Introdução da tecnologia Clearfield em cultivares de trigo no Brasil
Por Giliardi Dalazen, Dr. em fitotecnia e professor na Universidade Estadual de Londrina (UEL)
Conhecer o comportamento de aplicações de fungicidas sob diferentes regimes hídricos e incidência de chuvas é importante para que se possa estabelecer o manejo sustentável da ferrugem do trigo em busca de elevadas produtividades.
O cultivo de trigo no Sul do país é o mais antigo, justamente pelo clima mais próximo do temperado e temperaturas amenas. A maior produção de trigo localiza-se nos estados da região Sul, mas São Paulo e Minas Gerais são também expressivos na produção do grão. Nos últimos anos, o plantio da cultura no Centro-Oeste vem sendo motivado pelos bons resultados alcançados em produtividade, pelos preços de mercado do produto, e também por constituir uma boa alternativa de aproveitamento do solo no período de inverno. Segundo a Conab (2013), o plantio de trigo sequeiro nas regiões central e sul de Minas Gerais respondeu, na safra 2011/2012, por mais de 70% dos cultivos implantados no estado.
O trigo pode sofrer com possíveis impactos negativos decorrentes de variações climáticas, como, por exemplo, seca nas regiões do Centro-Oeste e chuvas em excesso nas lavouras do Sul do país, tornando necessário o ajuste de seu sistema de produção. Diante deste cenário, é importante a condução de estudos que avaliem a interação entre produtos agrícolas aplicados em parte aérea e planta. Sabe-se que plantas submetidas a limitações hídricas apresentam algumas características morfológicas adaptativas, como a redução da relação entre superfície e volume, cutícula e paredes celulares espessadas; presença de ceras; estômatos protegidos; calotas de esclerênquima; tecidos armazenadores de água; parênquima paliçádico bem desenvolvido e idioblastos com compostos fenólicos e cristais (Burrows, 2001; Fahmy, 1997; Fahn; Cutler, 1992; Rotondi et al, 2003).
O desenvolvimento de mecanismos morfofisiológicos adaptativos em plantas sob déficit hídrico faz com que reduzam as perdas de água para atmosfera, evitando a desidratação. Isso pode afetar também a absorção de produtos agrícolas, como os fungicidas. Nesse sentido, foi conduzido um ensaio na estação experimental do Instituto Phytus, em Itaara, no Rio Grande do Sul, com o objetivo de verificar o comportamento de fungicidas em plantas de trigo cultivar Quartzo, submetidas a diferentes regimes hídricos e simulações de chuva após a aplicação.
O ensaio foi conduzido em casa de vegetação, composto por dois regimes hídricos: com déficit hídrico (50%-60% da capacidade de campo) e sem déficit hídrico (90%-100% da capacidade de campo), além de cinco intervalos de tempo entre a aplicação de fungicidas e a simulação de chuva (0 minuto, 30 minutos, 60 minutos, 120 minutos e 240 minutos), uma testemunha sem chuva e outra sem aplicação de fungicida. A deficiência hídrica foi estabelecida durante um período de 25 dias, entre os estádios de início da emissão da folha bandeira e espigamento, com controle da irrigação realizado pelo método de pesagem de vasos. Após a restrição hídrica foi aplicado o fungicida composto pela mistura dos ingredientes ativos trifloxistrobina + protioconazol (60g i.a./ha + 70g i.a./ha) com adição de Aureo na dose de 0,375L.p.c./ha. Após a aplicação do fungicida foi simulada chuva como descrito. As plantas de trigo foram inoculadas com uredósporos de Puccinia triticina 12 horas após aplicação do fungicida.
Primeiramente foi avaliado o Número de Dias para Aparecimento das Primeiras Pústulas (NDAPP) (residual do tratamento). Para isso, iniciaram-se a partir do segundo dia após a inoculação, avaliações diárias para visualização dos primeiros sintomas com auxílio de lupa de 20x.
Para a avaliação de severidade de P. triticina foi considerada apenas a folha bandeira de cada planta. A severidade da doença foi avaliada aos 25 Dias Após a Aplicação (DAA), quando todas as folhas bandeira de trigo apresentavam sintomas da doença. Para a determinação da severidade foram atribuídas notas visuais do percentual de área foliar com sintomas da doença em relação à área sadia da folha.
