Falha na manutenção de máquinas agrícolas

Por Daniela Herzog, Catize Brandelero, Valmir Werner e José Fernando Schlosser, do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas da Universidade de Santa Maria, e Alexandre Russini, da Universidade Federal do Pampa Campus Itaqui

05.01.2024 | 15:12 (UTC -3)

Ao longo dos anos a manutenção deixou de ser uma atividade com pouca importância e passou a ser considerada indispensável para diversos setores da cadeia econômica. Surgiu como um processo fundamental para o cumprimento dos objetivos econômicos, além do desenvolvimento das empresas e propriedades agrícolas, de modo que, por meio da sua execução eficiente e de qualidade, sejam alcançados maiores índices de produtividade e confiabilidade no trabalho.

Ademais, a manutenção deixou de ser vista como uma atividade marginal, passando a ser observada como um processo voltado principalmente para o lucro, na medida em que preserva os equipamentos, aumenta a sua vida útil, evita paradas desnecessárias ou não programadas, além de proporcionar maior confiabilidade para diferentes máquinas e equipamentos. Uma vez que, a confiabilidade operacional caracteriza-se como a probabilidade de funcionamento satisfatório da máquina durante todo o seu tempo de utilização, sendo calculada como a relação entre o tempo consumido em resolução das falhas, pelo tempo total de utilização.

Desta forma, a manutenção pode ser compreendida como o conjunto de ações necessárias para que um determinado componente seja conservado de modo a permanecer de acordo com a condição para a qual foi projetado. Especificamente, para a agricultura caracteriza-se por técnicas e procedimentos destinados a manter máquinas e implementos em serviço, dentro das suas especificações de projeto, durante o maior tempo possível, buscando o máximo rendimento, a máxima segurança e o menor custo. Portanto, visa a segurança e a eficiência das operações de modo que as atividades sejam desempenhadas com maior rendimento operacional possível e baixo risco ao operador.

Atualmente, muito se discute sobre a importância da gestão voltada para a confiabilidade e mantenabilidade das máquinas e equipamentos. Isto porque, em todos os segmentos industriais ou agrícolas, os períodos de indisponibilidade dos equipamentos afetam diretamente a sua capacidade produtiva. As falhas em equipamentos podem apresentar perdas econômicas e humanas, resultando em comprometimentos significativos na maioria dos casos.

Da indústria para as máquinas e implementos agrícolas

Durante muito tempo a manutenção corretiva foi a que prevaleceu, e ainda hoje, após a evolução das técnicas e métodos, continua a ser a mais utilizada em muitas propriedades rurais. A manutenção corretiva é aquela realizada depois que a máquina quebra, ou seja, ações realizadas para restaurar o item danificado para condições anteriores à ocorrência da falha.

De modo geral, a partir da necessidade de se cumprir prazos, passou-se a planejar a manutenção antes da execução de serviços, prevendo o tempo de sua duração, dando origem a diversos tipos de manutenção caracterizadas segundo a sua função e o modo de ação.

Assim, a manutenção preventiva corresponde às ações executadas através de inspeção sistemática, detecção e medidas necessárias para evitar falhas incipientes, a fim de conservar um componente dentro de condições específicas. Neste caso, são realizadas inspeções periódicas nas máquinas agrícolas, antes que elas sofram uma avaria (falha).

Nesta mesma linha, a manutenção preditiva visa o monitoramento das condições de operação a fim de detectar desgastes que possam preceder futuras falhas. Uma vez que, através do controle dos esforços e desgastes dos componentes, por meio de medições, acompanhamento ou monitoramento periódico de parâmetros, é realizada a substituição ou revisão dos itens em que os valores medidos extrapolam os limites pré-estabelecidos de desgaste (limites tolerados). Baseia-se, principalmente, na análise de vibrações (amplitude e frequência), observação dos períodos de troca de óleos do motor, sistema hidráulico e transmissão, bem como, filtros de óleo, ar e combustível, normalmente indicadas no manual da máquina.

Já a manutenção centrada em confiabilidade, propõe a otimização dos programas de manutenção preventiva e preditiva através da busca pela eficiência dos equipamentos e minimização dos custos de manutenção. É realizada por meio da subdivisão dos sistemas, em conjuntos menores e mais simples, analisando as potenciais causas de falhas em cada um deles. Essas possíveis falhas passam a ser classificadas conforme sua gravidade, elaborando-se planos de tratamento para a minimização de seus efeitos. Assim, tendo em vista a análise de falhas, a manutenção centrada em confiabilidade pode ser aplicada às máquinas agrícolas de dois modos: pela Análise dos Modos e Efeitos de Falha (FMEA) ou pela Árvore de Falhas (FTA).

