A evolução da agricultura do Brasil
Por Fernando Mendes Lamas, pesquisador da Embrapa Agropecuária Oeste
No estado de Mato Grosso, dois sistemas de produção agrícola têm maior representatividade: soja-milho e soja-algodão. Ambos com particularidades quanto a planejamento, nível tecnológico, input de insumos agrícolas e desafios fitossanitários. É necessário entender quais são essas particularidades de cada sistema para tomar a melhor decisão quanto aos temas acima descritos, pois no caso de soja-algodão, por exemplo, algumas doenças podem ocorrer nas duas culturas, o que possibilita o aumento da quantidade da doença nas plantas e inóculo do patógeno constante no sistema.
Este artigo destaca as principais doenças ocorridas na cultura da soja na safra 2021/2022 nas regiões do Cerrado e também os resultados de ensaios de campo com o uso de fungicidas, entre outras importantes estratégias de manejo que são utilizadas na prática para um eficiente controle das doenças.
As condições de clima tropical do Estado favorecem o desenvolvimento da maioria das doenças incidentes na cultura da soja. Médias de temperaturas variando entre 25°C e 30°C e umidade relativa do ar acima de 70% são comuns durante o período da safra, condições que são favoráveis ao desenvolvimento do patógeno e à evolução da doença no campo. Nesse aspecto, a combinação entre patógeno virulento, ambiente favorável e cultivar sensível resulta em doença, tendo sua intensidade dependente dos níveis de interação dos fatores acima citados.
Em condições naturais de cultivo, diversos fatores bióticos podem dificultar a expressão do potencial produtivo das cultivares de soja, expondo-as a inúmeras condições de estresse. A incidência de doenças de origem biótica pode ser responsável por severos danos à produção de grãos, acarretando consideráveis perdas econômicas ao produtor, decorrentes do aumento do custo de produção e da redução da produtividade de grãos e, ainda, impactando a qualidade do grão final.
A Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT) desenvolve pesquisas aplicadas nas principais culturas agrícolas e nas principais regiões produto- ras de Mato Grosso, entre elas a cultura da soja. As estações de pesquisa estão em locais estratégicos do Estado, como Sapezal, Sorriso, Nova Mutum, Pedra Preta, Primavera do Leste, Campo Verde e Itiquira. Tal capilaridade é crucial para estudar o comportamento das epidemias nessas regiões.
As principais doenças bióticas são: a) mancha-alvo (Corynespora cassiicola), doenças de final de ciclo [crestamento foliar de cercospora (Cercospora spp.) e mancha parda (Septoria glycines)] e ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi).
Para o manejo das doenças da soja, os desafios da safra são grandes, complexos e, muitas vezes, imprevisíveis. Para lidar com esse cenário, existem diversas ferramentas disponíveis que integradas fazem parte do manejo das doenças da soja. As mais frequentemente utilizadas são o escape de semeadura, o vazio sanitário, a cultivar resistente/tolerante, o ciclo de maturação, os agentes de controle biológico, o controle químico com fungicidas de sítio-específico e multissítios, os indutores de resistência das plantas, a rotação de culturas, dentre outros.
A mancha-alvo da cultura da soja, causada pelo fungo Corynespora cassiicola, tem despertado preocupação de produtores, agrônomos e pesquisadores do agronegócio. A doença tem ocorrido cada vez mais cedo no ciclo da soja, e com incrementos na intensidade de doença nas plantas. A doença possui distribuição generalizada nas áreas produtoras de soja, principalmente aquelas com clima quente e úmido durante a safra.
O inóculo inicial do patógeno origina-se de natureza variada. Por ser necrotrófico, o fungo sobrevive em restos culturais infectados durante o período de entressafra ou pode ser introduzido via sementes infectadas, importante meio de dispersão do patógeno. Estando na área desde o início do ciclo, o patógeno pode infectar a soja assim que as condições de umidade e temperatura o favorecerem, podendo levar à infecção precoce da soja. Dependendo da sensibilidade da cultivar, a doença pode se desenvolver rapidamente, produzindo inóculo para novas infecções ou acelerando a desfolha das plantas precocemente.
Os sintomas da mancha-alvo são caracterizados por lesões necróticas circulares, geralmente apresentando halo clorótico ao redor da lesão e um ponto escurecido no centro do tecido necrosado. Como característica marcante, à medida que a lesão aumenta de tamanho, formam-se camadas circulares no seu centro, dando-a aspecto de “alvo” (Figura 1). No campo, pode gerar dúvidas de diagnose com a mancha de mirotécio, no entanto, diferencia-se desta pela ausência de estruturas do patógeno no centro da lesão, denominados de esporodóquios.
As doenças de final de ciclo (DFC) englobam um complexo de patógenos caracterizados por causarem doença mais no final do ciclo da soja. As DFC são caracterizadas por duas doenças, o crestamento foliar de cercospora e a mancha parda, causadas pelos fungos Cercospora spp. e Septoria glycines, respectivamente. Ambos os patógenos são favorecidos por clima quente e úmido, comum em temperaturas médias em torno de 25°C e umidade acima de 70%, podendo infectar e causar doenças em diferentes estádios fenológicos e partes da soja. Pela natureza necrotrófica, podem sobreviver em restos culturais infectados no período de entressafra da soja.
