Neonicotinoides são todos iguais?

Por Juliano de Bastos Pazini, André Cirilo de Sousa Almeida (Instituto Federal Goiano); Aline Costa Padilha, Thiago de Araújo Mastrangelo (Centro de Energia Nuclear na Agricultura)

08.01.2024 | 14:50 (UTC -3)

Pesticidas são produtos químicos sintéticos usados para o controle de pragas. Os termos pesticida e agroquímico são equivalentes ao que alguns denominam, em português, de defensivo agrícola ou produto fitossanitário. Na maioria das situações, a praga é uma planta daninha, inseto, ácaro, nematoide, fungo ou outro fitopatógeno. De modo geral, os pesticidas dividem-se em classes para indicar especificamente o alvo preferencial (tipo de praga) sobre o qual atuam. Os exemplos mais comuns incluem herbicidas, fungicidas, inseticidas, acaricidas e nematicidas.

Dentre os inseticidas, os neonicotinoides alcançaram o mais rápido crescimento no mercado mundial de inseticidas desde a comercialização dos piretroides sintéticos. A descoberta do imidacloprido e sua introdução no mercado, em 1991, deu início à era dos neonicotinoides, os quais se encontram entre os mais utilizados no mundo. Atualmente, estão registrados em mais de 120 países, para mais de 140 cultivos agrícolas, alcançando a incrível fatia de mais de 1/4 do mercado global de inseticidas, isto é, algo em torno de US$ 4,6 bilhões do total de vendas de inseticidas nos últimos anos (Figura 1), e cerca de 80% do mercado de tratamento de sementes (Borsuah et al., 2020 – disponível em: https://doi.org/10.3390/w12123388).

Essa representatividade dos neonicotinoides é atribuída, principalmente, às suas propriedades físico-químicas que os diferenciam de outros inseticidas, permitindo uma ampla diversidade de métodos de aplicação -- por exemplo: pulverização foliar, tratamento de sementes, via gotejamento (drip irrigation), aplicação em solo e caule/hastes (drench). E elevada eficiência de controle (aguda e residual) de sugadores, como percevejos, pulgões, moscas-brancas, cigarrinhas, tripes e cochonilhas, de alguns microlepidópteros (minadores) e coleópteros. Características como fotoestabilidade, absorção, sistematicidade e significativa distribuição translaminar e acropetal em plantas (em alguns casos, nota-se também a basipetal) são cruciais para tal desempenho.

Desde a sua introdução e expansão no mercado, é inegável que muito tem se debatido sobre os impactos desses inseticidas sobre a entomofauna benéfica, em especial aos polinizadores. Fatos estes que têm levado a proibições e solicitações de proibições de uso em diferentes países em todo o mundo. Há uma interessante frase de Wim van Saarloos, presidente da Easac (European Academies Science Advisory Council) (2023-2025), que contextualiza esse fato: “os neonicotinoides compreendem um grupo de inseticidas em que o equilíbrio entre eficácia e impacto ambiental tem sido difícil de se atingir”.

Dito isto, há diferenças entre os neonicotinoides que conhecemos quanto à toxicidade em inimigos naturais de pragas e polinizadores? Para discutir acerca deste questionamento, faz-se necessário entender, mesmo que de forma resumida, alguns aspectos do modo de ação dos neonicotinoides, bem como das diferenças existentes entre os ingredientes ativos quanto à estrutura química e à atuação nos processos bioquímicos dos organismos, os quais são determinantes à expressão da toxicidade diferencial entre um organismo-alvo e outro não alvo.

Propriedades dos neonicotinoides

São inseticidas de ação neuro-muscular, pertencentes ao grupo dos “moduladores competitivos do receptor nicotínico de acetilcolina” (Grupo 4 – Irac; Comitê de Ação à Resistência a Inseticidas). São uma forma sintética da nicotina, que é um inseticida natural, tendo como alvos, dessa forma, os mesmos receptores no sistema nervoso dos insetos.

A acetilcolina é o principal e mais veloz neurotransmissor de excitação nos insetos, ou seja, é responsável pela passagem do impulso de um neurônio a outro ou de um neurônio para a célula muscular, fazendo, assim, com que os movimentos e as reações ocorram no inseto. Os neonicotinoides atuam como potentes agonistas dos receptores nicotínicos de acetilcolina, isto é, imitam a ação da acetilcolina. Uma vez absorvidos pelos insetos, eles ligam-se irreversivelmente aos receptores nicotínicos de acetilcolina e estimulam repetidamente as células nervosas. Porém, ao não serem degradados pela enzima acetilcolinesterase, a qual, sob condição normal, exerce o papel de degradação das moléculas de acetilcolina e interrupção dos sinais nervosos, o inseto é levado à morte por hiperexcitação nervosa.

