Como e quando aplicar fungicidas na cana

Como e quando fazer uso de fungicidas e da melhor tecnologia na cana-de-açúcar podem resultar em ganhos de produtividade e retorno econômico

02.06.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

A cana é um cultivo agrícola muito importante para o Brasil e o restante do mundo. A área colhida na safra 2018/19, no Brasil, gira ao redor de 10,123 milhões de hectares, com produção de 620,41 milhões de toneladas e produtividade de 72,23t/ha e ATR (açúcar total recuperável) de 140,6kg/ha. Para cada tonelada de cana em média no Brasil, estima-se uma produção de até 80 litros de álcool de primeira geração. As lavouras de cana são a segunda no uso de defensivos agrícolas no País, ficando atrás apenas da soja. Na cultura, ênfase tem sido dada ao melhoramento genético de clones e variedades superiores e não existe a tradição ou o costume de se utilizar fungicidas foliares ou no tratamento da soqueira ou pós corte durante a brotação.

Em outros cultivos a prática é bem difundida, com amplos benefícios aos agricultores, garantindo a produtividade. As doenças importantes são manejadas, principalmente, pela utilização de variedades resistentes, roguing (erradicação de plantas doentes no viveiro de cana), mudas sadias e tratadas, escolha do clone mais adaptado ao local de plantio etc. O controle biológico é bastante utilizado no manejo de insetos – pragas, inseticidas, além de herbicidas e nematicidas. Nenhuma ênfase tem sido dada pelos órgãos de pesquisa no uso de fungicidas quanto à manutenção da área foliar sadia, tonelada de cana por hectare (TCH) e efeitos benéficos na manutenção da área foliar sadia e reflexos na qualidade da fotossíntese, acúmulo de fotoassimilados, brix, teor de sacarose e até o rendimento industrial.

Os programas de melhoramento de cana priorizam o desenvolvimento de materiais genéticos com resistência satisfatória aos agentes causais de doenças viróticas (mosaico e amarelinho), bacterianas (raquitismo e escaldadura) e fúngicas (carvão e ferrugem marrom). Na década de 1980 foi constatada no Brasil a ferrugem marrom (Puccinia melanocephala) e em 2009 o fungo Puccinia kuehnii (Figura 1), agente causal da ferrugem alaranjada. Recentemente tem se observado também a evolução da mancha anelar da cana (Leptosphaeria sacchari) (Figura 2) e a podridão vermelha ou antracnose (Colletotrichum falcatum) (Figuras 3 e 4), estria bacteriana e outras (Figuras 2 e 5).

Figura 1 - Esporulação de Puccinia khuenii (ferrugem alaranjada) em folhas de clone suscetível
Figura 1 - Esporulação de Puccinia khuenii (ferrugem alaranjada) em folhas de clone suscetível

Figura 2 - Perda de área foliar em cana pela severidade de mancha anelar e estria bacteriana em cana-de-açúcar
Figura 2 - Perda de área foliar em cana pela severidade de mancha anelar e estria bacteriana em cana-de-açúcar

Figura 3 - Sintomas da podridão vermelha em cana-de-açúcar
Figura 3 - Sintomas da podridão vermelha em cana-de-açúcar

Figura 4 - Ciclo de vida do fungo da podridão vermelha da cana-de-açúcar
Figura 4 - Ciclo de vida do fungo da podridão vermelha da cana-de-açúcar

Figura 5 - Produção de cana, ocorrência de doenças e seu reflexo na produtividade
Figura 5 - Produção de cana, ocorrência de doenças e seu reflexo na produtividade

A podridão vermelha aumenta as perdas pela inversão da sacarose na usina, reduzindo o rendimento do caldo ou mosto de cana. Embora a resistência genética seja a principal tática de controle, existem variedades que, apesar de apresentarem boas características agronômicas e industriais (produtividade e boa resistência a outras pragas etc.), permitem o desenvolvimento de algumas doenças, comprometendo a área foliar (Figuras 5 e 6). Os danos podem ser elevados pela redução da área foliar sadia, fotossíntese e acúmulo de sacarose nos colmos, ou seja, perda de produtividade por hectare (TCH) (Figura 6).

Figura 6 - Aspectos fisiológicos da resposta de cana e suas interações múltiplas em relação ao uso de fungicidas
Figura 6 - Aspectos fisiológicos da resposta de cana e suas interações múltiplas em relação ao uso de fungicidas

O manejo integrado de doenças (MID) é uma ferramenta importante para manejo das principais doenças que ocorrem na cultura, incluindo a tomada de decisão para uso de fungicidas no momento correto e na dose/resposta adequada para cada situação ou clone cultivado. As interações entre fungicidas e controle de doenças são múltiplas, desde resposta de clones, efeitos fisiológicos e efeito na produtividade de cana (Figuras 6 e 7).

