Efeitos da temperatura em herbicidas

Estádio das plantas para aplicação e efeitos da temperatura podem reduzir a eficácia dos herbicidas e causar maior injúria em determinadas culturas

24.01.2023 | 16:04 (UTC -3)

Controlar adequadamente as plantas daninhas é um grande desafio para técnicos e agricultores que buscam otimizar o manejo e evitar prejuízos. Em diversas áreas, a ocorrência de falhas no controle quase sempre levanta a suspeita de resistência. Mas alguns detalhes simples como estádio das plantas para aplicação e efeitos da temperatura não podem ser desprezados, pois podem reduzir a eficácia dos herbicidas e causar maior injúria em determinadas culturas.

A presença de plantas daninhas em diversas áreas de cultivo aliado a elevada capacidade de dano que podem causar sobre uma cultura deve ser vista com grande atenção. Diversos estudos reportam que as perdas na produtividade podem chegar a 100% dependendo da densidade populacional e da espécie infestante. Além disso, os efeitos da interferência das plantas daninhas podem ser considerados irreversíveis ao desenvolvimento, causando redução da produtividade mesmo após sua retirada. O bom manejo de plantas daninhas na dessecação e nos estádios iniciais de desenvolvimento das culturas são essenciais para garantir elevadas produtividades. Outra janela importante para manejo de plantas daninhas ocorre durante a entressafra de verão-inverno, onde a assistência técnica juntamente com os produtores deve olhar com atenção as principais plantas infestantes a fim de evitar a proliferação e dispersão, para manter a área limpa nos cultivos subsequentes.

Na região do Sul do Brasil, o período de entressafra de verão-inverno para manejo outonal de plantas daninhas é caracterizado por diversas mudanças ambientais como a redução da radiação solar incidente (menos horas de luz durante o dia) e maiores amplitudes térmicas diárias, especialmente durante os meses de abril a agosto onde é frequente a ocorrência de dias nublados e com temperaturas inferiores a 10oC, ou até mesmo a ocorrência de geadas.

Os efeitos da temperatura sobre a eficácia dos herbicidas dependem da molécula herbicida e da espécie, porém, tendem a afetar a absorção, translocação e degradação metabólica dos herbicidas. Em baixas temperaturas (inferiores a 15oC) e baixa radiação solar, o aparato fotossintético é menos estimulado a realizar os processos da fotossíntese acarretando em redução do fluxo transpiratório (estômatos fechados por mais tempo) e da fotossíntese (menor produção de carboidratos) além de afetar os demais processos fisiológicos. A baixa temperatura acarreta en menor translocação de água e solutos, o que afeta diretamente na absorção e translocação dos herbicidas. Resultados reportam que a eficácia do herbicida clethodim para controle de azevém é maior para pulverizações realizadas em temperaturas superiores a 20oC. Outro fator importante que deve ser observado, refere-se as modificações na composição e espessura da cutícula em decorrência de baixas temperaturas. Sob estas condições, a composição de lipídeos que formam a cutícula é alterada, afetando sua fluidez, e consequentemente a porcentagem de herbicida interceptada que será absorvida pela superfície foliar (Figura 1).

Figura 1: Interação planta-herbicida (A) e barreiras do tecido foliar que afetam a absorção e translocação (B). Adaptado de Taiz e Zeiger, (2013).
Figura 1: Interação planta-herbicida (A) e barreiras do tecido foliar que afetam a absorção e translocação (B). Adaptado de Taiz e Zeiger, (2013).

Com base nas informações de literatura, baixas temperaturas afetam:

- a difusão através da cutícula e da membrana celular;

- a espessura, composição química e viscosidade da cutícula;

- a abertura estomática (diminui) podendo afetar a absorção;

- a taxa de metabolismo, principalmente com açucares e aminoácidos, devido a redução da fotossíntese.

