Artigo - Mandioca: a raiz das nossas raízes

30.12.2010 | 21:59 (UTC -3)

A mandioca, planta de nome científico Manihot esculenta é, provavelmente, a planta cultivada mais disseminada no território brasileiro. A sua origem é americana, e embora o local exato de origem dessa espécie ainda seja controverso, o Brasil é provavelmente o país onde se observa a maior variação nas formas de utilização da planta.

A familiaridade do povo brasileiro com a mandioca deve-se ao fato de que os nativos já a cultivavam antes mesmo da chegada dos portugueses. A primeira referência à mandioca está na carta que Pero Vaz de Caminha enviou a Portugal quando do Descobrimento:

 

“...Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos...”.

 

O “inhame” era na realidade a mandioca, já que o inhame propriamente dito é de origem africana, tendo sido introduzido posteriormente no Brasil.

Logo, os portugueses aprenderam com os índios a utilizar as raízes da mandioca. A farinha, produto que se pode conservar por meses, foi um alimento da maior importância na conquista do interior do Brasil, e também no tráfico de escravos a partir da África. Segundo Camargo (2010), os sertanistas, nas expedições ao interior do Brasil, iam fazendo roças de mandioca, para garantir a alimentação na volta. A mandioca passou a ser tão importante para a vida da colônia que a constituição de 1824 exigia que os eleitores de primeiro grau (que elegiam no colégio eleitoral) tivessem uma renda líquida anual equivalente a no mínimo 150 alqueires de farinha de mandioca. Para ser membro do colégio eleitoral era preciso ter renda anual equivalente a 250 alqueires. Os deputados, 500 alqueires e senadores, 1000 alqueires (BRASIL, 509 ANOS...).

 

A partir do século XVII, a farinha de mandioca passou a ser misturada ao feijão, a ponto de Câmara Cascudo, citado no livro “Mandioca, o pão do Brasil”, afirmar que “feijão com farinha ficou sendo o mais nacional dos pratos”.

 

Desde então, muita coisa mudou. Por exemplo, a farinha, produto ao qual ainda é destinada a maior parte da produção brasileira de mandioca, vem tendo o seu consumo reduzido. Entretanto, a familiaridade ancestral do brasileiro com a mandioca não se perdeu, e pode ser constatada por meio da imensa variedade de pratos, preparados a partir das raízes, folhas e até mesmo da água obtida na prensagem da massa no processo de produção da farinha - a manipueira - utilizada na obtenção do tucupi, utilizado em vários pratos da região Norte, como o “pato no tucupi”. Atualmente está sendo estudada a utilização desse produto como inseticida, fertilizante e na alimentação animal.

 

As folhas de mandioca, postas para ferver, são empregadas no preparo da maniçoba. As folhas, juntamente com os ramos mais tenros, também são utilizadas na alimentação de animais. Para essa finalidade também são utilizadas as raízes, integralmente, ou somente as cascas que sobram da raspagem para fazer farinha. Sejam folhas ou raízes, antes de ser ministradas aos animais, são picadas e secas, para que o ácido cianídrico (HCN, substância que pode ser letal) seja eliminado, evitando intoxicação aos animais.

 

O amido, também conhecido como fécula, goma ou polvilho, é outro importante produto da mandioca, de inúmeras aplicações, desde a alimentação (bolo e beiju de tapioca, mingau, sorvete, biscoitos) até a mineração (o amido atua na separação do minério de ferro) e extração de petróleo (evitando o desgaste de brocas de perfuração de poços), passando pela indústria farmacêutica, de papel e celulose, cosméticos, alimentos embutidos etc. O pão de queijo, iguaria da culinária mineira, é feito com polvilho azedo, que é amido de mandioca fermentado.

 

Outra importante forma de utilização da mandioca é o consumo fresco, no qual são empregadas as raízes das variedades que contêm baixo teor de ácido cianídrico, as quais são denominadas mandioca mansa, aipim ou macaxeira. As raízes da mandioca mansa podem ser cozidas, ou cozidas e em seguida fritas, podendo ainda ser servida misturada à carne seca; essa é a forma como é servida nos bares e restaurantes.

 

A novidade nesse mercado são as raízes amarelas, ricas em betacaroteno, que é precursor da vitamina A, cuja deficiência causa, entre outros problemas, a cegueira noturna. As variedades de mandioca de raízes amarelas são comuns na região Norte do Brasil, onde são empregadas na fabricação da farinha d’água, em que as raízes são imersas em água, para fermentar, antes de se fazer a farinha. Atualmente, a pesquisa está buscando obter raízes com alto teor de betacaroteno e baixo HCN, para consumo de mesa, por ser essa a forma de consumo que resulta no maior aproveitamento do betacaroteno.

 

Como se pode ver, as possibilidades de utilização da mandioca são ilimitadas. A sua importância para a alimentação, principalmente das pessoas mais pobres, sem acesso ou possibilidade de adquirir outros alimentos, e a sua rusticidade, que lhe pemite produzir em solos de baixa fertilidade, ou ainda sob deficiência hídrica, fazem da mandioca um produto da maior importância para a vida do povo brasileiro. Apesar de todas essas características que fazem dela uma planta como poucas, a mandioca atravessou esses 510 de nossa história sem ter o seu devido valor; entretanto, principalmente pelo aumento da demanda por amido, a planta está sendo “redescoberta”. Tomara que as futuras gerações, que com certeza continuarão se beneficiando da generosidade da mandioca, valorizem mais a planta que, sem sombra de dúvida, é a mais fortemente ligada à origem do povo brasileiro.

 

Vanderlei da Silva Santos

Pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical

(75)3312-8063.

vssantos@cnpmf.embrapa.br

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