Como lidar com a incidência do pulgão em sorgo

Anteriormente restrito aos cultivos da cana-de-açúcar, o pulgão Melanaphis sacchari passa a ser uma realidade também nas lavouras de sorgo

06.07.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

Existem quatro tipos de sorgo [Sorghum spp] no Brasil, o sorgo vassoura, o forrageiro, o sacarino e, finalmente, o sorgo granífero, que é o mais comumente cultivado, pois seus grãos são utilizados para a fabricação de ração animal, em substituição ao milho. A produção de sorgo no Brasil está concentrada, em sua maior parte, na região Centro-Oeste. Com produção estimada de 1,09 milhão de toneladas em dezembro de 2019, o Estado de Goiás se consolidou como o maior produtor de sorgo do Brasil, representando, portanto, 40% da produção nacional de sorgo. Esse quantitativo é 20,3% maior do que a produção registrada em dezembro de 2018 (912,9 mil toneladas), segundo os dados divulgados em janeiro de 2020 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Por ser uma cultura rústica e tolerante ao estresse hídrico, sem perdas significativas de qualidade nutricional, o sorgo, tanto para grãos como para forragem, vem sendo utilizado como uma cultura alternativa ao milho de segunda safra, pois possui uma “janela de plantio” mais estendida para um bioma tão específico como o Cerrado, além do que, seu valor de mercado pode alcançar até 80% do valor do milho.

A instabilidade climática, o custo de produção mais baixo, o alto índice de produtividade, a boa cobertura de palhada oferecida para os plantios de verão, entre outras vantagens, são aspectos importantes que os produtores, de diferentes regiões, levam em conta no momento de adotar com mais frequência essa cultura no período da entressafra. Além disso, até bem pouco tempo cultivar sorgo tinha como “vantagem”, também, o uso mínimo ou, até mesmo, nenhum de agroquímico.

Área de sorgo (Sorghum bicolor) com danos irreversíveis apresentados após ataque generalizado de Melanaphis
Área de sorgo (Sorghum bicolor) com danos irreversíveis apresentados após ataque generalizado de Melanaphis

Atualmente, a realidade é outra e para produzir cada vez mais, os produtores rurais passaram a aumentar as áreas cultivadas e a investir em tecnologias mais adequadas para a cultura do sorgo, como adubação, cultivares mais produtivas e tratos fitossanitários.

Este aumento de áreas cultivadas com o sorgo e sua proximidade com áreas cultivadas com cana-de-açúcar trouxeram preocupações além daquelas relacionadas ao aumento de produtividade. É o caso da elevação do número de intervenções químicas, pois se depararam com limitações fitossanitárias, principalmente relacionadas aos artrópodes-praga, como a espécie Helicoverpa armigera, o complexo de Spodoptera spp, além de sugadores, como pulgões de diferentes espécies, particularmente Melanaphis sacchari (Zethner) (Hemiptera: Aphididae), praga anteriormente restrita aos cultivos da cana-de-açúcar.

Essa possibilidade de expansão e o potencial de dano causado pela espécie M. sacchari foram alertados em 2016 por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco, e bastaram três anos para que isso se tornasse uma realidade, pois em 2019 essa praga foi alvo de inúmeras aplicações de defensivos agrícolas em lavouras dos estados de Minas Gerais, São Paulo e no Distrito Federal.

Na atual safra, cultivos de sorgo nas regiões, Sul, Sudoeste, Entorno e Central do estado de Goiás também apresentaram índices alarmantes de populações deste pulgão, exigindo que produtores fizessem até cinco intervenções com defensivos na cultura para controlar o alvo e, em alguns casos mais críticos, a alternativa foi a destruição dos restos culturais da área, considerando-se a intensidade das infestações e os danos provocados. Além disso, há um agravante nessa questão no que se refere à ausência de produtos agroquímicos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o controle dessa praga na cultura do sorgo. Portanto, as intervenções químicas foram baseadas apenas em informações obtidas de outros países ou utilizando-se das recomendações para outras espécies de pulgões e/ou, cultivos.