As interações e barreiras que afetam o herbicida após sua pulverização até atingir o local alvo de ação dependem da temperatura devido seu envolvimento em diversos processos, podendo resultar em menor controle e causar aumento de fitotoxicidade a cultura (Figura 2).

Figura 2: Sequência de etapas para ação dos herbicidas em plantas. Adaptado de Dèyle et al., (2013).
Figura 2: Sequência de etapas para ação dos herbicidas em plantas. Adaptado de Dèyle et al., (2013).

Cabe ressaltar ainda, que a aplicação de herbicidas sob condições inadequadas contribui para a ocorrência de falhas de controle mesmo em populações suscetíveis e, especialmente, quando os herbicidas são aplicados em faixas de temperatura não favoráveis e em plantas com estádio de desenvolvimento avançado. Além disso, a eficácia e a seletividade de determinados herbicidas podem variar em função das características físico-químicas de cada molécula e, tende a ser ótima para uma determinada faixa de temperatura.

Na literatura são reportados que a faixa ideal para pulverização da maioria das moléculas herbicidas varia de 20ºC a 30ºC devido ao favorecimento da absorção e da sua fluidez nas membranas. Ao comparar a faixa de temperatura ideal e a taxa de fotossíntese, nota-se que os valores estão em escala muito próxima, visto que a atividade da enzima Rubisco (Ribulose 1,5 bifosfato carboxilase oxigenase), responsável pela fixação de carbono na planta, é ótima para temperaturas na faixa de 20ºC a 32ºC favorecendo, dessa forma, absorção, translocação e metabolismo na planta.

A redução na taxa de crescimento e a menor fluidez da membrana podem dificultar a absorção e translocação, resultando em controle mais lento e reduzido de plantas daninhas. Para os herbicidas inibidores da enzima 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase (EPSPs) como o glifosato, a absorção e translocação da molécula em gramíneas pode ser duas vezes maior em aplicações realizadas com temperaturas próximas a 28ºC quando comparadas as pulverizações a 17ºC, indicando elevado potencial em causar injúria. Para buva resistente ao glifosato, o controle sob baixas temperaturas (8ºC-10°C) é maior comparado a aplicação realizada em temperatura superior a 20ºC-30°C, podendo reverter a resistência ao herbicida desde que observado o estádio da planta e dose. As razões para maior suscetibilidade são a menor compartimentalização do herbicida no vacúolo em resposta ao frio e maior oferta do herbicida em permanecer no citosol e causar a morte da planta.

Para herbicidas inibidores da protoporfirinogênio oxidase (PPO), a eficácia no controle também é favorecida com o aumento de temperatura. O resultado no controle de Ipomea sp. (corda-de-viola ou corriola) e Amaranthus retroflexus (caruru-gigante) foi duas vezes maior para aplicações realizadas com temperaturas próximas a 26ºC comparadas com pulverizações a 18ºC. De maneira similar, ocorre com os herbicidas inibidores da acetolactato sintase (ALS) onde o controle de Lolium perene (azevém) com o herbicida flucarbazone-sódico foi menor para temperaturas entre 10ºC e 20ºC comparados aos efeitos observados na temperatura de 30ºC. Em outro exemplo, avaliando o efeito da interação entre herbicida e temperatura foi evidenciado que o uso de flumetsulam e metsulam no controle de Raphanus raphanistrum (nabo) foi maior sob temperaturas mais elevadas.

Em contraste, melhores níveis de controle para Lolium rigidum (azevém) foi encontrado para pulverizações de glufosinato de amônio, um inibidor da glutamina sintetase (GS), realizadas em temperaturas mais baixas onde o efeito de temperatura é menos importante devido a menor translocação da molécula na planta. Já, para herbicidas inibidores do fotossistema II e I (FSII e FSI) como o bentazon e paraquat, pode ocorrer menor controle de plantas daninhas sem que haja aumento da injúria em culturas sob temperaturas mais baixas Para o herbicida 2,4-D, a morte das plantas para pulverizações realizadas em temperaturas mais baixas pode ser similar, onde o aparecimento dos sintomas ocorre de forma mais lenta quando comparado às aplicações em temperaturas um pouco mais elevadas. Todavia, cuidados devem ser tomados para aplicações em temperaturas superiores a 25ºC onde o uso dos herbicidas 2,4-D e dicamba tendem a apresentar maior potencial de volatilização, reduzir o controle de plantas daninhas e aumentar o risco de injúria em áreas adjacentes.  

