CADE permite venda de controladora da Seedcorp para Bunge e Advanta

Documento da autarquia federal expressa que a operação "não possui o condão de acarretar prejuízos ao ambiente concorrencial"

08.01.2023 | 14:11 (UTC -3)
Schubert Peter

A compra de ações da controladora da Seedcorp HO (HO Semillas Holding S.A.) pela Bunge Brasil Holdings B.V. (20%) e pela Advanta Seeds Holdings UK Ltd. (20%) foi autorizada pelo CADE. A Revista Cultivar informou sobre o anúncio do negócio pelas envolvidas em 16/11/2022.

O documento administrativo que materializa o entendimento foi assinado pelo Superintendente-Geral, Alexandre Barreto de Souza, e pelo Coordenador-Geral, Ednei Nascimento da Silva.

Embora o valor do negócio não tenha sido divulgado no Brasil, documentos das empresas mostram que cada um dos lotes de 20% de ações tem avaliação em US$ 42,33 milhões.

Conforme a análise do caso pelos agentes públicos federais em parecer (o CADE é uma autarquia da União), a compra das ações gera sobreposição horizontal nos mercados de:

• obtenção de sementes de soja, onde atuam a Seedcorp HO e o Grupo UPL;

• obtenção de sementes de milho, onde atuam a Seedcorp HO e o Grupo UPL;

• distribuição de sementes de soja, onde atuam a Seedcorp HO, o Grupo Bunge e o Grupo UPL; e

• distribuição de sementes de milho, onde atuam a Seedcorp HO, o Grupo Bunge e o Grupo UPL.

Por semelhante modo, entenderam os pareceristas que a operação causa integração vertical entre os mercados de:

• obtenção de sementes de soja (Grupo Seedcorp, a montante) e distribuição de sementes de soja (Grupo Bunge e Grupo UPL, a jusante);

• obtenção de sementes de milho (Grupo Seedcorp, a montante) e distribuição de sementes de milho (Grupo Bunge e Grupo UPL, a jusante);

• distribuição de sementes de soja (Grupo Seedcorp, a montante) e cultivo de grãos de soja (Grupo UPL, a jusante); e

• distribuição de sementes de milho (Grupo Seedcorp, a montante) e cultivo de grãos de milho (Grupo UPL, a jusante).

Tradicionalmente, o CADE entende partes do mesmo mercado relevante de sementes o melhoramento genético, a multiplicação e a comercialização (casos Nutrien e Terra Nova; e BASF, Monsanto, Du Pont, Dow Agrosciences, Syngenta Seeds).

Todavia, a partir de 2022, passou a decidir de outra forma (casos GDM e Agro Amazônia; e Syngenta e Agro Jangada, por exemplo).

No presente julgamento, optaram os agentes da autarquia por considerar separados os mercados de obtenção e de distribuição (comercialização) de sementes.

Sobreposições horizontais

O CADE analisou eventuais sobreposições horizontais do negócio "conforme as estimativas de participações de mercado apresentadas pelas Requerentes".

Em relação à obtenção de sementes de soja, concluíram os agentes públicos que, mesmo no caso de participação conjunta, o patamar ficaria abaixo de 50%, "o que afasta nexo de causalidade em decorrência da operação, em face do baixo incremento de participação de mercado".

Sobre a obtenção de sementes de milho, a participação estaria abaixo do patamar de 20%.

Por seu turno, na comercialização e distribuição de sementes de soja, a participação conjunta das empresas "situa-se abaixo de 20%".

Quanto ao mercado de comercialização e distribuição de sementes de milho, a fatia detida também fica "abaixo de 20%".

Por esses motivos, entenderam os pareceristas que a operação não acarreta preocupação sob a ótica da defesa da concorrência.

Integrações verticais

Em termos de sobreposições verticais, cuja análise costuma ser mais complexa, os agentes públicos entenderam, resumidamente, que: (a) a participação das empresas é inferior a 30% tanto no mercado de obtenção de sementes de soja quanto no de comercialização e distribuição; e (b) a participação das empresas também é inferior a 30% na obtenção, distribuição e comercialização de sementes de milho.

Portanto, não perceberam prejuízos à concorrência.

Conclusões do CADE

Avaliados esses aspectos, consideraram os agentes da autarquia que a compra "não possui o condão de acarretar prejuízos ao ambiente concorrencial".

Também julgaram que as cláusulas de não-concorrência existentes no negócio jurídico estão de acordo com o entendimento da entidade.

Informações sobre as companhias

A Bunge Brasil Holdings B.V. (LEI 549300LF1VNPPCC86I95) tem sede em Rotterdam, Holanda. É controlada pela Bunge Limited (LEI 5493007M0RIN8HY3MM77), pessoa jurídica com ações negociadas na Bolsa de Nova York, mas com sede nas Ilhas Bermudas (em processo de mudança para a Suíça).

