Nematoides em café

Apesar dos benefícios do consórcio de espécies arbóreas com o cafeeiro, é preciso atenção à reação aos principais nematoides da cultura

10.03.2020 | 20:59 (UTC -3)

Benefícios econômicos, redução da necessidade de mão de obra para o controle de plantas daninhas e diminuição da incidência de cercóspora, Phoma e bicho-mineiro estão entre as vantagens do consórcio de espécies arbóreas com o cafeeiro. Contudo, é preciso estar atento à reação destas plantas aos principais nematoides da cultura para evitar prejuízos à lavoura principal.

Atualmente são conhecidas 17 espécies de Meloidogyne infectando cafeeiro, sendo Meloidogyne incognita, M. exigua e M. paranaensis as mais prejudiciais, devido à ampla disseminação, à elevada capacidade de destruir o sistema radicular, à persistência no solo e à suscetibilidade da maioria das cultivares a esses nematoides, o que dificulta a implantação de novas áreas cultivadas com café e a manutenção de áreas já infestadas. No Paraná, duas espécies, M. incognita e M. paranaensis, constituem-se os piores problemas da cafeicultura. Já para o estado de Minas Gerais, outro importante polo cafeeiro, a principal espécie é M. exigua.

O parasitismo desses nematoides em plantas daninhas que ocorrem no cafezal, bem como em culturas utilizadas em consórcio com o café, é um fator agravante dentro da lavoura, uma vez que tais plantas podem aumentar consideravelmente as populações do nematoide no solo e o prejuízo à cultura principal. Portanto, o conhecimento prévio acerca da reação de plantas que serão cultivadas na área de café é extremamente importante para garantir o sucesso da lavoura e evitar maiores danos ao cafezal.

Em várias regiões produtoras de café, especialmente em pequenas e médias propriedades, é bastante comum o plantio de culturas anuais entre as linhas do cafezal, para o uso mais racional do solo durante a fase de formação da lavoura. Isso permite a subsistência e até a geração de renda adicional para o produtor, com consequente redução dos custos de implantação do cafezal. Entretanto, uma vez que a lavoura esteja formada, o consórcio do café com culturas anuais é impraticável, pelo menos nos espaçamentos atualmente recomendados. Culturas como feijão, abóbora, milho, feijão azuki, hortaliças, adubos verdes etc são frequentemente observadas nas entre linhas da lavoura de café e, sabidamente, muitas são hospedeiras dos nematoides que acometem a cultura, podendo causar um aumento populacional desses patógenos e, consequentemente, incrementar os danos à cultura principal.

A proteção de cafezais contra a geada, especialmente nas regiões Sudeste e Sul do país, através do chamado “túnel de guandu”, também pode trazer conseqüências negativas em relação aos nematoides. Nesse modo de proteção, utiliza-se guandu intercalado com cafeeiros recém-plantados, formando um túnel sobre as plantas, que altera o microclima e estabelece ambiente propício à sobrevivência do cafeeiro, mesmo sob geada. Entretanto, deve-se observar o genótipo de guandu a ser utilizado em áreas infestadas por nematoides, uma vez que vários genótipos já foram relatados como hospedeiros desses parasitas, inclusive de M. incognita, importante para a cafeicultura brasileira.

Além dessa prática, consórcios de café com fruteiras, espécies florestais de alto valor econômico de sua madeira e com seringueira têm sido praticados desde a década de 80. A associação de cafeeiros com outras árvores recebe as denominações de “sistema agroflorestal (SAF)” e “arborização do cafezal”. Lavouras cafeeiras cultivadas em SAF sofrem um sombreamento moderado, o que melhora a sustentabilidade do ambiente e aumenta a estabilidade da produção do cafezal, pela atenuação de condições estressantes, que podem esgotar lavouras a pleno sol, e pelas condições microclimáticas mais apropriadas à produção. O sombreamento do cafezal não é, portanto, o único objetivo esperado quando se cultivam espécies arbóreas associadas ao café. A diversificação da produção também é destaque nesse sistema.