Figura 3: Eficiência dos herbicidas glifosato e saflufenacil em Conyza sp. (buva) sensível (S) e resistente (R) ao glifosato (A) e eficácia dos herbicidas glfosinato, mesotrione e gramoxone para controle de gramíneas (B) em diferentes temperaturas. Adaptado de Dennis et al., (2016) e Godar et al., (2015).
Figura 3: Eficiência dos herbicidas glifosato e saflufenacil em Conyza sp. (buva) sensível (S) e resistente (R) ao glifosato (A) e eficácia dos herbicidas glfosinato, mesotrione e gramoxone para controle de gramíneas (B) em diferentes temperaturas. Adaptado de Dennis et al., (2016) e Godar et al., (2015).

A redução na absorção e translocação sob temperaturas amenas pode atrasar o aparecimento e aumentar o tempo de duração dos sintomas de fitotoxicidade. Na cultura do trigo, a aplicação de clodinafop-propargil em temperaturas abaixo de 5°C causou elevada injúria com sintomas visíveis por mais de quatro semanas, ocasionando redução na produtividade. Baixas temperaturas podem influenciar negativamente na degradação de herbicidas pelo metabolismo que, sob esta condição, tende a ser menor e causar maior fitotoxicidade. Essa situação foi evidenciada na cultura do trigo submetida a aplicação de sulfosufuron em pós-emergência onde houve maior fitotoxicidade para temperaturas inferiores a 20ºC. De maneira similar, a aplicação de diclofop-metil em cultivares de cevada sob temperaturas inferiores a 15ºC ocasionaram maior fitotoxicidade quando comparado a pulverizações realizadas a 25ºC devido a redução nas taxas de hidrólise da molécula e sua conjugação com açúcares. Em milho, o efeito da temperatura na detoxificação foi observado para o herbicida rimsulfurom que foi altamente seletivo para a cultura em temperaturas de 25ºC-30ºC e reduzida a 10ºC. Resultados similares foram encontrados para o herbicida iodosulfuron-metil aplicado em aveia na dose de 20 g ia./ ha onde a tolerância foi maior e diretamente proporcional ao aumento de temperatura.  

Figura 4: Metabolismo do herbicida glufosinato de amônio (formação de metabólito acetil-glufosinato) e sintomas de fitotoxicidade em soja Liberty Link em diferentes temperaturas (Pline et al., 1999). 
Figura 4: Metabolismo do herbicida glufosinato de amônio (formação de metabólito acetil-glufosinato) e sintomas de fitotoxicidade em soja Liberty Link em diferentes temperaturas (Pline et al., 1999). 

Para herbicidas aplicados na pré-emergência, a temperatura é um fator que contribui de forma significativa para dois possíveis efeitos:

1) aumento na persistência da molécula no solo devido a menor atividade microbiana e;

2) maior controle de plantas pelo menor metabolismo na fase de plântula.

A velocidade das reações bioquímicas e enzimáticas de microrganismos envolvidas na degradação de herbicida ocorre em uma faixa ideal de temperatura que varia de 25ºC a 35ºC onde a clivagem (quebra) das ligações de carbono tende a ser maior (Figura 5). Resultados reportam que o tempo de meia-vida (t1/2) do herbicida mesosulfurom-metil foi superior a 110 dias e considerado três vezes maior quando comparado com as aplicações realizadas em temperaturas próximas a 10ºC. Outros resultados evidenciaram ainda que, para os herbicidas atrazina e s-metalachlor, a meia vida foi reduzida em mais de 50% quando a aplicação foi realizada para temperaturas superiores a 25ºC. Situação similar foi constatada em plantas submetidas ao herbicida metribuzin onde fitotoxicidade aos sete dias após a aplicação foi menor na temperatura de 16ºC comparada a 30ºC. Todavia, não houve redução na injúria e a persistência foi maior na temperatura menor devido à redução no metabolismo microbiano.

