiente, nem para as pessoas, nem para o bolso do produtor.

Junto e misturado

O jeito inteligente que o cotonicultor brasileiro encontrou para proteger suas lavouras foi o Manejo Integrado de Pragas (MIP). Significa um arsenal de tecnologias químicas, biológicas e mecânicas, além de outras práticas fitossanitárias utilizadas estrategicamente no combate. Por exemplo, o pior inimigo das lavouras de algodão é um besouro, o bicudo-do-algodoeiro. Para combatê-lo, além do controle com inseticida, é preciso uma série de procedimentos, como erradicar todas as plantas de algodão do campo após a colheita, para cortar o fornecimento de comida para o bicudo na entressafra.

Os produtores de algodão no Brasil, através da Abrapa e em convênio com a Embrapa, IMAmt e universidades nacionais e internacionais, estão pesquisando e buscando desenvolver um algodão geneticamente resistente ao bicudo. Se conseguirem, serão pioneiros no mundo e muito menos químicos precisarão ser usados no combate.

Segurança atestada

Apesar das vantagens de reduzir o uso de defensivos químicos, proporcionada pelo MIP, é importante dizer que os produtos fitossanitários em uso no Brasil são seguros. Eles são desenvolvidos por empresas que empregam ciência e tecnologia de ponta. Para que um novo produto chegue aos produtores rurais, é preciso muita pesquisa e avaliações rigorosas de qualidade. São necessários cerca de 12 anos de estudos e investimento aproximado de US$ 250 milhões para que uma nova substância possa ser utilizada.

Antes de serem liberados para os agricultores, os produtos são avaliados e registrados junto aos órgãos reguladores responsáveis pelas áreas de agricultura (Mapa), saúde (Anvisa) e meio ambiente (Ibama). Os procedimentos regulatórios adotados pelo Brasil fizeram com que, nos últimos 40 anos, as doses dos produtos fitossanitários fossem reduzidas em quase 90% e a toxicidade aguda, em mais de 160 vezes.

“Pragas” do bem

Nos últimos anos, o emprego dos famosos “inimigos naturais” de pragas e doenças tem crescido bastante. Só no Brasil, em 2019, o incremento no uso dos chamados defensivos biológicos foi de 15% e, no mundo, de 7%. Até 2014, existiam 60 produtos registrados no país e, em 2019, esse número passou de 260. Atualmente, o controle biológico no país já está presente em 23 milhões de hectares de lavouras. Os defensivos biológicos são divididos em “microbiológicos” (fungos, vírus e bactérias) e macrobiológicos (insetos, etc). Eles são cultivados/produzidos nas biofábricas, nas próprias fazendas ou em laboratórios, para serem utilizados nas lavouras, para o controle fitossanitário.

Um dos exemplos mais bacanas é o da vespa Trichogramma pretiosum, o terror das lagartas, que, por sua vez, são o pesadelo do produtor de algodão. As fêmeas dessas vespinhas minúsculas usam os ovos de determinadas espécies de lagartas como hospedeiros para os seus próprios ovos. Quando isso acontece, os ovos de lagarta inoculados pela vespa mudam de cor, e, entre sete e doze dias depois, esses ovinhos eclodem e ao invés de lagartas, nascem... vespas, que vão pôr seus ovos nos de outras lagartas, ajudando a diminuir a incidência destas nos campos. As biofábricas criam as lagartas e as vespas ao mesmo tempo, e os ovos inoculados viajam de drone para as plantações onde são espalhados via aérea.

Atualmente, diversas associações estaduais de produtores de algodão associadas da Abrapa possuem ou estão montando biofábricas, nos estados de Mato Grosso, Minas Gerais e Goiás. Além do trichogramma, elas também multiplicam vírus, bactérias e fungos, para combater insetos (bioinseticidas), vermes (bionematicidas) e fungos (biofungicidas) nocivos às lavouras.

Diversificar é preciso

O vice-presidente da Abrapa, Júlio Busato, diz que embora muitos produtores relatem uma diminuição dos custos com defensivos químicos, por conta da entrada dos biológicos, o fator econômico não é o mais relevante. “A palavra-chave é diversificação. Agregamos novos aliados ao nosso Manejo Integrado de Pragas (MIP). Isso é bom em vários sentidos, até para aumentar a vida útil das moléculas que estão no mercado”, diz.

A questão, segundo Busato, é que a grande biodiversidade do Brasil e as condições de clima e solo do nosso país tropical promovem a rápida mutação dos organismos e a resistência deles aos princípios ativos, em tempo mais curto do que nos países que concorrem no agro com o Brasil. Apesar desse exército microscópico (ou quase) ter se mostrado poderoso, Busato diz que não dá para contar apenas com eles. 

“São práticas associadas, que incluem o Vazio Sanitário e a rotação de culturas, para quebrar o ciclo dessas pragas, doenças e ervas daninhas, diminuindo a pressão delas na safra seguinte. Ainda assim, com tantos fatores em contrário, nossa produtividade no algodão é duas vezes maior do que a dos nossos colegas agricultores dos Estados Unidos e quatro vezes a dos indianos, sendo que a Índia é, hoje, o maior produtor mundial de algodão. Isso é resultado de um trabalho bem feito. As altas produtividades também ocorrem na produção brasileira de grãos. Nos últimos 35 anos, ela cresceu quase 200%, enquanto a área, apenas 28%”, afirma, lembrando que sem lavouras de grãos, como soja e milho, na matriz produtiva das fazendas, não se planta algodão no Brasil. 

O Manejo Integrado de Pragas e as altas produtividades que ele ajuda a alcançar, está diretamente relacionado à proteção da vegetação do cerrado, já que quando se colhe mais por hectare, menos terra é necessário para ampliar a produção. “Graças às boas práticas e muita tecnologia, 66% do nosso cerrado está preservado e o algodão é a fibra que movimenta o Brasil”, conclui Júlio Busato. 

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