Por Marcelo Gripa Madalosso e Leonardo Gollo, Madalosso Pesquisas
19.08.2024 | 15:58 (UTC -3)
O manejo de doenças na cultura da soja tem atingido níveis de complexidade que demandam ações combinadas durante todo o ano. Como a monocultura de soja é atividade permanente, a pressão de doenças necrotróficas tem sido cada vez mais elevada, visto a vasta oportunidade desses patógenos sobreviverem em condições de “solo / palhada”. Outro adicional são as doenças biotróficas como ferrugem e oídio, que também têm exigido um conhecimento ampliado dos agrônomos, técnicos e produtores. Neste caso, elas têm encontrado grande disponibilidade de sobrevivência, mesmo na entressafra, através da hospedagem em soja espontânea ou guaxa.
A soja espontânea ou guaxa é fruto da germinação e emergência de sementes oriundas da perda na colheita ou, até, no transporte pelas rodovias e ferrovias. Após a safra de verão, essas plantas se estabelecem em áreas de pousio, pastagem ou até em lavouras de inverno que não executam o correto manejo de plantas daninhas. Dessa forma, a soja passa a ser uma hospedeira preferencial de doenças e também de insetos na entressafra.
Qualquer pessoa que observa essas plantas de soja guaxa, consegue identificar problemas como ferrugem asiática (Phakopsora pachyrhizi), oídio (Microsphaera difusa), septoriose (Septoria glycines) e cercosporiose (Cercospora spp.), além de mosca-das-hastes (Melanagromyza sojae).
Os danos dessas doenças na safra normal podem atingir magnitudes preocupantes. No caso das necrotróficas, severidades elevadas de septoriose ou cercposporiose podem comprometer mais de 30% cada uma, no rendimento final (Guimarães, 2008; Godoy et al., 2016). Já para as biotróficas, as perdas de produtividade podem chegar até 90% para ferrugem (Godoy et al., 2020), e a 35% por oídio (Godoy et al., 2021).
Com todas essas condições disponíveis para a hospedagem desses patógenos e insetos, o período da entressafra, que deveria estar ausente de soja para reduzir a viabilidade destes indivíduos, passa se tornar um campo fértil para permanência e multiplicação dos mesmos. Assim, o início da safra de soja seguinte, que deveria ter baixa disponibilidade de inoculo de doenças, passa a ser alvejada por um grande pressão de patógenos, visto sua permanência na entressafra em condições adequadas e sem controle.
A presença de doença instalada na lavoura já nos primeiros estádios da soja, irá sobrecarregar a capacidade de eficácia de controle satisfatória de qualquer fungicida. Com isso, a necessidade de maior número e quantidade de aplicações será necessária, não relacionado ao sucesso do controle. Esse fato terá relação direta com as perdas de produtividade, maior deposição de produtos no ambiente, baixa eficácia de controle e maiores gastos financeiros de parte do produtor, reduzindo sua rentabilidade.
Outro fator intimamente ligado a isso é a capacidade dos patógenos em superar os controles através da seleção direcional de indivíduos resistentes, por meio do uso de fungicida. Neste ponto, os indivíduos da Phakopsora pachyrhizi (ferrugem da soja) possuem grandes habilidades para não serem mortos pelos controles químicos, através diversas estratégias. Neste caso, estamos colocando toda responsabilidade de controle dessa doença nos fungicidas químicos e não é surpresa que as eficácias vem caindo a cada safra. Assim, é fundamental que sejam observado estratégias integradas de manejo para que o controle químico não seja sobrecarregado e sim um parceiro.
Diante desses fatos, esforços de diversas instituições públicas e privadas tem sido somados para desenvolver estratégias para mitigar esses desgastes. Além das recomendações de uso correto de fungicidas, duas táticas tem sido importantes como o vazio sanitário e o calendário de semeadura. Este último veio através da Portaria SDA/Mapa nº 840, que foi modificada pela nº 886, que visa concentrar a semeadura de soja em um período restrito, para tentar diminuir a exposição das plantas em condições possivelmente mais favoráveis a infecção pelo patógeno.
Por outro lado, tecnicamente é mais importante que o calendário de semeadura de soja o uso e respeito ao vazio sanitário. A Portaria nº 306 explica sobre o período definido e contínuo, de pelo menos 90 dias, em que não se pode semear nem manter plantas vivas de soja no campo. Nesse período plantas voluntárias devem ser eliminadas. O objetivo é reduzir a população do fungo no ambiente na entressafra e assim atrasar a ocorrência da doença na safra (Embrapa, 2022).
No entanto, estes mesmos estados do sul do país não têm feito o devido serviço de casa para a redução de soja guaxa em suas lavouras, com situações preocupantes (Figura 10). Muitos produtores têm confiado no possível efeito da geada para controle dessas plantas, porém esse efeito é cada vez menos confiável.
Desta forma, os agrônomos, técnicos e produtores precisam direcionar o olhar para a entressafra como forma de reduzir os gastos com controles químicos ou biológicos durante a safra, visto a capacidade de doenças e pragas sobreviverem na ponte verde. O controle de doenças na safra corrente de soja tem relação direta com o que ocorre na entressafra. Para o produtor gastar menos com fungicidas e evitar o dano de doenças, é fundamental o manejo do ano todo.
Por Marcelo Gripa Madalosso e Leonardo Gollo, Madalosso Pesquisas
Artigo publicado na edição 293 da Revista Cultivar Grandes Culturas
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