Dentre os neonicotinoides, seja de primeira, segunda ou terceira geração, basicamente, existem sete inseticidas no mercado, os quais classificam-se, com base no grupo farmacóforo presente em sua estrutura química, em:

(a) N-nitroguanidinas, que incluem imidacloprido, tiametoxam, clotianidina e dinotefuram;

(b) N-cianoamidinas, com acetamiprido e tiacloprido; e

(c) Nitrometilenos, no qual encontra-se o nitempiram.

Basicamente, isso significa que os neonicotinoides contêm um agrupamento de carga negativa “ciano” ou “nitro” (Figura 2) que reage com os receptores nicotínicos de acetilcolina (de carga negativa) do inseto.

A subclasse N-nitroguanidinas é a mais representativa no mercado de inseticidas neonicotinoides, ocupando cerca de 85% da fatia vendida. Sulfoxaflor, uma sulfoxamina (Grupo 4C – Irac), é considerado a quarta geração de neonicotinoides, mas, em razão da presença de algumas diferenças químicas e bioquímicas significativas quando comparado com outros inseticidas que atuam como agonistas dos receptores nicotínicos de acetilcolina, a exemplo dos neonicotinoides (Grupo 4A – Irac), ele não será abordado neste texto.

Embora os neonicotinoides, como grupo de inseticidas químicos, tenham estruturas químicas semelhantes, existem variações significativas em algumas de suas características que influenciam a estabilidade ou degradação fotolítica, degradação no solo, metabolismo em plantas e insetos. São esses aspectos – a serem abordados na sequência – que responderão à indagação inicial feita aqui, pois, sim, os neonicotinoides diferem também quanto à toxicidade para insetos-alvo e não alvo, como inimigos naturais e polinizadores.

E quanto à toxicidade aos insetos benéficos, o que é necessário saber sobre os mais comuns neonicotinoides do mercado?

De acordo com diferentes estudos que determinaram a seletividade e a toxicidade sobre predadores, parasitoides e polinizadores (insetos benéficos), em geral, os neonicotinoides que possuem grupo funcional “ciano” ligado à sua estrutura, como acetamiprido e tiacloprido e seus metabólitos, apresentam maior seletividade para esses insetos benéficos do que os neonicotinoides que possuem grupo funcional “nitro” ligado à sua estrutura, como imidacloprido, tiametoxam, clotianidina, dinotefuram e nitenpiram e seus metabólitos.

Uma demonstração científica da toxicidade diferencial de imidacloprido, tiametoxam e acetamiprido, isto é, o efeito comparativo (letal) desses inseticidas entre pragas e inimigos naturais, está demonstrada na Figura 3 A e B. A toxicidade diferencial é calculada dividindo-se a CL50 do inseticida para o inseto benéfico pela CL50 do inseticida para a praga (CL50= Concentração Letal capaz de matar 50% dos indivíduos), indicando uma relação de eficiência contra praga e menor toxicidade ao inimigo natural. É possível observar que acetamiprido atingiu maior razão de toxicidade diferencial tanto para o parasitoide de larvas da mosca-das-frutas sul-americana quanto para o parasitoide de ovos do percevejo-marrom da soja, portanto, é considerado menos nocivo aos agentes de controle biológico do que imidacloprido e tiametoxam. Menor toxicidade de acetamiprido em relação ao tiametoxam também tem sido registrada em diversos estudos com polinizadores. Aqui, é possível notar um valor de CL50 muito mais baixo para tiametoxam em comparação ao acetamiprido (Figura 3 C), indicando maior toxicidade de tiametoxam para Tetragonisca fiebrigi (Hymenoptera: Apidae: Meliponini), uma espécie de abelha sem ferrão (quanto menor o valor de CL50, mais tóxico é o composto para o organismo em teste).

A diferença quanto à presença dos agrupamentos funcionais, “ciano” ou “nitro”, na estrutura química dos neonicotinoides afeta a forma como esses inseticidas interagem junto aos sítios de ação nos insetos. Conforme evidenciado pelos estudos científicos aqui demonstrados, bem como por diversos outros encontrados na literatura, o agrupamento funcional “nitro” confere elevada afinidade com os receptores nicotínicos de acetilcolina e, portanto, explica sua maior toxicidade sobre insetos benéficos.

