Agricultura de Precisão no combate e redução de custos no manejo de plantas daninhas

Em um cenário marcado por problemas de resistência a herbicidas e de diferentes níveis de infestação dentro de um mesmo talhão

28.05.2020 | 20:59 (UTC -3)
Revista Cultivar

A presença de plantas indesejadas na lavoura existe desde o início da agricultura, por convenção denominadas de invasoras ou daninhas. Com o surgimento das primeiras moléculas de herbicidas, na segunda metade do século passado, a agricultura passou por uma certa acomodação. Anos depois, surgiram as plantas geneticamente modificadas e resistentes ao glifosato, o herbicida mais utilizado nas lavouras, o que expandiu ainda mais seu uso e consequente dependência. Não tardou e paralelamente surgiram as plantas resistentes a este herbicida. Recentemente o produtor de soja passou a contar com novas cultivares transgênicas. Vale lembrar que algumas daninhas apresentam resistência múltipla, portanto já são resistentes a mais de um tipo de herbicida.

Enquanto uma solução efetiva não chega, caminhos alternativos podem auxiliar o produtor na redução de custos. Embora pouco divulgadas, algumas tecnologias já existem e estão à disposição dos produtores. Nesse caso, é importante considerar que as plantas daninhas não estão distribuídas uniformemente em toda a lavoura. Na maior parte das vezes estão agregadas em reboleiras, principalmente devido à forma de dispersão das sementes, ou em focos de plantas isoladas e muito esparsas. Independentemente da situação, haverá uma tecnologia capaz de auxiliar no combate localizado.

Diferentes tecnologias disponíveis no mercado realizam aplicação localizada de herbicidas
Diferentes tecnologias disponíveis no mercado realizam aplicação localizada de herbicidas

Mapeamento para aplicação de herbicidas em pré-emergência

No caso de herbicidas que são aplicados em pré-emergência, com o objetivo de controlar as plantas daninhas que ainda não germinaram, existem diversas interações que ocorrem entre a molécula do herbicida e os componentes do solo, o que faz com que a variabilidade espacial de atributos do solo, tais como teor de argila, matéria orgânica e pH, influenciem na dose ideal de produto a ser aplicado. Modelar corretamente essas interações para cada tipo de herbicida e de solo é uma tarefa complexa, entretanto existem soluções comerciais que entregam a recomendação pronta para o cliente, como é o caso do HTV, uma tecnologia desenvolvida e patenteada pela APagri Consultoria Agronômica em conjunto com a área de herbologia da Esalq-USP. O foco nessa modalidade de aplicação são diferenças que ocorrem na escala de centenas de metros.

Além das interações com o solo, o uso de pré-emergentes de forma localizada ou em taxa variável também pode ser realizado com base em alguma estimativa da população de plantas daninhas que irão germinar, baseado normalmente no banco de sementes presente no solo para cada espécie. Essa estimativa pode ser obtida com base em um mapeamento anterior das espécies infestantes associado com as características biológicas de cada espécie, como quantidade de sementes produzidas, forma de dispersão, condições adequadas para germinação e ocorrência de dormência. O nível de resolução que se obtém para essa aplicação é da ordem de dezenas de metros.

Mapeamento da distribuição de plantas daninhas

A distribuição espacial e as formas de mapeamento da ocorrência de plantas daninhas vêm sendo estudadas há vários anos. Uma das primeiras formas utilizadas foi a amostragem, realizando-se uma metodologia padrão de levantamento de plantas daninhas em vários pontos de uma área e depois utilizando-se a interpolação para gerar o mapa de infestação de cada espécie. Essa metodologia requer intensiva utilização de mão de obra e apresenta baixa precisão, uma vez que normalmente o número de amostras coletadas é muito inferior ao que seria necessário para gerar uma representação precisa da distribuição de plantas daninhas na área. Embora seja antiga, essa técnica é pouco utilizada em larga escala.

Outra possibilidade de mapeamento das plantas daninhas, desta vez com um menor emprego de mão de obra, é por meio da utilização de ferramentas de sensoriamento remoto. Neste contexto está inserido o uso de diversos sensores, passivos ou ativos, embarcados em várias plataformas, tais como satélites, aeronaves e máquinas agrícolas. Neste caso, a resolução espacial normalmente é de alguns metros no caso de sensores orbitais e pode chegar a alguns centímetros para sensores embarcados em aeronaves. Os sensores passivos são os mais utilizados nessa plataforma, e normalmente utilizam a luz solar como fonte de radiação, o que os deixa mais dependentes das condições climáticas. Normalmente esses sensores captam a energia refletida pelas plantas em diferentes regiões do espectro eletromagnético, incluindo a região visível, infravermelho e termal. Dentre os sensores ativos destacam-se o uso de radares e Lidar (Light Detection and Ranging), que podem estimar volume e altura das plantas.