Além da renda extra, oriunda do cultivo de árvores associadas ao café, outros benefícios podem advir, como a redução da necessidade de mão de obra para o controle de plantas daninhas, a melhoria ou manutenção da fertilidade do solo, a redução na velocidade dos ventos, a manutenção da umidade relativa do ar e o tamponamento da oferta hídrica do solo, além da redução da incidência de cercóspora, Phoma e bicho-mineiro.

Apesar dos benefícios apresentados, o cultivo do cafeeiro em associação com arbóreas, ou em SAF, é ainda controverso, uma vez que a diversificação dificulta a mecanização da lavoura cafeeira, especialmente em grandes áreas. Entretanto, para pequenos produtores, a consorciação apresenta estratégia econômica associada à maior produção por área, maior retorno de mão de obra e maior segurança em períodos de baixo preço do café. Além disso, a derrubada das árvores para colheita da madeira pode ocasionar danos físicos à lavoura. Apesar dos danos, os custos com reparos da lavoura são baixos e podem ser facilmente compensados pelo ganho adicional com a venda da madeira obtida.

Além dos pontos negativos apresentados, a escolha da espécie arbórea a ser cultivada associada ao café deve ainda ser criteriosa e levar em consideração vários fatores, entre eles as doenças, que podem ocorrer concomitantemente em ambas as lavouras. Entre as doenças, destacam-se os nematoides, que são um dos principais problemas da cultura cafeeira. Por exemplo, a arbórea Inga spp., utilizada para sombreamento de cafezais, pode ser hospedeira alternativa para nematoides parasitas do cafeeiro.

Apesar de os SAFs permitirem a manutenção de altos níveis de matéria orgânica no solo, o que poderia auxiliar estabilizando as populações dos nematoides presentes na área de maneira a mantê-las abaixo do nível crítico para a cultura do café, a escolha equivocada da espécie a ser empregada para o sombreamento poderia resultar em efeito contrário, com aumento considerável dos níveis populacionais desses patógenos.

Tephrosia sp. é uma planta pertencente à família das leguminosas, originária do oeste da África, onde é cultivada como adubo verde em seringais e plantios de dendê e como árvore para sombreamento em diversas culturas, além de poder ser adotada como quebra-vento e com fins ornamentais. No Brasil, Tephrosia sp. é erroneamente conhecida por “sacha”, sendo comumente utilizada na entre linha de lavouras de café, em função da grande quantidade de matéria seca produzida e pela fixação de nitrogênio.

Entretanto, Tephrosia sp. pode hospedar pragas e doenças comuns à cultura principal, aumentando os prejuízos à lavoura. Entre as doenças, destacam-se os fitonematoides. Recentemente, M. javanica foi detectado parasitando raízes de T. vogelii no Paraná, em lavouras de café. Além disso, T. vogelii foi descrito como novo hospedeiro de M. incognita no Maranhão. Outras espécies de Tephrosia já foram assinaladas como hospedeiras de Meloidogyne no Brasil. T. cândida foi encontrada parasitada por M. javanica no Ceará e, posteriormente, observou-se o parasitismo de M. incognita na mesma espécie no Pará; também foi relatada T. cinerea como hospedeira de M. hapla no Ceará.

Em relação às espécies de nematoides importantes para a cafeicultura, foi estudada a reação de Tephrosia sp. a M. incognita, M. exigua e M. paranaensis em condições de casa de vegetação, no Iapar, em Londrina, Paraná. Mudas de Tephrosia sp. com 30 dias após a semeadura foram inoculadas separadamente com cada uma das espécies de nematoides e, após 60 dias, avaliadas. Os resultados mostraram que todas as espécies de nematoides de galhas avaliadas foram eficientes em parasitar Tephrosia sp., com elevada multiplicação dos nematoides. Tais resultados mostram que a utilização de Tephrosia sp. na entrelinha de cafeeiros como adubo verde, em áreas infestadas, pode ser desastrosa para a lavoura, uma vez que a planta pode aumentar consideravelmente os níveis populacionais dos nematoides no solo, trazendo prejuízos à lavoura principal.