Além disso, há outros aspectos relacionados ao metabolismo dos insetos que influenciam na maior toxicidade para os neonicotinoides com grupo funcional “nitro” e consequente menor toxicidade para aqueles com grupo funcional “ciano”. Essa diferença não se deve apenas à afinidade dos neonicotinoides dos grupos “ciano” e “nitro” com os receptores nicotínicos de acetilcolina nos insetos, mas também à maior capacidade das enzimas P450 presentes nos insetos em metabolizar, por exemplo, o acetamiprido e o tiacloprido em compostos menos tóxicos. Enquanto que para imidacloprido e tiametoxam, esse processo de metabolização não ocorre de forma tão eficiente. Enzimas do citocromo P450 agem na detoxificação de diferentes classes de xenobióticos em insetos, como os inseticidas neonicotinoides. Para exemplificar, alguns estudos comprovaram que a tolerância relativa de várias espécies de abelhas (Apidae) aos neonicotinoides “N-cianoamidinas (agrupamento ciano)” se dá pela rápida degradação desses compostos no metabolismo das abelhas por enzimas do citocromo P450, visto que a toxicidade de acetamiprido e tiacloprido foi aumentada para mais de mil vezes quando o estudo de toxicidade foi conduzido na presença de um inibidor da enzima citocromo P450.

Uso racional dos neonicotinoides

É inegável a importância que os inseticidas neonicotinoides têm exercido na proteção das plantas cultivadas e sustentação de seus tetos produtivos, em especial na agricultura tropical, como a brasileira, dada a dinâmica e abundância de insetos e outros artrópodes-praga. Ao mesmo tempo, a conservação da entomofauna benéfica é crucial ao equilíbrio de um agroecossistema, inclusive, é fator preponderante para auxiliar na manutenção da população de insetos e outros artrópodes-praga em posição abaixo de causarem danos econômicos.

Portanto, a utilização dos neonicotinoides na agricultura, devido a tudo que foi exposto aqui quanto à sua toxicidade, deve ser sempre feita com cautela e incorporada em um programa de Manejo Integrado Pragas (MIP), isto é, juntamente e de forma compatível com todas as táticas de controle possíveis, como culturais, biológicas, varietais, comportamentais, dentre outras.

Mesmo que seja difícil de alcançar a seletividade (fisiológica) sobre insetos benéficos por meio do uso de neonicotinoides para o controle de pragas e, assim, preservá-los, é possível traçar algumas estratégias que minimizem o impacto contra esses agentes de controle biológico. Como exemplo, é preciso ressaltar que sua utilização (como para qualquer outro inseticida) deve somente ocorrer quando os níveis de controle das pragas forem atingidos ou ultrapassados mediante constatação por monitoramento, sob dosagem e intervalos recomendados pelo fabricante.

O uso de neonicotinoides, além disso, deve ser planejado, podendo envolver tanto a escolha do ingrediente ativo, visto que existem diferenças entre eles, como destacamos neste texto, quanto a tática de aplicação, de modo que torne

o agroecossistema mais favorável à preservação dos organismos benéficos. Dependendo da tática de aplicação, mesmo um produto nocivo pode “tornar-se” seletivo. Para os neonicotinoides, esse aspecto é altamente factível, haja vista sua ampla diversidade de métodos de aplicação.

O comportamento espacial de muitas pragas, de se concentrarem próximas às bordas de lavouras e pomares, ou de se estabelecerem em reboleiras, pode ser explorado como uma tática de controle localizada, com aplicações de neonicotinoides nessas regiões, ao mesmo tempo que se mantenha refúgios à entomofauna benéfica no restante da área. O próprio tratamento de sementes em substituição ao uso de inseticidas junto à dessecação é também um bom exemplo, já que os produtos controlam as pragas iniciais, preservando os insetos benéficos que não ficam tão expostos aos inseticidas como ocorre nos métodos convencionais de aplicação.

Embora alguns estudos tenham relatado a toxicidade de neonicotinoides sobre algumas espécies de predadores e parasitoides, quando aplicado via tratamento de sementes, o índice de mortalidade desses agentes é muito menor quando comparado com as exposições diretas de aplicações foliares. Ademais, caso o objetivo seja a liberação inundativa de parasitoides ou predadores visando o controle biológico (aplicado) de pragas, ainda será possível planejar uma pulverização de neonicotinoide na área, desde que a liberação dos macrobiológicos respeite a persistência biológica do inseticida, isto é, que seja realizada após o período de tempo que o inseticida deixa de ter efeito nocivo sobre os insetos a serem liberados.

Dessa forma, parece ser possível, em diversas situações, desenvolver estratégias sustentáveis combinando o uso de neonicotinoide na proteção de plantas em agroecossistemas nos quais os insetos benéficos estão presentes, sendo altamente recomendado o emprego de boas práticas agrícolas e diretrizes do MIP.

Por Juliano de Bastos Pazini, André Cirilo de Sousa Almeida (Instituto Federal Goiano); Aline Costa Padilha, Thiago de Araújo Mastrangelo (Centro de Energia Nuclear na Agricultura). Artigo publicado na edição 295 da Revista Cultivar Grandes Culturas.

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