A confirmação da presença de M. sacchari nas lavouras de sorgo no estado de Goiás baseou-se em amostras de indivíduos desta espécie coletados em algumas áreas cultivadas com sorgo no município de Indiara e enviadas pelo Laboratório de Manejo Integrado de Pragas da Escola de Agronomia da Universidade Federal de Goiás (EA/UFG) ao Laboratório de Diagnóstico e Biotecnologia/Laboratório Nacional Agropecuário de Goiás (LDB/Lanagro-GO) do Mapa, sendo a identificação realizada através de técnica molecular (Sequenciamento de Região Conservada).

M. sacchari é uma praga da cana-de-açúcar presente na América, Ásia, África e Oceania, reconhecida como praga invasiva, em razão da alta taxa de disseminação, favorecida pelas correntes de ar. Sua presença foi relatada na década de 1970 na América do Norte e na América Central e se manteve até então nessas regiões como praga comum da cana-de-açúcar e importante vetor de algumas doenças de etiologia viral da cultura. Porém, em 2013, foram registrados no Texas, Louisiana, Oklahoma e Mississippi surtos de um biótipo de M. sacchari, em sorgo, e dois anos depois, todos os 17 estados produtores dos Estados Unidos da América (EUA) relataram grandes infestações dessa praga. Algumas lavouras no Texas e Louisiana chegaram a apresentar, em média, 900 pulgões por folha das plantas atacadas, com reduções de até 100% na produtividade, obrigando produtores a realizar inúmeras aplicações de defensivos para o controle da praga.

 Plantas de sorgo (Sorghum bicolor) com inúmeras colônias de Melanaphis sacchari e folhas com aspecto pegajoso e brilhante devido à substância adocicada expelida pelos indivíduos da praga. Piracanjuba, GO, 2020
Plantas de sorgo (Sorghum bicolor) com inúmeras colônias de Melanaphis sacchari e folhas com aspecto pegajoso e brilhante devido à substância adocicada expelida pelos indivíduos da praga. Piracanjuba, GO, 2020

Descrição e biologia

O pulgão da cana-de-açúcar (M. sacchari) foi descrito, inicialmente, como Aphis sacchari e Longiunguis sacchari antes de ser colocado em seu gênero atual. Alimenta-se de várias plantas da família Poaceae e é, atualmente, uma praga-chave da cana-de-açúcar (Saccharum officinarum) e do sorgo (Sorghum spp). Apresenta-se como um pequeno pulgão (< 2mm), de corpo mole, piriforme geralmente de cor bege, mas exibe variação significativa de cor com tons de rosa, marrom e amarelo, dependendo das plantas hospedeiras e das condições climáticas. Seus indivíduos são reconhecidos por apresentarem os tarsos, os sifúnculos e parte das antenas de coloração escura, distinguindo-os de outras espécies que infestam as Poaceae.

Dentro de uma população de M. sacchari estabelecida são encontrados ninfas e adultos, estes últimos se apresentam nas formas aladas, responsáveis pela disseminação de sua população na lavoura, e ápteras, responsáveis pela reprodução dentro da mesma colônia. A reprodução em regiões tropicais como a nossa é por partenogênese telítoca, isto é, fêmeas originando novas fêmeas, portanto, podem acumular grandes populações em um período de tempo relativamente curto.

Alguns relatos citam picos populacionais de mais de 30 mil pulgões em apenas uma planta, porém, rapidamente, em duas a três semanas de abundância populacional as densidades de pulgões diminuem, restando apenas as exúvias e a fumagina, sendo que este declínio ocorre por dispersão dos indivíduos alados induzida pela própria densidade e em consequência das más condições nutricionais do hospedeiro devido à alta infestação.

Área de sorgo (Sorghum bicolor) com sintomas característicos apresentados após ataque generalizado de Melanaphis sacchari. Piracanjuba, GO, 2020
Área de sorgo (Sorghum bicolor) com sintomas característicos apresentados após ataque generalizado de Melanaphis sacchari. Piracanjuba, GO, 2020

Em Goiás, a espécie M. sacchari foi encontrada em lavouras de sorgo, especificamente entre os meses de março e maio, principalmente na fase final do ciclo vegetativo, atingindo, em muitas lavouras, 100% das plantas, com média aproximada de mil pulgões por folha. O sorgo granífero foi o mais atingido, além de outras espécies de sorgo e gramíneas próximas, como o milho e o milheto, que apresentaram infestações mais leves.