Os sintomas do crestamento foliar de cercospora aparecem inicialmente nas folhas como pontuações de coloração escura, que evoluem para lesões bronzeadas de coloração vermelho-arroxeada (Figura 2), resultado da produção da toxina cercosporina, que leva à morte celular das folhas. Além do alto potencial de causar desfolha nas plantas, o fungo Cercospora spp. pode infectar sementes, causando a doença conhecida popularmente por “mancha púrpura" da soja. Por esse motivo, a semente é considerada um excelente veículo de dispersão do patógeno.
A mancha parda pode ter incidência ainda nos estádios iniciais das plantas de soja, dependendo da cultivar e das condições meteorológicas. A doença geral- mente se inicia nas folhas do baixeiro das plantas, caracterizada por pontuações pardas, com centro angular, delimitado pelas nervuras secundárias da folha (Figura 3). É comum apresentar clorose ao redor das lesões, e essas podem coalescer e cobrir parte do tecido foliar, causando desfolha precoce das plantas. No campo, será comum encontrar folhas com lesões de múltiplas doenças desenvolvendo junto, como mancha-alvo, mancha parda e crestamento foliar de cercospora.
Diferentemente dos patógenos que vimos até o momento, a ferrugem-asiática da soja é causada pelo fungo biotrófico Phakopsora pachyrhizi, ou seja, precisa da planta viva para se desenvolver no ambiente, não sendo reportada até o momento sua sobrevivência em restos culturais infectados de soja.
No passado, a doença foi um sério problema para o cultivo da soja, visto que as condições climáticas de alta umidade (>70%) e temperatura média em torno de 25°C favorecem o desenvolvimento do patógeno e a evolução da doença.
Atualmente, com o uso de cultivares resistentes/tolerantes, o plantio no início da janela de semeadura e a aplicação de fungicidas, os primeiros sintomas geralmente são verificados mais no final do ciclo da cultura, não causando grandes danos na produtividade de grãos e/ou perdas econômicas.
Os primeiros sintomas geralmente são verificados nas folhas do terço inferior da planta, onde as condições de microclima favorecem o patógeno. Na superfície da folha a infecção resulta em manchas castanhas a marrom-escuras com halo clorótico. Na face inferior, ocorre a formação de pequenas saliências no tecido foliar, estruturas essas denominadas de urédias/pústulas, onde são produzidos os uredósporos/esporos do fungo (Figura 4). É uma doença policíclica com alto potencial de causar danos nas plantas, ou seja, o fungo completa vários ciclos em um único ciclo da soja.
Alguns sistemas de produção agrícola geralmente são mais intensificados, portanto, é comum haver diferenças na exposição de populações dos patógenos aos métodos de controle das doenças utilizados com frequência. O manejo integrado das doenças tem fundamental importância nesse cenário. Trata-se da adoção de diferentes estratégias de controle das doenças, dentro dos métodos cultural, genético, químico, biológico, indutor de resistência, dentre outros. A semeadura da soja logo no início da janela de plantio é uma importante estratégia de escape de doenças comumente incidentes no final do ciclo da soja, a exemplo da ferrugem-asiática. O uso de cultivar de ciclo curto também favorece essa tática de controle, além de permitir uma janela de semeadura mais segura na safrinha. A ideia principal é reduzir o tempo de exposição da cultura no campo a fatores de estresse biótico e abiótico. O histórico de ocorrência de doenças da região ou propriedade auxilia na escolha da cultivar, insumo genético importantíssimo para a obtenção de altas produtividades. Existe disponível uma gama de cultivares de soja com variados níveis de sensibilidade às doenças de plantas. Portanto, é importante selecionar uma que tenha teto produtivo, mas também que seja menos sensível às doenças incidentes na região.
O controle biológico de doenças de plantas tem se tornado cada vez mais frequente e presente nos programas de manejo do produtor. Trata-se da utilização de micro-organismos benéficos, representados por bactérias, fungos ou vírus, para combater outros micro-organismos que causam doenças na cultura. Como a ideia principal é trabalhar a integração de estratégia de manejo, o uso do controle biológico junto aos fungicidas químicos tem apresentado resultados promissores no controle das doenças de plantas.
Ao utilizar os produtos biológicos, é importante ficar atento às recomendações técnicas de armazenamento e aplicação desses produtos. Para a efetividade do manejo integrado "biológico x fungicidas químicos", sempre verificar as tabelas de compatibilidade do produto biológico com os fungicidas químicos, e assim evitar perda de efetividade no controle.
O controle químico com fungicidas é uma das principais estratégias de controle das doenças de plantas. Os principais fungicidas de sítio-específicos aplicados pertencem aos grupos químicos de estrobilurinas, triazóis, carboxamidas, morfolinas e benzimidazóis. Entre os multissítios, têm-se os grupos ditiocarbamato, isoftalonitrila e inorgânicos.