A FMEA identifica, classifica e documenta a falha, considerando a sua probabilidade de ocorrência e seu impacto sobre o desempenho, através de técnicas de avaliação da confiabilidade, identificando os efeitos nos sistemas e as falhas nos principais componentes. Já a FTA detecta o modo de falha associando-o à causa no subsistema e, consequentemente, no sistema. Utiliza uma técnica de análise de cima para baixo, ficando o evento em análise (evento raiz) na parte mais alta da árvore, com as possíveis causas nos diferentes níveis abaixo.

Outro método existente é a manutenção enxuta, que se trata de uma solução desenvolvida pela indústria japonesa, voltada para a eliminação dos desperdícios e a geração de um fluxo contínuo que busca a criação de valor. Logo, uma vez eliminados os desperdícios, busca-se a redução dos custos de produção. É realizada através da abordagem com foco na participação de todos, incluindo a avaliação da situação atual e possíveis melhorias, matriz de competências e diagrama de causa e efeito.

Por fim, existe a manutenção produtiva total estabelecida para diminuir custos de produção. Tem por objetivo responsabilizar e unir os supervisores, operadores e técnicos da manutenção, a fim de aumentar a eficiência do equipamento, através da utilização da manutenção autônoma, na qual os operadores desenvolvem rotinas de inspeção, lubrificação e limpeza. Ou seja, ela faz a integração entre o homem, a máquina e a empresa, tornando-os responsáveis pela manutenção do equipamento. Baseia-se nos seguintes pilares: melhorias individuais; manutenção autônoma; manutenção planejada; capacitação e treinamento de todos os colaboradores; controle individual de equipamento; manutenção da qualidade; eliminação de desperdícios; segurança e ambiente.

Assim, independentemente do tipo, podemos dizer que a manutenção existe para que não haja manutenção corretiva, uma vez que esta deve ser planejada, prevendo custos, época ideal para sua realização, além de definir os responsáveis pelo serviço (manutenção própria ou realizada por terceiros).

No meio rural, diversas máquinas e implementos são utilizados durante o ciclo produtivo das culturas, o que requer o planejamento da rotina operacional, horária, diária, semanal e mensal, a ser desenvolvida, para que seja possível programar as operações em função do tempo disponível. Desta forma, o planejamento visa programar as atividades agrícolas, organizando as operações de manutenção, escalonamento e descanso dos operadores. Além disso, permite melhorar o aproveitamento dos conjuntos mecanizados, evitar a subutilização ou sobrecarga, otimizar o uso de insumos e mão de obra, bem como, diminuir os custos de produção que podem, em certos casos, comprometer a operação.

Desse modo, o planejamento da manutenção deve ser realizado com base nas estratégias da propriedade agrícola, nas metas estabelecidas e nos planos de ação, transformando, assim, a manutenção em uma função estratégica para alcançar os resultados esperados. Neste contexto, o programa 5S, oriundo da indústria japonesa, surge como opção para ser aplicado nas propriedades agrícolas como uma ferramenta gerencial, que visa manter o local de trabalho organizado, limpo, seguro e produtivo, além de ser uma alternativa para ganhos de produtividade e estabelecimento de práticas contra desperdícios.

O programa 5S visa a mudança cultural e comportamental da empresa ou propriedade rural, através da organização (1º S – Seiri), descartar (2º S – Seiton), limpeza (3º S – Seiso), padronização (4º S – Seiketsu) e disciplina (5º S – Shitsuke), o que auxilia na criação das condições necessárias à implantação da melhoria contínua.

Na agricultura, assim como na indústria, ao mesmo tempo em que se busca a melhoria contínua nos produtos, processos ou serviços, o cenário atual busca a manutenção proativa através do operador mantenedor. Este identifica e evita condições de quebra, falha e degradação de máquinas e implementos, permite intervenções corretivas relacionadas à real causa da falha. Além disso, o envolvimento operacional têm por objetivos reduzir o tempo de retorno da máquina ou implemento ao trabalho e aumentar a eficiência na realização das operações mecanizadas.

Entretanto, para que a aplicação de um programa de manutenção seja bem-sucedido na propriedade se faz necessário o seu controle através de indicadores (produção, qualidade, custo, entrega ou segurança) que sejam de conhecimento de todos os colaboradores e originário de cálculos pré-definidos e de dados incontestáveis. Cabe ressaltar que os indicadores de efeito ou falha na manutenção precisam ser suficientes e possíveis de controlar (fiscalizar), gerando uma análise precisa e eficaz dos métodos utilizados.