A análise dos dados revelou interação significativa entre os fatores analisados para as variáveis Número de Dias para Aparecimento da Primeira Pústula (NDAPP) e severidade de Puccinia triticina na folha bandeira (Figuras 1 e 2).
O NDAPP demonstra indiretamente a velocidade de absorção do fungicida nas aplicações em diferentes intervalos de simulações de chuva, exercendo influência na interação fungicida/planta em aplicações de parte aérea. Quanto menor é o intervalo de tempo entre a aplicação do fungicida e as simulações de chuva, menor é o tempo para o aparecimento da primeira pústula (Figura 1). Assim, infere-se que com chuva ocorre lavagem e todo o fungicida ainda não absorvido pelo tecido foliar é removido.
Nota-se em plantas de trigo sob condição favorável (sem déficit hídrico) que a simulação de chuva interferiu na retenção de produto na folha mesmo 240 minutos (quatro horas) após a aplicação. Como consequência, pode-se dizer que o tratamento apresentou um dia a menos de residual químico para controle da doença que o tratamento fungicida sem posterior simulação de chuva. Debortoli (2008), em estudo com o objetivo de avaliar o efeito da chuva sobre o residual de azoxistrobina + ciproconazol em sete cultivares de soja, observou que a simulação de chuva 240 minutos após a aplicação influenciou na taxa de absorção do fungicida.
Na chuva simulada zero minuto após a aplicação do fungicida, independentemente do regime hídrico imposto às plantas, o fungicida foi rapidamente absorvido pelas folhas de trigo. O atraso do aparecimento da primeira pústula de Puccinia triticina nas folhas bandeira em relação à testemunha permitiu essa conclusão.
Verifica-se um retardamento do aparecimento da primeira pústula e redução significativa na severidade de P. triticina em plantas sob déficit hídrico, quando comparado às plantas em condição favorável (sem déficit hídrico) (Figuras 1 e 2). Pode-se observar ainda que as testemunhas das plantas sob déficit hídrico apresentaram a primeira pústula dois dias após em relação às plantas em condições favoráveis. Taiz e Zeiger (2013) sugerem que plantas em deficiência hídrica respondem contra a desidratação, através do espessamento da cutícula para diminuir a transpiração, bem como a penetração de patógenos. Segundo Paiva e Oliveira (2006) várias estratégias são desenvolvidas pelas plantas em déficit hídrico para reduzir a perda de água e otimizar o uso da pequena quantidade que ainda possa ser encontrada no solo.
A aplicação de fungicida sem posterior simulação de chuva em plantas sob déficit hídrico representou cinco dias de atraso no aparecimento da primeira pústula e 3,2% de redução na severidade de P. triticina, em relação às plantas sem déficit hídrico. Os dados sugerem que a concentração de ativo fungicida dentro da célula é maior em plantas sob déficit hídrico devido à redução do potencial hídrico das folhas e da turgescência. A maior quantidade de ativo fungicida em células e a menor degradação do fungicida em plantas sob déficit hídrico, devido à menor atividade fisiológica, à queda na condutância estomática e ao fechamento dos estômatos (Stuhfauth et al, 1990; Ohashi et al, 2006; Lei et al, 2006) podem explicar a redução nos valores de severidade e atraso no aparecimento das primeiras pústulas.
Na condição de estresse, a planta reduz a demanda por ATP como consequência da diminuição do crescimento e fotossíntese (Flexas; Medrano, 2002) e, com isso, reduz a degradação do fungicida em plantas nessa condição.
A aplicação de fungicida em plantas de trigo submetidas ao déficit hídrico resultou em incremento no residual de controle da doença, assim como menores valores de severidade. Independentemente do regime hídrico, 240 minutos (quatro horas) é o intervalo mínimo de tempo entre a aplicação do fungicida e a ocorrência de chuva para um controle eficiente da doença. Com isso, torna-se importante o conhecimento do comportamento das aplicações fungicidas em trigo sob diferentes regimes hídricos e simulações de chuva, com o objetivo de estabelecer um manejo sustentável da doença em busca de elevadas produtividades.
Marlon Tagliapietra Stefanello, Leandro Nascimento Marques, Marcos Belinazzo Tomazetti, Renan Viero Dal Sotto e Ricardo Silveiro Balardin, Universidade Federal de Santa Maria
Artigo publicado na edição 193 da Cultivar Grandes Culturas.
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