Outra característica importante que deve ser considerada é a temperatura da água para aplicação de herbicidas. Trabalhos de pesquisa tem demonstrado que a eficácia de diversos herbicidas no controle de plantas daninhas é prejudicada quando se utiliza água em temperaturas baixas. Por exemplo, o controle de buva, caruru e corda-de-viola com os herbicidas glufosinato de amônia, mesotrione, glifosato e 2,4-D colina foi menor quando a temperatura da água foi de 5oC comparado a temperatura de 22oC. Resultados similares foram encontrados para os herbicidas diquat e para a pré-mistura de glifosato com dicamba onde o controle foi 10% menor, dependo da espécie. A principal razão para o menor desempenho dos herbicidas está relacionada a menor dissolução em tanque, visto que a solubilidade em água dos herbicidas pós emergentes é maior para temperaturas próximas a 25oC. Além disso, a temperatura exerce efeitos sobre a germinação de sementes, emergência e crescimento de plântulas, com maior suscetibilidade de plantas em condições de baixa temperatura devido a limitação de metabolismo. Este efeito foi evidenciado para sulfosulfurom, herbicida usado em pré-emergência do trigo, que apresentou aumento da eficácia em baixas temperaturas.

Figura 5: Atividade microbiana e persistência de herbicidas de solo aplicados sob condição normal e baixa temperatura. Adaptado de Gavrilescu, (2005).
Figura 5: Atividade microbiana e persistência de herbicidas de solo aplicados sob condição normal e baixa temperatura. Adaptado de Gavrilescu, (2005).

Após revisão de literatura, alguns pontos podem ser mencionados quanto ao controle de plantas daninhas e o potencial de herbicidas em causar fitotoxicidade em função da aplicação em baixa temperatura:

  • Herbicidas pré-emergentes: aumento na eficácia de controle e no potencial de injúrias em culturas. Outro efeito esperado é o aumento da persistência no solo devido a redução da atividade biológica em baixa temperatura.
  • Herbicidas pós-emergentes de contato: redução no controle de plantas daninhas pouco significativa visto que sua absorção é limitada e, efeito na fitotoxicidade em culturas similares as aplicações realizadas na faixa ideal.
  • Herbicidas pós-emergentes sistêmicos: redução na eficácia de controle de plantas daninhas devido a menor absorção e translocação até os pontos de crescimento. Em culturas, há uma tendência de ocorrer maior fitotoxicidade devido a redução da capacidade de metabolização de moléculas.  

É importante ressaltar ainda, que os efeitos da temperatura no controle de plantas daninhas ficam menos evidentes quando ocorre o aumento da dose porque a quantidade de herbicida que chega ao local de ação pode ser grande o suficiente para causar dano. Este comportamento foi verificado para aplicações de glufosinato de amônio e glifosato onde doses altas causam elevado controle de plantas suscetíveis independentemente da aplicação ser realizada em baixa ou alta temperatura. Dessa forma, recomenda-se observar as condições de temperatura e radiação solar adversas nessa época do ano para potencializar a performance da molécula herbicida sobre as plantas daninhas e minimizar seus efeitos em culturas.

Joanei Cechin, Maicon Fernando Schmitz, Cristiano Piasecki, Jonas Rodrigo Henckes, Dirceu Agostinetto, Leandro Vargas, Embrapa Trigo

Artigo publicado na edição 232 da Cultivar Grandes Culturas, mês setembro, ano 2018.

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