Figura 7 - Tabela com os 20 clones mais plantados no Brasil. Safra 2017-2018
Figura 7 - Tabela com os 20 clones mais plantados no Brasil. Safra 2017-2018

Existem fungicidas registrados e com eficiência satisfatória contra todos os agentes causais fúngicos na cultura que tornam viável a sua utilização. Experimentos têm comprovado essa eficácia em vários ambientes, cultivares e condições climáticas. As culturas de grãos, como soja, trigo, feijoeiro e milho, que utilizam fungicidas, vêm apresentando constante aumento de produtividade e retorno ao agricultor. É necessário um choque tecnológico na cana-de-açúcar.

Existem diversas inovações sendo disponibilizadas, como o material de propagação: utilização de mudas no lugar dos toletes etc. A vinhaça, que era um problema, hoje é solução para a oferta de potássio e outros nutrientes para os cultivos. Entre estas novas tecnologias, a utilização de fungicidas deve ser analisada com muita atenção e sem preconceitos ou tabus. Se em quase todos os demais cultivos é uma ferramenta importante e, em alguns casos, indispensável, pode ser bastante útil nesta nova fase de cultivo da cana no Brasil.

Certamente, com o surgimento de novos produtos comerciais e formulações de fungicidas cada vez mais apropriadas, melhorias na tecnologia de aplicação, posicionamento adequado do produto durante o ciclo da cultura e condições ambientais tornam-se fundamentais na produção de cana no Brasil e somente assim será possível obter avanços significativos no cultivo. A Tabela 1 apresenta os resultados da avaliação da ferrugem alaranjada, a mancha anelar e a podridão vermelha na cultura da cana-de-açúcar safra 2018-2019.

Figura 6 - Aspectos fisiológicos da resposta de cana e suas interações múltiplas em relação ao uso de fungicidas
Figura 6 - Aspectos fisiológicos da resposta de cana e suas interações múltiplas em relação ao uso de fungicidas

Em 2017-18 a área plantada de cana-de-açúcar recebia a seguinte distribuição, conforme os clones mais utilizados (Figuras 7, 8 e 9)

Figura 8 - Clones mais plantados no Brasil até o ano de 2019
Figura 8 - Clones mais plantados no Brasil até o ano de 2019

Figura 9 - Clones em expansão no Brasil e no Sudeste
Figura 9 - Clones em expansão no Brasil e no Sudeste

Os dez clones mais plantados estão apresentados na Figura 7. Todos os clones assinados apresentam uma ou mais patologias, reduzindo a sua área foliar se fazendo necessário o uso de fungicidas foliares.

A resposta aos fungicidas em cana-de-açúcar tem sido estudada com o uso de drones, com câmeras multiespectrais e com leituras na faixa do infravermelho e as respostas múltiplas em inúmeras variáveis apresentadas nas Figuras 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19.

Figura 10 - Variáveis e componentes envolvidos na resposta de clones de cana-de-açúcar aos fungicidas. Clone SP81-3250 (segundo corte). Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação. Usina Aroeira. Tupaciguara. MG
Figura 10 - Variáveis e componentes envolvidos na resposta de clones de cana-de-açúcar aos fungicidas. Clone SP81-3250 (segundo corte). Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação. Usina Aroeira. Tupaciguara. MG

Figura 11 - Resposta morfológica de RB867515 a duas aplicações de fungicidas no pós-corte (corte da soqueira) e durante o desenvolvimento vegetativo (5 folhas expandidas). Clone SP81-3250 (segundo corte). Usina Aroeira. Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação. Tupaciguara. MG
Figura 11 - Resposta morfológica de RB867515 a duas aplicações de fungicidas no pós-corte (corte da soqueira) e durante o desenvolvimento vegetativo (5 folhas expandidas). Clone SP81-3250 (segundo corte). Usina Aroeira. Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação. Tupaciguara. MG

Figura 12 - Altura e número de colmos no Clone SP81-3250 (segundo corte). Usina Aroeira. Tupaciguara. MG. Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação
Figura 12 - Altura e número de colmos no Clone SP81-3250 (segundo corte). Usina Aroeira. Tupaciguara. MG. Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação

Figura 13 - Porcentagem de área foliar viva ou ativa (no dia da pulverização foliar e 30 dias depois. Clone SP81-3250 (segundo corte). Usina Aroeira. Tupaciguara. MG. Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação
Figura 13 - Porcentagem de área foliar viva ou ativa (no dia da pulverização foliar e 30 dias depois. Clone SP81-3250 (segundo corte). Usina Aroeira. Tupaciguara. MG. Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação

Figura 14 - Porcentagem de folhas ativas até 60 dias após a aplicação dos fungicidas no clone. Clone SP81-3250 (segundo corte). Usina Aroeira. Tupaciguara. MG. Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação
Figura 14 - Porcentagem de folhas ativas até 60 dias após a aplicação dos fungicidas no clone. Clone SP81-3250 (segundo corte). Usina Aroeira. Tupaciguara. MG. Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação

Figura 15 - Resposta na área abaixo da curva de Progresso da doença (AACPD) de cana-de-açúcar, clone após duas aplicações de fungicidas. Clone SP81-3250 (segundo corte). Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação
Figura 15 - Resposta na área abaixo da curva de Progresso da doença (AACPD) de cana-de-açúcar, clone após duas aplicações de fungicidas. Clone SP81-3250 (segundo corte). Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação

Figura 16 - Produtividade de cana-de-açúcar (TCH) por ha no clone SP81-3250 (segundo corte). Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação
Figura 16 - Produtividade de cana-de-açúcar (TCH) por ha no clone SP81-3250 (segundo corte). Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação

Figura 17 - Transpiração e carbono acumulado pelo uso de câmera multiespectral em diferentes fungicidas usados em campo no clone SP81-3250 (segundo corte). Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação (30 daa). As áreas verdes correspondem aos melhores tratamentos na fixação de carbono (ProriXtra- Azoxistrobina + ciproconazol, Nativo – trifloxistrobina + tebuconazol  e Evos- Azoxistrobina + Flutriafol)
Figura 17 - Transpiração e carbono acumulado pelo uso de câmera multiespectral em diferentes fungicidas usados em campo no clone SP81-3250 (segundo corte). Primeira aplicação 7 meses após o corte e mudas oriundas do sistema Plene. Segunda aplicação 30 dias após a primeira aplicação (30 daa). As áreas verdes correspondem aos melhores tratamentos na fixação de carbono (ProriXtra- Azoxistrobina + ciproconazol, Nativo – trifloxistrobina + tebuconazol e Evos- Azoxistrobina + Flutriafol)

Figura 18 - Índice de vegetação (por câmera multiespectral – Red Edge). As áreas verdes correspondem aos melhores fungicidas (ProriXtra- Azoxistrobina + ciproconazol, Nativo – trifloxistrobina + tebuconazol  e Evos- Azoxistrobina + Flutriafol), em duas aplicações 7 meses após o segundo corte)
Figura 18 - Índice de vegetação (por câmera multiespectral – Red Edge). As áreas verdes correspondem aos melhores fungicidas (ProriXtra- Azoxistrobina + ciproconazol, Nativo – trifloxistrobina + tebuconazol e Evos- Azoxistrobina + Flutriafol), em duas aplicações 7 meses após o segundo corte)

Figura 19 - Índice de área foliar verde (GLI) (por câmera multiespectral – Red Edge). As áreas verdes correspondem aos melhores fungicidas (ProriXtra- Azoxistrobina + ciproconazol, Nativo – trifloxistrobina + tebuconazol  e Evos- Azoxistrobina + Flutriafol), em duas aplicações 7 meses após o segundo corte)
Figura 19 - Índice de área foliar verde (GLI) (por câmera multiespectral – Red Edge). As áreas verdes correspondem aos melhores fungicidas (ProriXtra- Azoxistrobina + ciproconazol, Nativo – trifloxistrobina + tebuconazol e Evos- Azoxistrobina + Flutriafol), em duas aplicações 7 meses após o segundo corte)

Considerações importantes

1) A resposta aos fungicidas nos sistemas de produção de cana é uma ferramenta importante, mesmo aplicando após o corte da soqueira para reduzir o inóculo inicial de fungos necrotróficos como o da mancha anelar e da podridão vermelha que mais reduzem a sanidade e a produtividade do canavial;

2) O fungicida ciproconazol + azoxytrobina foi eficiente no controle da podridão vermelha (Colletotrichum falcatum) nas doses de 0,5 e 1L/ha;

3) As pulverizações devem ser iniciadas após o início das brotações para melhorar a emergência e a infecção inicial, o que impacta diretamente na produção (TCH)-t/ha;

4) Em clone suscetível como SP813250, o uso de fungicidas pode ser realizado entre três e cinco pulverizações com aplicações mensais;

5) A doença impacta ou reduz em até 12t/ha se o controle não for realizado na fase vegetativa ou formação do colmo;

6) Cada aplicação do fungicida azoxystrobina + ciproconazol aumentou em média 2,5t/ha de cana;

7) Ocorreu uma redução da severidade de ferrugem alaranjada, mancha parda e mancha anelar, melhorando a sanidade geral do canavial;

8) A aplicação de fungicida a partir do início das brotações apresenta uma vantagem econômica com retorno líquido de até R$ 700,00 por hectare.

 

Fernando Cezar Juliatti e
Pedro Augusto Ferreira Faria Medeiros,
UFU/Lamip/Iciag
Breno Cezar Marinho Juliatti e
Fernanda Cristina Juliatti,
JuliAgro - B,G & P.Ltda
Daine Anderlei Frangiosi,
Fazenda Estância Cruzeiro
Irmãos Frangiosi
Isabela Gonçalves de Fátima e
Márcio Gonçalves de Andrade Neto,
Openeen Bioscience
Marcela Eduarda Santos de Matos e
Vinycius Naves Melo,
Lamip/Iciag/UFU
Marcos Matheus Nakamura de Jesus,
Syngenta
Victor Hugo Santana Silveira,
 Syngenta/GTEC Cana

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