Controle de planta daninha resistente ao herbicida glifosato

Primeiro passo para enfrentar o problema é identificar corretamente a espécie, através do monitoramento de plantas com falhas de controle

15.01.2021 | 20:59 (UTC -3)
Cultivar Grandes Culturas

O número crescente de lavouras com falhas de controle do caruru com o herbicida glifosato preocupa tanto os produtores como pesquisadores da área. Em 2015, no Mato Grosso, ocorreu o primeiro relato de caruru resistente ao glifosato no Brasil. Tratava-se da espécie Amaranthus palmeri, considerada planta exótica no Brasil e que exigiu medidas severas de controle, como o isolamento das áreas e vistorias periódicas para eliminação dessas plantas. Desde então, as falhas de controle do caruru foram tratadas com receio pelos produtores com “medo e preocupação” de que essas plantas fossem da espécie A. palmeri. Atualmente, A. palmeri é considerada uma praga quarentenária presente, isolada no estado do Mato Grosso.

Em 2018 no Rio Grande do Sul ocorreu o segundo relato de caruru resistente ao glifosato, agora para outra espécie, o Amaranthus hybridus (Oliveira et al, 2019), espécie considerada nativa do Brasil. Em janeiro de 2019, na região dos Campos Gerais, no Paraná, o setor de Herbologia da Fundação ABC identificou plantas de A. hybridus com suspeita de resistência ao herbicida glifosato e aos inibidores da ALS. A partir de então, foi realizado um trabalho a campo pela Fundação ABC, que constatou que as doses do herbicida glifosato de 500 até 16 mil gramas de equivalente ácido por hectare não ocasionaram controle dessas plantas de caruru, mesmo na dose maior do herbicida (Figura 1). Amostras das plantas foram coletadas e encaminhadas para diferentes institutos e laboratórios do País, que as identificaram como sendo da espécie Amaranthus hybridus, que coincidentemente apresentavam as mesmas características dos biótipos de caruru inicialmente encontrados no Rio Grande do Sul e dos existentes na Argentina.

Figura 1 - Plantas de Amaranthus hybridus aos 30 dias após a aplicação de doses dos herbicidas glifosato e clorimuron (aplicação realizada sobre plantas com até 6 folhas)
Figura 1 - Plantas de Amaranthus hybridus aos 30 dias após a aplicação de doses dos herbicidas glifosato e clorimuron (aplicação realizada sobre plantas com até 6 folhas)

No Brasil, recentemente foram relatados 46 casos de plantas de caruru, da espécie A. hybridus, com suspeita de resistência aos herbicidas glifosato e inibidores da ALS (Figura 2). A maioria dos casos relatados está na região Sul do País, principalmente no Rio Grande do Sul, em que as sobras de caruru com as aplicações de glifosato em pós-emergência da soja começaram a ser mais frequentes nas últimas três safras. Na safra 2019/20 essas sobras chamaram mais a atenção devido à frequência maior que nas safras anteriores. Destaca-se que houve um período de estiagem de meados de novembro ao final de dezembro de 2019 que pode ter contribuído para o aumento das falhas observadas.

Figura 2 - Levantamento realizado na safra 2019/20 pelas instituições de pesquisas: Fundação ABC, CCGL, Coamo, Embrapa, UEM, UFSM e UPF, que mostram a dispersão da espécie de caruru Amaranthus hybridus em áreas com suspeita de resistência aos herbicida glifosato e inibidores da ALS
Figura 2 - Levantamento realizado na safra 2019/20 pelas instituições de pesquisas: Fundação ABC, CCGL, Coamo, Embrapa, UEM, UFSM e UPF, que mostram a dispersão da espécie de caruru Amaranthus hybridus em áreas com suspeita de resistência aos herbicida glifosato e inibidores da ALS

As possíveis hipóteses para a introdução e disseminação das populações encontradas nessas áreas até o momento, são que sementes oriundas de regiões infestadas tenham entrado através de: comercialização de sementes de culturas de cobertura de inverno (principalmente azevém), aquisição de gado bovino em leilões, esterco animal, rações, pássaros e trânsito de máquinas agrícolas.

