Recuperação judicial no meio rural: fins justificam os meios?
Deve-se levar em consideração a morosidade e a complexidade na supervisão e conclusão do trâmite
09.11.2022 | 08:37 (UTC -3)
Sara Kirchhof
No finalzinho de 2020, a Lei 14.112 promoveu algumas alterações significativas na legislação que trata das dívidas dos produtores rurais deixando boa parte delas de fora da possibilidade de repactuação ou renegociação através de inserção em processos de Recuperação Judicial (RJ), dentre tais, as operações de barter provenientes de financiamento por meio de troca de mercadorias por produtos, prática comum no setor, os descontos de Cédulas de Produto Rural com liquidação física (em produto) – a maioria delas – e as dívidas oriundas de financiamentos do crédito rural.
Com a alteração, aumentaram muito as dúvidas do produtor rural em relação ao tema já que, muitas vezes, ainda pairam incertezas sobre a possibilidade de aplicação da ferramenta jurídica na renegociação de dívidas e até mesmo a cerca dos custos transacionais, como, por exemplo, custos fiscais que estariam envolvidos no processo de Recuperação Judicial.
Para exemplificar, caso o produtor tenha uma dívida de R$ 10 milhões de reais e opte por ingressar com um pedido de Recuperação Judicial, ele deve gastar, em média, com custos transacionais, fiscais e honorários advocatícios, por volta de 30% da dívida. Nesse sentido, parece mais razoável que o produtor rural utilize a via negocial com seus credores a fim de readequar os débitos na atividade agrícola, isto é, propor aos credores uma forma de quitação que se enquadre no fluxo de caixa do produtor.
Em média, se considerarmos somente alíquotas nominais do Imposto de Renda da Pessoa Física, já haveria um gasto de 25% sobre o valor de deságio dos créditos. Também é importante considerar outros 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), um tributo federal brasileiro que incide sobre o lucro líquido do período-base, antes da provisão para o Imposto de Renda, totalizando 34% sem PIS/COFINS por conta do disposto no inciso I do art. 50-A da Lei 14.112/20.
Além dos custos transacionais e dos riscos jurídicos com aumento significativo nos custos do processo de gestão do negócio em recuperação judicial, como com advogados, contadores, auditores, administração judicial etc., deve-se levar em consideração a morosidade e a complexidade na supervisão e conclusão do trâmite e também é importante citar a gestão de riscos jurídico-fiscais em relação à continuidade dos negócios desses produtores rurais, a partir da identificação e quantificação de custos fiscais marginais derivados dessa renegociação forçada das dívidas através de um processo de recuperação judicial.
Segundo acredita André Passos, sócio do escritório Passos e Sticca Advogados Associados, especializado no agronegócio, a questão ainda precisa ser amplamente discutida pois, caso não haja uma gestão plena referente a todos os encargos envolvidos no trâmite, o produtor poderá sofrer um impacto quase tão similar à dívida que deu origem ao pedido. “Hoje no Brasil, a maior parte das dívidas de produtores rurais que estejam enfrentando alguma situação de superendividamento, não são passíveis de inclusão em um processo de recuperação judicial”, declarou Passos que acredita que o recurso só deve ser utilizado em situações extremas, no caso, garantir a continuidade dos negócios do produtor no campo.
O artigo 50 da Lei da Recuperação Judicial apresenta diferentes formas para que seja acionado o dispositivo da recuperação judicial, desde a concessão, prazos e descontos especiais para pagamentos das dívidas do produtor rural (por meio do seu próprio CPF ou CNPJ), até emissões de valores mobiliários, venda de controle de empresa em dificuldades ou mesmo conversão de dívidas em capital social em relação às empresas (CNPJs) em dificuldades financeiras. Por isso, é necessário buscar orientação antes de entrar com o pedido de RJ.
“Para o produtor rural que atua na atividade como CNPJ, há ainda que se considerar um custo fiscal marginal a partir da própria aprovação do plano de recuperação em virtude do regime contábil-fiscal aplicável às empresas agropecuárias, baseado na legislação societária que determina que se contabilize e se tribute pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL os descontos porventura obtidos quando da aprovação do PRJ pelos credores do produtor”, alertou o advogado. Sendo assim, cabe ao produtor rural avaliar com cautela junto ao seu time de gestão, assessores e consultores, mesmo nessas hipóteses mais agudas de crise, todos os potenciais impactos na tomada dessa decisão que envolve diretamente a continuidade ou não do seu trabalho no campo.
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