O risco incessante da ferrugem asiática na cultura da soja
A ferrugem-asiática é causada pelo fungo bitrófico Phakopsora pachyrhizi que demanda hospedeiro vivo para sobreviver. O vazio sanitário tem enorme importância na busca por retardar a incidência da doença
01.11.2017 | 21:59 (UTC -3)
A introdução da ferrugem-asiática da soja, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi, no Brasil em 2001, teve como consequência alterações no sistema produtivo da cultura. Uma das mudanças foi a adoção do vazio sanitário, período sem plantas de soja no campo durante a entressafra, que varia de 60 a 90 dias, onde a regra é a proibição da semeadura de soja e a eliminação de plantas de soja voluntárias (guaxas) que germinam a partir de grãos perdidos na colheita. As semeaduras autorizadas nesse período constituem-se exceções e devem ser monitoradas durante todo o ciclo da cultura, realizando aplicações periódicas de fungicidas para evitar a ocorrência da ferrugem. O fungo P. pachyrhizi é um patógeno biotrófico, que necessita de hospedeiro vivo para sobreviver e se multiplicar. Antes da implantação do vazio sanitário, as semeaduras de soja durante o inverno permitiam a sobrevivência do fungo (ponte verde) fazendo com que a doença ocorresse no início do desenvolvimento da cultura na safra. O principal objetivo do vazio sanitário é reduzir a quantidade de esporos do fungo durante a entressafra e, assim, retardar a ocorrência da doença na safra.
O vazio sanitário foi adotado pela primeira vez em 2005, no Mato Grosso, por meio de uma Recomendação Técnica Conjunta e, em 2006, regulamentado por Instruções Normativas e Portarias nos Estados de Mato Grosso, de Goiás e do Tocantins. Atualmente, é adotado em 12 estados, no Distrito Federal e no Paraguai (Figura 1). As particularidades da medida para cada Estado podem ser consultadas nas Instruções Normativas, Portarias e Resoluções disponíveis no site do Consórcio Antiferrugem (www.consorcioantiferrugem.net). Os produtores que não cumprirem as Instruções Normativas estão sujeitos a notificações e multas.
A necessidade da adoção do vazio sanitário em alguns estados ocorre uma vez que, na maioria das regiões produtoras de soja no Brasil, não haja estresse de temperatura e de umidade para a sobrevivência do fungo P. pachyrhizi durante todo o ano e, se houver plantas de soja no campo, o fungo pode se multiplicar continuamente. O estabelecimento do período mínimo do vazio foi baseado em dados de pesquisa da sobrevivência de esporos do fungo em folhas destacadas.
O controle da soja voluntária deve ser iniciado com a maximização do processo de colheita, pois quanto menor for a perda de grãos, menor será o potencial de instalação dessas plantas voluntárias. Mesmo com uma eficiente colheita ocorrem perdas de grãos, que podem não germinar na mesma época e não se desenvolver de maneira uniforme, resultando em populações de plantas de diferentes tamanhos e vigor, o que interfere diretamente no controle, pois quanto mais desenvolvida a soja voluntária, maior será a dificuldade de controle, principalmente com o uso de herbicidas. Os principais produtos para essa finalidade são o paraquat, o paraquat + diuron e o glufosinato de amônio, que possuem ação total, e o 2,4-D, o diquat, a atrazina e o metsulfuron, que são específicos para dicotiledôneas. Outra opção é o controle mecânico, através de capina ou roçada. No entanto, apesar do esforço dos produtores, tem sido observada a sobrevivência de muitas plantas de soja voluntárias no meio de lavouras, especialmente de milheto, girassol e crotalária, que continuam servindo como ponte verde para o fungo.
Apesar da grande efetividade do vazio sanitário, diversos problemas interferem na sua eficiência. No estado do Mato Grosso, por exemplo, a produção de soja é praticamente toda escoada via terrestre até a região Sul, Rondonópolis e Alto Taquari, onde é embarcada em vagões. Nesse trajeto é comum a perda de grãos ao longo das rodovias, ocorrendo a emergência de plantas voluntárias às margens das estradas que servem não só como hospedeiras do fungo P. pachyrhizi, mas também de outras pragas. As cidades das regiões produtoras cortadas por rodovias de intenso fluxo têm seus canteiros transformados em verdadeiras lavouras de soja voluntária. Esforços têm sido feitos no sentido de conscientizar a administração dos municípios e as mantenedoras das rodovias a fazer a erradicação dessas plantas. Em 2014, no mês de julho, as chuvas que ocorreram em várias regiões favoreceram a emergência de plantas voluntárias e a sobrevivência de P. pachyrhizi. No Mato Grosso, a Superintendência Federal de Agricultura (SFA/MT), com parceria da Aprosoja e da UFMT, tem constatado a presença frequente de plantas de soja infectadas pelo fungo nas margens de rodovias e nos canteiros dentro de cidades.