Desde então, o número de casos com falhas de controle de A. hybridus ao herbicida glifosato vem aumentando nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Espécies de caruru

O gênero Amaranthus possui aproximadamente 60 espécies no mundo, encontradas principalmente em regiões tropicais e subtropicais. No Brasil, a espécie hybridus é encontrada praticamente em todos os estados. Amaranthus hybridus, conhecido como caruru-roxo, caruru-bravo ou simplesmente caruru, é uma planta anual, monoica, herbácea, com caule ereto, que apresenta grande variabilidade de cores, desde o verde até o vermelho-púrpura. As folhas são simples lanceoladas, dispostas de forma helicoidal, com inflorescências apresentando flores masculinas e femininas e a maturação ocorrendo com plantas de 20cm a até 2m de altura (Kissmann & Groth, 1999).

Quanto ao hábito de crescimento, é uma infestante considerada agressiva, com ciclo fotossintético C4, que lhe proporciona grande capacidade de competição por água, luz e nutrientes, principalmente quando comparada com culturas C3, como a soja, o feijão e o algodão (Carvalho et al, 2015). Essa espécie de caruru tem capacidade de produzir de 200 mil sementes por planta a 600 mil sementes por planta, sendo a dispersão feita por meio de sementes, podendo ser disseminadas por máquinas agrícolas, canais de irrigação, insumos, esterco animal, pássaros, mamíferos, além de culturas de cobertura.

A similaridade entre as espécies torna difícil sua identificação a campo, porém alguns aspectos podem ser levados em consideração na diferenciação das espécies de Amaranthus. Como no Brasil existem relatos de resistência do glifosato a duas espécies, o foco neste artigo será a diferenciação.

A marca d’água em forma de “V” invertido pode estar presente em algumas plantas de Amaranthus hybridus (Figura 3), porém também é uma característica presente nas plantas de A. palmeri. O pecíolo maior que o limbo foliar (Figura 4), a presença de pelo na ponta das folhas (Figura 5) e o crescimento das folhas em “roseta” (Figura 6) também são características que podem ocorrer tanto nas plantas de A. hybridus como de A. palmeri. Então, a diferenciação das espécies ocorre quando as plantas estão no florescimento, pois A. palmeri é considerado uma planta dioica, com a presença de flores masculinas e flores femininas em plantas distintas, enquanto A. hybridus é uma planta monóica com a presença de flores masculina e feminina ocorrendo na mesma inflorescência (Figura 7).

Figura 3 - Marca d’água em forma de “V” invertido presente em plantas de Amaranthus hybridus
Figura 3 - Marca d’água em forma de “V” invertido presente em plantas de Amaranthus hybridus

Figura 4 - Pecíolo maior que o limbo foliar, outra característica presente nas plantas de Amaranthus hybridus
Figura 4 - Pecíolo maior que o limbo foliar, outra característica presente nas plantas de Amaranthus hybridus

Figura 5 - Presença de pelo na ponta das folhas de Amaranthus hybridus
Figura 5 - Presença de pelo na ponta das folhas de Amaranthus hybridus

Figura 6 - Plantas de Amaranthus hybridus com crescimento das folhas em “roseta”
Figura 6 - Plantas de Amaranthus hybridus com crescimento das folhas em “roseta”

Figura 7 - Flores masculina e feminina presentes na mesma inflorescência, característica que pode ser utilizada para diferenciar a espécie Amaranthus hybridus
Figura 7 - Flores masculina e feminina presentes na mesma inflorescência, característica que pode ser utilizada para diferenciar a espécie Amaranthus hybridus

Motivo de preocupação

Na Argentina existem casos de resistência dessa espécie ao herbicida glifosato desde 2013, e atualmente, há populações de A. hybridus que apresentam resistência múltipla aos herbicidas inibidores da EPSPS (glifosato), ALS (chlorimuron-ethyl) e Auxinas (2,4-D e dicamba) (Heap, 2020). Com isso, a aplicação de glifosato na pós-emergência da soja RR ou do milho RR se mostra ineficaz, sendo necessária a utilização de outros herbicidas, tanto na pré como na pós-emergência da cultura, onerando o custo de controle.