O uso de imagens de satélite com resolução de 5m, por exemplo, possibilita a identificação de reboleiras de plantas daninhas em uma área, enquanto que o uso de uma imagem aérea com resolução de 5cm possibilita a identificação de plantas daninhas de forma mais individualizada. Uma dificuldade presente na utilização de imagens, principalmente as de menor resolução, é a diferenciação de espécies de plantas, tanto entre diferentes plantas daninhas quanto em relação a plantas daninhas e à cultura instalada. As pesquisas apontam que o uso de imagens hiperespectrais, que trazem informações detalhadas sobre como a luz é refletida pelas plantas em regiões que são invisíveis ao olho humano, podem ser uma alternativa para solucionar essa limitação, entretanto esses sensores ainda apresentam alto custo e baixa oferta disponível.

Para a realização de um mapeamento de qualidade a partir de dados de sensoriamento remoto, é fundamental que as coordenadas de cada elemento do mapa correspondam realmente à coordenada real desse elemento no talhão. Isso exige a utilização de vários pontos de controle em solo utilizando uma tecnologia de posicionamento por satélites muito precisa, tal como o real time kinematic (RTK) que possui um erro aproximado de 1cm. Tanto a aquisição como o processamento dos dados devem ser realizados com controle de qualidade rigoroso, para que o mapa possa depois ser utilizado em uma máquina para realizar a aplicação.

 Tecnologias para pulverização localizada e em taxa variável

Uma vez identificados os locais de ocorrência das plantas daninhas, torna-se necessário realizar intervenções de controle, como a aplicação de herbicidas. Para isso existem algumas tecnologias de aplicação distintas. A maioria dos pulverizadores modernos já é capaz de realizar aplicações com base em um mapa de prescrição. Nesse caso a variação das doses de herbicida é obtida pela variação na pressão do sistema de pulverização, que altera o volume de calda aplicado. Essa modalidade de taxa variável altera significativamente o tamanho das gotas de pulverização, o que normalmente restringe as variações de dose a mais ou menos 30% da dose padrão. Outro limitante é que a dose aplicada é a mesma em toda a largura da barra de pulverização, que varia de 20m a 40m, e, portanto, não permite o controle de forma individualizada.

Funcionamento do sistema: sensor detecta a invasora e, na sequência, o bico aplica o herbicida sobre o alvo
Funcionamento do sistema: sensor detecta a invasora e, na sequência, o bico aplica o herbicida sobre o alvo

O controle de seção, que divide a barra em seções menores permitindo o seu acionamento de forma independente, está presente em boa parte destes equipamentos. Os principais benefícios dessa tecnologia são visualizados nas bordaduras das lavouras, diminuindo a região de sobreposição das aplicações. Neste sentido, o controle de seção auxilia ainda no controle localizado de plantas daninhas, através da pulverização de reboleiras ou pequenas faixas nas lavouras sem a necessidade de abrir todos os bicos das máquinas. Nesse caso as seções costumam variar de 5m a 0,5m, quando o controle é realizado em cada bico.

Para realizar a abertura e o fechamento dos bicos com uma velocidade extremamente rápida, válvulas pulse width modulation (PWM) precisam ser utilizadas. As válvulas são instaladas diretamente no bico de pulverização e podem, ainda, dependendo da frequência de trabalho, mudar a dose de aplicação sem alterar a pressão do sistema, o tamanho de gota e o ângulo de abertura do leque de pulverização. Com essa tecnologia é possível obter-se diferentes doses de produto em cada bico, o que possibilita o controle localizado ao nível de cada planta individualmente. Sua utilização com essa finalidade, entretanto, depende de um mapa altamente detalhado e com exatidão das coordenadas das plantas daninhas, bem como da exatidão do sistema de posicionamento da máquina. Na prática, os monitores e controladores das máquinas não estão preparados para operar com mapas de prescrição nesse nível de detalhamento, existindo ainda a limitação de modelagem da dinâmica da máquina para identificar com exatidão a coordenada de cada bico em um dado instante.