Além dos problemas para a eliminação da soja voluntária também há outras limitações conhecidas. Embora o Brasil adote essa medida, o inóculo do fungo pode ser mantido em países vizinhos como o Paraguai e a Bolívia. Os esporos de P. pachyrhizi são facilmente disseminados pelo vento e as lavouras dos países vizinhos representam uma fonte de inóculo para as brasileiras. A partir de 2011, o Paraguai passou a adotar o vazio sanitário de 1º de junho a 30 de agosto. Outra limitação é que P. pachyrhizi possui mais de 60 espécies de plantas hospedeiras em 52 gêneros pertencentes à família Fabaceae (leguminosas), embora a principal seja a soja. Apesar dessas limitações o vazio sanitário mostrou-se efetivo e deve ser realizado com o máximo de rigor, eliminando as plantas voluntárias desde o início.
A ampliação do período do vazio sanitário em alguns estados foi discutida na reunião do Consórcio Antiferrugem, realizada em 30 de julho de 2014. A principal razão para a ampliação é tentar reduzir o número de aplicações de fungicidas durante a safra. O extenso período de semeadura e a possibilidade de semear soja após soja (safrinha) favorecem a disseminação dos esporos do fungo que se multiplicam nas primeiras semeaduras para as semeaduras tardias, havendo a necessidade de antecipar as aplicações de fungicida, reduzir o intervalo entre aplicações e aumentar o número de pulverizações nas lavouras. A consequência do excesso de aplicações é a alta pressão de seleção para resistência dos fungos aos fungicidas.
Os fungicidas utilizados no controle da ferrugem pertencem a três grupos químicos, os Inibidores da Desmetilação (DMI - “triazóis e triazolinthiona"), os Inibidores de Quinona Oxidase (QoI – “estrobilurinas") e, a partir de 2013, as moléculas Inibidoras da Succinato Desidrogenase (SDHI – “carboxamidas"). Esses fungicidas são sítio-específicos e possuem risco de resistência. Populações de P. pachyrhizi menos sensíveis aos DMIs foram observadas nas lavouras a partir de 2007. A partir de 2008, somente misturas de DMI e QoI têm sido recomendadas para o controle da ferrugem.
Apesar do baixo risco de resistência completa de P. pachyrhizi aos fungicidas QoI, esses produtos possuem baixa eficiência de controle quando utilizados sozinhos, sendo recomendados somente em misturas a partir de 2004. Os resultados dos ensaios em rede da safra 2013/14 mostraram uma queda significativa de eficiência dos QoI e de várias misturas de DMI e QoI em semeaduras tardias.
Fungicidas SDHI apresentam risco de resistência médio a alto. Na conjuntura atual, com o grande número de aplicações realizadas na safra, haverá grande pressão para resistência a esse grupo, apesar de estarem sendo comercializados somente em misturas com fungicidas QoI. A mistura como estratégia antirresistência só é efetiva quando os princípios ativos usados de forma isolada têm eficiência para o controle da doença. Essa situação não ocorre para a maioria das misturas comercializadas atualmente.
O vazio sanitário, como medida isolada, não resolve o problema da ferrugem, mas já demonstrou ser efetivo na redução do inóculo nas primeiras semeaduras, resultando em menor número de aplicações de fungicida e reduzindo o custo de produção. A ampliação desse período em algumas regiões pode contribuir para reduzir ainda mais o número de pulverizações, diminuindo a pressão de seleção para resistência aos novos fungicidas. Os fungicidas representam a principal ferramenta para o controle da ferrugem durante a safra e a redução da eficiência que vem sendo observada nos ensaios, em curto espaço de tempo, é preocupante. O desenvolvimento e o registro de novos princípios ativos no Brasil são um processo longo e se medidas não forem tomadas para reduzir a pressão de seleção para resistência, essa ferramenta pode deixar de funcionar, inviabilizando o controle da ferrugem. O produtor cada vez mais precisa se conscientizar que para as novas tecnologias terem longevidade, sejam elas novos produtos, novos transgênicos ou novas cultivares com resistência, seu uso deve ser feito de forma cautelosa seguindo as recomendações preconizadas pela pesquisa.