Doenças de final de ciclo da soja: herança de safra para safra

Por Caroline Wesp Guterres (UFRGS); Camila Cristina Lage de Andrade, Marisa Dalbosco e Rita de Cássia Madail Santin (Agronômica - Lab. de Diagnóstico Fitossanitário)

09.04.2024 | 15:48 (UTC -3)

Na safra 2023/24 foram mais de 45 milhões de hectares semeados com soja no Brasil. Em função do sistema de cultivo intensivo praticado em grande parte das áreas, há uma grande pressão de seleção sobre as populações de patógenos, o que pode levar ao aparecimento de novas doenças, ao aumento na importância de doenças já existentes e à resistência de fungos aos fungicidas.

As doenças causadas por fungos necrotróficos, que incluem a mancha-alvo, a antracnose e as doenças de final de ciclo, sobrevivem nos restos culturais, o que favorece a manutenção de inóculo de uma safra para outra.

As doenças de final de ciclo (DFCs) são transmitidas por dois fungos: Septoria glycines e Cercospora spp., que causam as doenças conhecidas como mancha-parda (ou septoriose) e crestamento foliar de Cercospora ou mancha púrpura da semente. O nome “final de ciclo” surgiu em função dos sintomas serem mais facilmente observados ao final do ciclo da soja, mas a nomeação pode induzir a erros de manejo.

Embora sejam conhecidas como DFCs, em anos favoráveis, os sintomas destas doenças podem ocorrer muito cedo na cultura, ainda na fase vegetativa, através de inóculo proveniente das sementes ou dos restos culturais. Outro fator importante é que, mesmo que os sintomas possam se manifestar mais ao final do ciclo, estes fungos já podem ser encontrados nos tecidos das plantas de soja de forma latente desde o estádio vegetativo, sem causar sintomas, justamente em função das fontes de inóculo citadas.

A mancha-parda (S. glycines) geralmente é uma das primeiras doenças que incidem na soja, causando o amarelecimento de folhas unifolioladas e dos primeiros trifólios. Os sintomas se caracterizam por pequenas manchas angulares e irregulares com halos amarelados e coloração parda, que podem coalescer e causar desfolha do terço inferior da planta. Em condições de ambiente favorável e manejo inadequado, ao final do enchimento de grãos, os sintomas manifestam-se intensamente, reduzindo a área fotossintética ativa e o rendimento da cultura. Dependendo da região e da época de incidência da doença, são relatadas perdas entre 7% e 40%, mas se considera uma perda média de 30%, potencializada pela associação com Cercospora spp.

A mancha púrpura da semente e o crestamento foliar de Cercospora (Cercospora spp.) possuem distribuição generalizada no país, especialmente nas regiões com chuvas mais abundantes durante a fase de maturação da cultura, embora os sintomas, assim como os de mancha-parda, possam ocorrer em qualquer estádio da planta. Até pouco tempo, Cercospora kikuchii era a espécie mais conhecida como causadora do crestamento. No entanto, recentemente outras espécies têm sido associadas à manifestação da doença, como C. cf. flagellaris e C. cf. sigesbeckiae.

Os sintomas do crestamento se caracterizam por manchas castanho-avermelhadas, que podem coalescer formando grandes manchas escuras de coloração arroxeada e aspecto coriáceo nas folhas. O fungo produz uma toxina chamada cercosporina, que naturalmente possui coloração avermelhada. Ao ser ativada pela luz, a cercosporina produz espécies reativas de oxigênio (ROS), que levam à ruptura das membranas plasmáticas e morte das células da planta, o que explica o aparecimento e a coloração dos sintomas na planta, ocasionado pelo extravasamento desse conteúdo celular interno. A desfolha precoce em função do Crestamento é comum em condições de alta severidade.

Nas vagens podem ser observadas pontuações vermelhas que evoluem para manchas castanho-arroxeadas. É através da vagem que o fungo alcança as sementes, causando a mancha-púrpura no tegumento. Embora haja bastante divergência sobre os efeitos da mancha-púrpura sobre as sementes, diversos estudos demonstram que grãos com alta taxa de infecção possuem menor concentração de óleo e de proteína, além de gerarem plântulas de menor vigor. Independentemente de afetar a germinação ou não, o fato é que a presença no fungo na semente poderá servir de inóculo para a safra subsequente. As perdas em função do crestamento também variam em função de cultivares, regiões e clima, mas podem ser superiores a 30%.

A mancha-parda e o crestamento podem ocorrer de forma isolada ou simultânea na lavoura. O principal dano conjunto destas DFCs é a desfolha antecipada, o que torna o manejo integrado importante. Neste sentido, a rotação de culturas possui impacto direto na redução do inóculo inicial de manchas, já que os restos culturais de soja podem permanecer entre 20 e 30 meses no campo. É importante manter uma boa cobertura com palha para reduzir o impacto das gotas de chuva e a dispersão de inóculo para as primeiras folhas de soja. Outra medida é a utilização de cultivares de soja menos sensíveis, a utilização de sementes de boa qualidade fisiológica e sanitária e a realização de tratamento de sementes específico, direcionado pela análise laboratorial de patologia de sementes.

A aplicação de fungicidas é essencial no manejo de DFCs. O planejamento de quais fungicidas utilizar no manejo se faz necessário, já que há relato de redução da sensibilidade de Cercospora spp. aos fungicidas do grupo das estrobilurinas e benzimidazóis. Porém, a decisão de escolha dos produtos deve considerar as demais doenças que ocorrem de forma concomitante na lavoura. Além disso, a combinação de fungicidas sítio-específicos e multissítios se faz necessária.

Tão importante quanto a escolha do fungicida a ser utilizado, é o momento de realização desta aplicação. A decisão é baseada em conhecer o histórico de incidência das doenças na área, se há ou não há rotação de culturas, qual a qualidade sanitária das sementes utilizadas e o clima. Em muitos casos, as aplicações iniciadas ainda no vegetativo possuem impacto significativo sobre a ocorrência de DFCs e, consequentemente, sobre o rendimento de grãos. Na safra 2022/23, entre os diferentes tratamentos testados nas aplicações antecipadas (até 30 DAE), foram observados incrementos médios no controle de DFCs de 18% em relação ao tratamento com aplicação mais tardia.

A utilização de ferramentas biológicas também contribui significativamente para o manejo de DFCs. Em estudos de campo, observamos sinergia na combinação de manejo químico + biológico no controle de S. glycines e Cercospora spp., com incrementos de controle muito significativos, através da utilização combinada de fungicidas + produtos à base de mistura de Trichoderma harzianum, Trichoderma asperellum e Bacillus amyloliquefaciens ou somente Bacillus pumilus.

A integração de diversas medidas de controle torna o manejo de doenças mais efetivo, mantendo a rentabilidade do produtor e preservando a eficácia dos fungicidas.

Por Caroline Wesp Guterres (UFRGS); Camila Cristina Lage de Andrade, Marisa Dalbosco e Rita de Cássia Madail Santin (Agronômica - Lab. de Diagnóstico Fitossanitário)

Artigo publicado na edição 297 da Revista Cultivar Grandes Culturas

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