Na identificação e pulverização de daninhas em tempo real os sensores são geralmente
Na identificação e pulverização de daninhas em tempo real os sensores são geralmente

Outra limitação das tecnologias citadas é o fato de que a variação ocorre na calda de pulverização, o que impossibilita o uso de diferentes doses de cada herbicida mais eficiente para o controle de cada espécie de planta daninha. Isso pode ser superado com o uso de sistemas de injeção direta, que dosam os produtos químicos na calda de pulverização em tempo real. Em sua forma mais simples, os produtos concentrados são armazenados em tanques separados e misturados na linha principal do sistema de pulverização, o que permite um nível de resolução semelhante ao da taxa variável obtida por variação de pressão do sistema, mas que possibilita maior variação nas doses porque não afeta o espectro de distribuição das gotas de pulverização. A injeção direta pode ainda ser realizada em cada seção ou até mesmo em cada bico, o último caso é o mais flexível e equivale à existência de dois ou mais sistemas de pulverização independentes montados na mesma máquina.

Detalhe da aplicação apenas nas áreas onde o sensor detecta a presença de plantas e realiza a aplicação localizada
Detalhe da aplicação apenas nas áreas onde o sensor detecta a presença de plantas e realiza a aplicação localizada

Identificação e pulverização em tempo real

A pulverização de daninhas em tempo real é baseada na identificação da planta por sensor e aplicação instantânea de herbicida somente sobre o alvo. O processo de identificação de uma planta é realizado pelo reconhecimento de um padrão de reflectância (uma espécie de assinatura espectral) quando submetido a uma fonte de radiação. Neste caso, os sensores são geralmente “ativos” por possuírem a sua própria fonte de radiação (luz), permitindo trabalhar tanto de dia como à noite, podendo ser feita uma analogia com uma câmera fotográfica (sensor) e o flash (luz).

Atualmente há dois equipamentos comerciais no Brasil que realizam a identificação e pulverização de plantas daninhas em tempo real: a) WEEDit (Rometron B.V., Holanda); b) WeedSeeker (Trimble Navigation Limited, EUA). Para a detecção das plantas, o primeiro sistema baseia-se na técnica de detecção da fluorescência de clorofila que é criada pela ação de uma potente fonte de luz, já o segundo faz a comparação de reflectância em duas bandas espectrais (índice de vegetação).

A tecnologia destas ferramentas não se resume somente aos sensores, mas à velocidade extremamente rápida das válvulas responsáveis pela abertura e o fechamento dos bicos. No caso do WEEDit, a tecnologia Pulse Width Modulation (PWM) permite que a dose estipulada no monitor seja mantida independente de variações de velocidade da máquina, ou seja, a pressão do sistema permanece constante garantindo o tamanho de gota e abertura do leque padrão ao passo em que realiza aumento ou diminuição da vazão simplesmente pela pulsação do jato, podendo chegar a 60 aberturas/segundo. O PWM neste caso ainda permite uma compensação da vazão em operações de curva e manobra, ou seja, quando um lado da barra está mais rápido que o outro, o sistema ajusta automaticamente a vazão de cada metro de barra para corresponder à dose informada no monitor (L/ha). A vantagem da utilização de sensores para detecção em tempo real juntamente com a tecnologia PWM, em relação ao uso de mapas, é a redução dos erros de posicionamento que podem ser acumulados desde a obtenção das imagens até a decisão do momento de abrir ou fechar a válvula do bico, trazendo a possibilidade real de controle individualizado das plantas daninhas.

Este tipo de tecnologia pode trazer um grande benefício ao produtor em operações de dessecação. O potencial de economia pode variar de 20% a 99%, sendo diretamente proporcional ao nível de infestação de plantas daninhas na área. Apesar de serem sistemas com um custo de aquisição moderado (≈R$ 18 mil a 30 mil por metro de largura), a viabilização da aquisição, bem como a opção de largura ideal de barra, deve considerar os investimentos anuais com defensivos e o potencial de economia em cada uma das operações.