Quantificando a manutenção

As principais perdas na manutenção podem ser mensuradas pelo indicador de Eficiência Global de Produção (EGP), o qual é obtido através do produto entre a disponibilidade do equipamento, taxa de desempenho (rendimentos) e taxa de qualidade do equipamento.

Ademais, o controle da manutenção pode ser mensurado através da disponibilidade mecânica, que indica o tempo (horas) em porcentagem, que o equipamento está disponível para a utilização, sem a necessidade de intervenção mecânica, em relação ao tempo total de uso programado.

Uma alternativa para o controle da manutenção se dá através da quantificação do tempo de execução das manutenções e a porcentagem de revisões programadas realizadas dentro do prazo definido, bem como a relação de itens realizados sobre os programados.

Também pode ser realizada a quantificação das manutenções programadas e não programadas em relação ao total de manutenções realizadas, calculadas em horas ou números de eventos.

Logo, é importante ressaltar que o controle da manutenção precisa monitorar o tempo total que a máquina, ou implemento, está consumindo energia (realizando, ou não, um trabalho) e o tempo total em que não está consumindo energia (parado por manutenção, abastecimento/descargas ou em transporte).

Neste sentido, para minimizar problemas decorrentes da falta de manutenção, as propriedades agrícolas devem introduzir, em termos administrativos, o planejamento, a programação e o controle da manutenção, reforçando que um bom plano de manutenção é aquele que é posto em prática.

Passo a passo para o Planejamento, Programação e Controle da Manutenção (PPCM)

1) Estruturar o PPCM

1.1) Definir o sistema;

1.2) Identificar e cadastrar máquinas e os equipamentos;

- Conseguir os manuais de operação e manutenção;

- Identificar e cadastrar fisicamente;

- Cruzar informações com contabilidade e patrimônio;

- Classificar as máquinas e os equipamentos conforme criticidade;

- Definir a árvore de controle do equipamento;

1.3) Cadastrar os colaboradores;

1.4) Elaborar as listas de tarefas;

1.5) Elaborar os planos de manutenção, planos de inspeção e planos de lubrificação;

1.6) Elaborar procedimentos para as tarefas adequadas;

1.7) Definir registro de manutenções preventivas;

1.8) Definir rotina e treinar o planejador;

2) Executar a coleta de informações;

3) Planejar as ordens de serviços;

4) Realizar a programação da manutenção;

5) Avaliar a efetividade do planejamento.

Ainda que o planejamento, programação e controle das manutenções sejam realizados, outro aspecto a ser considerado é o custo para a realização destas. Os custos dizem respeito a tudo aquilo que impacta no caixa da propriedade agrícola, compreendendo mão de obra, ferramentas, peças para reposição/almoxarifado, entre outros. Para critérios de planejamento, controle e mensuração, os custos com máquinas e implementos agrícolas são divididos em custos fixos e custos variáveis. É importante relacionar os custos da manutenção com o capital imobilizado, por unidade produzida ou, ainda, por hora trabalhada.

Considerações finais

A falta de um processo efetivo de manutenção das máquinas e implementos pode incorrer em paradas não programadas, indisponibilidade mecânica e menor capacidade operacional, que refletem na redução da eficiência e, consequentemente, gera atrasos nas atividades definidas em cada período de execução.

Ademais, a implantação de um programa de manutenção na propriedade deve ser vista como investimento, pois auxilia os gestores e responsáveis na tomada de decisões efetivas quanto à otimização e uso das máquinas agrícolas, além de diminuir os riscos de falhas em todas as operações agrícolas, as quais não toleram eventuais atrasos na realização.

Logo, a manutenção corretiva tende a ser substituída pela manutenção preditiva, sucedendo a troca de componentes desgastados, ou danificados, pela troca segundo a vida útil esperada dos componentes, como é o caso de elementos eletrônicos, cada vez mais presentes em máquinas agrícolas. Já se fala em “troca em cego” que é a troca de um componente eletrônico ou eletromecânico, em que não se aprecia qualquer desgaste, mas tem falha esperada, a partir de um número de horas, como sensores, cabos, placas eletrônicas, entre outros.

*Por Daniela Herzog, Catize Brandelero, Valmir Werner e José Fernando Schlosser, do Núcleo de Ensaios de Máquinas Agrícolas da Universidade de Santa Maria, e Alexandre Russini, da Universidade Federal do Pampa Campus Itaqui

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