O ataque desses insetos ocorre nas folhas, onde tanto as ninfas quanto os adultos se alimentam sugando a seiva, principalmente na face abaxial, de modo que é comum a infestação se iniciar das folhas mais velhas para as mais novas (de baixo para cima). Causam danos diretos por sucção da seiva da planta, e indiretos por serem vetores importantes de doenças virais, além do que a sucção contínua os faz excretar grandes quantidades de substâncias adocicadas, chamadas de “honeydew” (melado), que são alimento preferido de certas espécies de formigas. Essas substâncias deixam as superfícies das folhas pegajosas e de aspecto brilhante, com o tempo escurecem devido ao desenvolvimento da fumagina, impedindo a realização da fotossíntese e induzindo, por fim, ao amarelecimento, ao secamento e à queda da folha. Além disso, pode haver um comprometimento total ou parcial da produção de grãos, devido a esse depauperamento da planta provocado pela praga em questão.

Colônias de Melanaphis sacchari na folha do sorgo (Sorghum bicolor) e em destaque no circulo estão apresentadas as principais características que diferenciam a espécie dos demais pulgões (parte das antenas, os sifúnculos e os tarsos de coloração escura). Piracanjuba, GO, 2020
Colônias de Melanaphis sacchari na folha do sorgo (Sorghum bicolor) e em destaque no circulo estão apresentadas as principais características que diferenciam a espécie dos demais pulgões (parte das antenas, os sifúnculos e os tarsos de coloração escura). Piracanjuba, GO, 2020

Sabe-se, atualmente, que essa praga tem potencial para provocar o declínio da cultura do sorgo em diversas regiões do País, principalmente no estado de Goiás, onde atingiu inúmeras localidades em um curto espaço de tempo, com fácil dispersão e um rápido crescimento populacional. Ressalta-se, ainda, que existe a possibilidade de transmissão de importantes doenças, tanto para a cultura do sorgo como para as culturas da cana-de-açúcar e do milho. Assim, estudos sobre a bioecologia de M. sacchari devem ser estabelecidos de forma urgente como subsídios para as tomadas de decisão sobre as melhores táticas de controle, para as regiões afetadas, devendo ser efetuados, também, levantamentos sobre a ocorrência dessa praga em todas as possíveis culturas hospedeiras.

As táticas de controle de M. sacchari  a serem recomendadas, tendo como referência o que tem sido adotado em outros países, consistem na utilização de materiais resistentes, na destruição de restos de cultura, na eliminação de gramíneas espontâneas e com potencial para hospedar a praga, no estabelecimento de uma distância segura entre as áreas de cultivo de sorgo e aquelas cultivadas com cana-de-açúcar, em aprimorar tecnologias de aplicação adequadas para alcance do alvo e, por fim, no estudo para uso de inseticidas químicos e biológicos, considerando a localização da praga e, também, a seletividade, visto que inimigos naturais, como predadores e parasitoides, apresentam grande associação à espécie M. sacchari nas áreas agrícolas, sendo de fundamental importância, também, o estudo da adoção de diferentes mecanismos de ação dos agroquímicos, com o propósito de reduzir a pressão de seleção dos ingredientes ativos, haja vista a possibilidade do desenvolvimento de populações resistentes dessa espécie.

Cecilia Czepak, Jácomo D. Borges, Vinicius O. Magalhães, Anderson de S. Zandomenighi, Lucas G. Santos, Leonardo Y. S. Schmidt e Murillo A. Gomes, Escola de Agronomia/UFG/Goiânia/GO; Regina M. S. Coelho, Maria da Gloria Trindade e Abmael M. de Lima Junior, LDB/Lannagro/Mapa/Goiânia/GO; Marcos Vieira, Accura - Tecnologias Integradas no Agronegócio

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