No Brasil, detém participações em pessoas jurídicas como: Bunge Alimentos; Bunge Fertilizantes; Fertimport; Libertadores Participações; BP Bunge Bioenergia; Ramata Empreendimentos e Participações; BP Bunge Biofuels; Sinagro Produtos Agropecuários; Orígeo Comércio de Produtos Agropecuários; Agrofel Agro Comercial; e B-Tech Soluções Digitais, entre outras.

A Advanta Seeds Holdings UK Ltd tem sede em Warrington, Reino Unido. Integra a UPL Limited (LEI 335800RJSM1SLHO4UA95). No Brasil, o Grupo UPL possui participação em diversas empresas. Por exemplo: Advanta Comércio de Sementes; Sinagro Produtos Agropecuários; Orígeo Comércio de Produtos Agropecuários; UPL do Brasil; e Uniphos.

Por sua vez, a uruguaia HO Semillas S.A. (antiga Tuskey S.A.), no Brasil, detém: Seedcorp HO; Seedlog; e Seedmais. No primeiro semestre de 2022, a espanhola South America Seed Investments S.L. (SASI) adquiriu 25% das ações do capital social da HO Semillas Holding S.A., passando a deter 50% de participação acionária. Por sua vez, a SASI é controlada pela espanhola Genética de Soja Holding S.L. (LEI 959800PXPG6GTKE4KH91), que também controla a uruguaia GDM Holding SA (LEI 549300UKP1L7CCXVC770).

Entenda o significado de concentração de mercado horizontal e vertical

A concentração horizontal refere-se a situações em que os agentes econômicos atuam no mesmo mercado relevante (geográfico e material). Ao realizarem a concentração, deixam de concorrer entre si e ganham poder naquele mercado. Isso pode, teoricamente, permitir-lhes impor preços e condições. O CADE avalia se haverá ou não o desenvolvimento desse "poder".

Por sua vez, a concentração vertical acontece em situações nas quais os mercados de atuação dos agentes são complementares na cadeia de produção. Um fornece insumos ou distribui produtos do outro, por exemplo. A concentração vertical pode dificultar ou inviabilizar o acesso da concorrência a algum dos fatores de produção, resultando em domínio de mercado. Considera-se uma forma de eliminação indireta da concorrência.

Essas questões, avaliadas no Brasil pelo CADE, são discutidas há tempos. Quando o liberalismo passa a ganhar espaço nas sociedades, as corporações de ofício dão lugar à revolução industrial. A produção e comercialização de bens e de serviços torna-se permitida a todos. Aumenta competição no mercado.

Contudo, essa liberdade gerou agentes econômicos com muito dinheiro e poder. Eles passaram a dominar mercados, impondo a outros agentes e a consumidores condições e preços.

O exemplo mais conhecido ocorreu nos Estados Unidos. Na Década de 1870, as estradas de ferro (privadas) iniciaram processo de competição que se mostrou predatório. Seus preços foram reduzidos a pontos insuportáveis. A resposta de alguns seus donos ao problema foi estabelecer ajustes de preços para "mútua proteção". Todavia, cientes dos preços praticados pelos demais, não era incomum que alguma das empresas descumprisse o acordo.

Para solucionar a questão, os empresários decidiram atuar por meio de um instituo jurídico do Direito Britânico chamado "trust" (confiança). Eles transferiam a um "trustee" (administrador, fiduciário) o poder derivado de suas ações. Recebiam "trust certificates". E os "trustees" administravam várias empresas de forma centralizada, impedindo a concorrência. A ideia se assemelha à de uma holding, embora não equivalha por diversas razões.

A partir daí, eliminada a concorrência iniciaram-se discussões sobre a atuação dos "trustes" na economia. Os agricultores sofreram especialmente com as ações dos trustes. Porque dependiam da chegada de insumos e de equipamentos agrícolas; e da venda de seus produtos em locais distantes. Num determinado momento, 64 memoriais contra os trustes foram apresentados ao Congresso dos Estados Unidos. A maioria por agricultores.

Na segunda metade da Década de 1880 houve crescente insatisfação popular. A população passou a se manifestar abertamente contra a concentração de poder econômico. Em 1888, manifestando-se expressamente contra os trustes, o Presidente William Henry Harrison é eleito (sim, ele é antepassado de Rick Harrison, do seriado Pawn Stars - "trato feito").

No mesmo de 1888, o legislativo passa a discutir a questão por meio de projeto do Senador John Sherman (de Ohio). Em 1890, o Sherman Anti-Trust Act foi promulgado. Ele é considerado um marcado no Direito da Concorrência. Obviamente, sofreu diversas alterações de lá para cá.

Vale perceber que a ideia do Sherman Act não é absoluta. Há diversas situações que o excepcionam. Por exemplo: Credit Suisse Securities (USA) LLC v. Billing (2007) ou American Needle, Inc. v. National Football League, et al. (2010).

No Brasil, as três últimas leis gerais sobre a defesa da concorrência são Lei 4.137/196 (revogada); Lei 8.884/1994 (revogada); Lei 12.529/2011 (atual).

Imagem do Sherman Anti-Trust Act, de 2 de julho de 1890
Imagem do Sherman Anti-Trust Act, de 2 de julho de 1890

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