Além dessa espécie, outras arbóreas utilizadas em consorciação com o café têm sido investigadas quanto à reação a nematoides. Em levantamento nematológico efetuado em áreas de café consorciado com as arbóreas Croton floribundus (“capixingui”), Heliocarpus popayanensis (“jangada”), Mimosa floculosa (“bracatinga de Campo Mourão”) e Mimosa scabrella (“bracatinga”) em Londrina, PR, observou-se a presença de galhas radiculares abundantes nas espécies citadas, embora sem sintomas evidentes na parte aérea. As amostras de raízes foram coletadas e levadas ao Laboratório de Nematologia do Iapar. Os resultados obtidos no laboratório mostraram que, para H. popayanensis, Croton floribundus, Mimosa floculosa e M. scabrella, a espécie identificada foi M. incognita, um dos principais nematoides de lavouras cafeeiras.

Outras arbóreas que sabidamente conseguem multiplicar algumas espécies de nematoides incluem, ainda, Corymbia citriodora (sin. Eucalyptus citriodora) (suscetível a M. incognita); teca (Tectona grandis) (suscetível a M. javanica); orelha-de-negro, timburi ou timboúva (Enterolobium contotisiliqum) (suscetível a M. incognita e Pratylenchus brachyurus); ipê-roxo (Tabebuia avallanedae) (suscetível a M. incognita); copaíba (Copaifera langsdorffii) (suscetível a M. incognita); pau-brasil (Caesalpinia echinata) (suscetível a M. javanica e M. arenaria); entre outras.

Portanto, o conhecimento acerca da reação de espécies arbóreas a serem cultivadas em consórcio com cafeeiros aos principais nematoides da cultura é de suma importância, uma vez que tais plantas podem aumentar consideravelmente a população desses organismos no solo, trazendo maiores prejuízos à lavoura principal.

Figura 1 - Sintomas causados por nematoides em raízes de café. A) Meloidogyne paranaensis. B) Meloidogyne exigua. Fotos: Santino Aleandro da Silva
Figura 1 - Sintomas causados por nematoides em raízes de café. A) Meloidogyne paranaensis. B) Meloidogyne exigua. Fotos: Santino Aleandro da Silva
Figura 2 - Consorciação de plantas de café com feijoeiro em lavoura comercial no município de São Jorge do Patrocínio, PR. Foto: Andressa C. Z. Machado
Figura 2 - Consorciação de plantas de café com feijoeiro em lavoura comercial no município de São Jorge do Patrocínio, PR. Foto: Andressa C. Z. Machado
Figura 3 - Consorciação de plantas de café com Tephrosia sp. em lavoura comercial no município de Grandes Rios, PR. Foto: Andressa C. Z. Machado
Figura 3 - Consorciação de plantas de café com Tephrosia sp. em lavoura comercial no município de Grandes Rios, PR. Foto: Andressa C. Z. Machado
Figura 4 - Sintomas causados por Meloidogyne sp. em raízes de Tephrosia sp. Foto: Santino Aleandro da Silva
Figura 4 - Sintomas causados por Meloidogyne sp. em raízes de Tephrosia sp. Foto: Santino Aleandro da Silva
Figura 5 - Lavoura de café consorciada com espécies arbóreas no Iapar, município de Londrina, PR. Foto: Santino Aleandro da Silva
Figura 5 - Lavoura de café consorciada com espécies arbóreas no Iapar, município de Londrina, PR. Foto: Santino Aleandro da Silva
Figura 6 - Lavoura de café consorciada com espécies arbóreas no Iapar, município de Londrina, PR. Foto: Santino Aleandro da Silva
Figura 6 - Lavoura de café consorciada com espécies arbóreas no Iapar, município de Londrina, PR. Foto: Santino Aleandro da Silva


Andressa C. Z. Machado, Iapar; Daniela S. Matunaga, Unifil; Santino Aleandro da Silva, Iapar


Artigo publicado na edição 197 da Cultivar Grandes Culturas. 

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