Uma das características que facilitam a rápida infestação de Amaranthus na lavoura é a alta capacidade de produção de sementes (Figura 8), sendo que uma única planta pode produzir até 600 mil sementes. Essas sementes são pequenas, esféricas e não apresentam estrutura de dispersão pelo vento (Foto 9). A temperatura média ideal para germinação dessas sementes é de 20°C e pode ocorrer mesmo na ausência de luz, com isso os meses de maio a julho podem apresentar baixos fluxos de germinação; o pico de emergência de Amaranthus hybridus ocorre nos meses de setembro-outubro, se estendendo com menores fluxos entre dezembro e fevereiro. Conhecer esse fluxo de emergência é uma ferramenta importante para definir as melhores estratégias de controle e, nesse caso, o uso de herbicidas residuais na pré-emergência da soja será a base de uma recomendação para controle dessa planta daninha.

Figura 8 - As plantas de Amaranthus hybridus apresentam inflorescências longas, com mais de 30cm
Figura 8 - As plantas de Amaranthus hybridus apresentam inflorescências longas, com mais de 30cm

Figura 9 - Sementes de Amaranthus hybridus
Figura 9 - Sementes de Amaranthus hybridus

Outro ponto que deve ser considerado é que durante a safra irão ocorrer vários fluxos de emergência (Figura 10), de acordo com a oferta de água no campo. Com isso é possível ter plantas daninhas em diferentes estádios de desenvolvimento, desde planta adulta até plântulas, que apresentam crescimento rápido, de 2cm a 3cm por dia, e podem atingir até 3m de altura (Figura 11). Novamente com essas informações percebe-se que além do herbicida residual, é preciso realizar mais um controle na pós-emergência da cultura, e esse irá depender do estádio da planta daninha.

Figura 10 - Plantas de Amaranthus hybridus podem atingir mais de 3m de altura em solos de alta fertilidade
Figura 10 - Plantas de Amaranthus hybridus podem atingir mais de 3m de altura em solos de alta fertilidade

Figura 11 - Dentro da lavoura podem ser observadas plantas de Amaranthus hybridus em diferentes estádios de desenvolvimento, devido à emergência ocorrer em vários fluxos
Figura 11 - Dentro da lavoura podem ser observadas plantas de Amaranthus hybridus em diferentes estádios de desenvolvimento, devido à emergência ocorrer em vários fluxos

E qual o impacto dessa planta daninha nas lavouras de soja? O caruru-de-macha, espécie Amaranthus viridis, é controlado facilmente com glifosato. Os biótipos suscetíveis de Amaranthus hybridus e de Amaranthus palmeri também eram manejados com glifosato. Já para os biótipos resistentes ao herbicida glifosato, o controle em pós-emergência ocorre apenas em plantas muito pequenas (duas folhas a seis folhas), o que irá dificultar e encarecer o custo de controle na soja RR.

A presença dessa planta daninha nas culturas do milho e da soja pode reduzir o rendimento em até 80%, além de inviabilizar a colheita mecânica. Outra informação relevante é que as plantas possuem hibridação natural e, portanto, pode ocorrer transferência da resistência a herbicidas de A. hybridus para outras espécies de caruru.

É importante ressaltar que nas áreas já infestadas se deve evitar a disseminação dessas sementes para áreas vizinhas, principalmente pelo trânsito de máquinas e animais, e, sobretudo, para as áreas ainda não infestadas, que se realize o monitoramento permanente das lavouras, e caso sejam observadas plantas de caruru com falhas de controle ao herbicida glifosato, entrar em contato imediato com as áreas de pesquisa das instituições que elaboraram esse comunicado: Fundação ABC, CCGL, Coamo, Embrapa, UEM, UFSM e UPF.

 

Luis Henrique Penckowski, Evandro H. G. Maschietto e Eliana Fernandes Borsato, Fundação ABC; Fernando S. Adegas, Embrapa Soja; Lucas S. O. Moreira, Coamo; Mario A. Bianchi, CCGL; Mauro A. Rizzardi, UPF; Rubem S. Oliveira Jr., UEM; Sylvio H. B. Dornelles, UFS

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