Os fungicidas apresentam variação na performance de controle para determinadas doenças e em razão do posicionamento desses nos programas de fungicidas. Objetivando entender as diferenças no controle de doenças da soja, em função do posicionamento de fungicidas sítio-específicos e da adição de multissítios, foram conduzidos dois ensaios nos Centro de Aprendizagem e Difusão (CAD) da Fundação MT, um na região Norte (Sorriso) e outro no Sul (Campo Verde) do estado de Mato Grosso.
Em Campo Verde, a semeadura da cultivar M8210 IPRO foi realizada no dia 16/11/2021, tendo foco nas avaliações de ferrugem-asiática e DFC. Em Sorriso, a semeadura foi realizada no dia 30/10/2021, utilizando a cultivar HO Maracaí IPRO, material posicionado com foco na avaliação da mancha-alvo e DFC.
Os experimentos foram conduzidos em delineamento de blocos casualizados, contendo 11 tratamentos e quatro repetições, conforme descrito na Tabela 1. As parcelas experimentais foram constituídas de seis linhas de 6m de comprimento com espaçamento de 0,45m entre linhas. A área útil de cada parcela foi composta por três linhas centrais de 5m de comprimento. Foi realizado um manejo de fungicida com três aplicações e intervalos de 14 dias entre cada aplicação. A aplicação dos tratamentos foi realizada utilizando equipamento de pulverização costal pressurizado com CO2, com volume de calda ajustado para 120L/ha. A avaliação das doenças foi realizada antes de cada aplicação de fungicidas, depois com intervalos de sete dias. Com os dados de severidade, foi calculada a área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD). Foi determinada a eficácia de controle dos tratamentos em relação à testemunha absoluta (sem aplicação de fungicidas).
Os resultados dos ensaios apontaram variação na expressão de doenças nas duas regiões. Em Campo Verde, houve incidência de mancha-alvo e ferrugem-asiática, sendo a última a mais importante. No ensaio conduzido em Sorriso, a mancha-alvo foi a doença de maior impacto, apesar de ser observada também a ocorrência das DFCs. Considerando tal variação na pressão de doenças, o posicionamento dos fungicidas também variou no controle, assim como a adição dos multissítios.
Ficou evidente que para o controle da mancha-alvo, regiões Norte e Sul do MT (Gráfico 1 B e D), a aplicação do fungicida com protioconazol + mancozeb na primeira aplicação, realizada no pré-fechamento das entre linhas (40 DAE) da soja, resultou em maior controle da doença, e em função da maior proteção das folhas do baixeiro da planta. Mesmo sendo o melhor tratamento, a eficácia de controle variou no comparativo entre as duas regiões, possivelmente devido à quantidade de doença e à exposição da população do patógeno aos fungicidas.
A adição dos multissítios clorotalonil e mancozeb demonstrou significativa importância no controle das doenças (Gráfico 1 A e C). Os dois multissítios testados (clorotalonil e mancozeb) foram eficientes no controle de ferrugem-asiática, mancha-alvo e DFC. Apesar de ambos serem eficazes, para a maioria dos ensaios conduzidos a campo nas safras 2020/21 e 2021/2022 os multissítios à base de clorotalonil se destacaram no controle das DFC e de ferrugem-asiática da soja, enquanto o mancozeb se destacou no controle de mancha-alvo. Isso reforça a importância da utilização dos diferentes multissítios no manejo, sabendo que várias doenças acometem a cultura na mesma safra.
As doenças bióticas podem causar sérios danos à cultura da soja, levando a perdas econômicas. No entanto, a aplicação de fungicidas de forma assertiva, ou seja, optando pelo fungicida mais indicado para o controle da doença e este aplicado no momento correto, leva a incrementos de produtividade de ± 24%. Vale ressaltar que essa margem de incremento da produção é variável conforme a região, as condições meteorológicas da safra, o teto produtivo da cultivar, as estratégias de manejo, o aporte tecnológico e os insumos agrícolas utilizados no sistema de produção.
Safra após safra o produtor enfrenta desafios no controle das doenças da soja. A Fundação MT dedica seus esforços para realizar pesquisas aplicadas nas principais regiões produtoras do Mato Grosso, visando entender os problemas para trazer soluções técnicas eficientes ao produtor. É de comum acordo entre o time de pesquisadores do setor de Fitopatologia e Biológicos, que o manejo integrado das doenças é uma importante estratégia visando o controle das doenças da soja. Portanto, a semeadura dentro da melhor janela recomendada para a região, optando por cultivares menos sensíveis às principais doenças, já é um começo de safra com bons indicativos de sucesso.
No que diz respeito à proteção da lavoura, é importante a integração das diferentes táticas de controle disponíveis, como os produtos indutores de resistência das plantas contra os patógenos. O controle biológico é uma opção que tem demonstrado resultados promissores de controle das doenças da soja, podendo este ser integrado com a aplicação de fungicidas químicos, de sítio-específico e multissítios. Seguindo essa lógica de manejo, espera-se obter maior rentabilidade do sistema de cultivo, com maior controle das doenças das plantas e incrementos de produtividade de grãos da soja.
Por João Paulo Ascari Karla Kudlawiec e Mônica Müller, Fundação MT
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