Outro benefício destes tipos de sistema está na possibilidade de realizar as aplicações com uma frequência maior, ou seja, como só será pulverizado sobre as daninhas, não é necessário esperar que todas as plantas daninhas germinem. Além disso, a espera pode dar a chance dessas plantas produzirem novas sementes, o que agrava o problema para as próximas safras. Este processo naturalmente irá reduzir o banco de sementes na área ao longo dos anos. Há relatos de produtores australianos com economia de 98% de herbicida na dessecação após sete anos de uso da tecnologia. Além da redução de gastos, a diminuição dos impactos ambientais e a garantia da sustentabilidade da produção tornam estas ferramentas essenciais para os produtores.

Uma demonstração do potencial de economia de uma pulverização localizada pode ser visualizada na Figura 1. O mapa foi gerado pelo sistema WEEDit instalado em um pulverizador JD 4730 de 32 metros de barra, em Luís Eduardo Magalhães, Bahia. A aplicação foi realizada após a colheita do milho, gerando uma economia de 62% de herbicida em uma área de 322 hectares. Quando a área apresenta focos de capim-amargoso, o produtor adota a estratégia de realizar duas aplicações na mesma área: 1) Pós-colheita: dessecação utilizando herbicidas de custo reduzido (Figura 1); 2) Em torno de 20 dias após a primeira aplicação é realizada uma segunda dessecação (catação) utilizando graminicida. A catação é uma operação muito rentável e resulta em uma média de mais de 90% de economia.

Figura 1 - Mapa da economia de herbicida gerado pelo sistema WEEDit em uma área de 322ha no Oeste da Bahia. (Fonte: Agroservice/Carrol Farms, Luiz Eduardo Magalhães-BA)
Figura 1 - Mapa da economia de herbicida gerado pelo sistema WEEDit em uma área de 322ha no Oeste da Bahia. (Fonte: Agroservice/Carrol Farms, Luiz Eduardo Magalhães-BA)

Semelhante ao que ocorre com as formas de mapeamento citadas anteriormente, cabe ressaltar que estas ferramentas são capazes de identificar plantas vivas, no entanto, não diferenciam umas das outras. Ambos os equipamentos disponíveis no mercado e citados possuem limites de detecção ajustáveis que permitem acertar alvos maiores ou menores, ainda assim, sem a plena capacidade de diferenciar espécies.

Neste sentido há tecnologias sendo desenvolvidas e testadas em nível de pesquisa, principalmente utilizando reconhecimento de padrões em imagens RGB (formato da planta) e câmeras hiperespectrais (intensidade de reflectância em regiões específicas do espectro). Estes equipamentos ainda enfrentam barreiras devido à baixa velocidade e largura da operação, e ao alto custo. Um exemplo é a empresa BlueRiver, adquirida em 2017 pela John Deere por 305 milhões de dólares. O conceito de máquina inteligente para enxergar e pulverizar faz o uso de visão computacional e inteligência artificial para a diferenciação de espécies de plantas e aplicação em tempo real (Figura 2).

Figura 2 - Pulverização utilizando inteligência artificial para reconhecimento de espécies de plantas daninhas. (Fonte: Blue River Technology/John Deere - See and Spray System. http://smartmachines.bluerivertechnology.com)
Figura 2 - Pulverização utilizando inteligência artificial para reconhecimento de espécies de plantas daninhas. (Fonte: Blue River Technology/John Deere - See and Spray System. http://smartmachines.bluerivertechnology.com)

Considerações finais

Do contexto aqui abordado pode-se estabelecer que a presença de plantas daninhas em diferentes níveis de infestação dentro de um mesmo talhão abre caminhos para a utilização de ferramentas de agricultura de precisão como uma forma mais eficiente de controle, através da aplicação localizada e nas doses necessárias para cada parte de uma área agrícola. O aumento na ocorrência de plantas daninhas resistentes aos herbicidas cria demandas por essas tecnologias, pois as formas tradicionais de controle apresentam custos elevados e baixa eficiência. O risco de introdução ou seleção de novas espécies resistentes, associado ao lento desenvolvimento de novas moléculas de herbicidas, faz com que o manejo correto de plantas daninhas seja cada vez mais importante para a manutenção de um sistema de produção sustentável. O controle localizado utilizando sensores e aplicação de herbicidas em tempo real possibilita as maiores economias de produtos, além de reduzir os impactos no meio ambiente e contribuir para redução do problema no longo prazo.

 

Mateus Tonini Eitelwein,
Rodrigo Gonçalvez Trevisan e
Marcos Nascimbem Ferraz,
Smart Agri
José Paulo Molin,
USP/Esalq

 

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