Como a união do agtech com a indústria de alimentos irá fortalecer os pequenos e médios agroempreendedores brasileiros?

Por Rafael Coelho, CEO da Agronow, empresa de tecnologia de satélites para monitoramento de safras e áreas agrícolas

03.10.2018 | 20:59 (UTC -3)

O futuro do agronegócio passa necessariamente pelo fortalecimento de um ecossistema que integre pequenas e médias fazendas, a indústria e as novas tecnologias disruptivas. Ao garantir ganhos de produtividade e competividade em um mercado extremamente commoditizado e pulverizado, a revolução tecnológica irá germinar novos agroempreendedores no campo e na cidade que, juntos, criarão um novo mercado para ajudar a enfrentar o aumento da demanda mundial por alimentos.

Essa foi a conclusão que tirei ao participar há alguns dias da Forbes Agtech Summit, realizada em Salinas, na Califórnia, uma das principais feiras do setor no mundo, e da InfoAG, realizada em St. Louis, no Missouri, um maiores eventos para agricultura de precisão do mundo. Os dois eventos reuniram os principais expoentes do universo agtech, agregando startups e empresas de tecnologia com produtores, investidores e representantes de players globais do agronegócio e da indústria alimentícia.

Nas inúmeras conversas que tive nos corredores e em nosso stand, o que mais me surpreendeu no mercado americano foi a visão de sustentabilidade do agronegócio entre as gerações e a profissionalização do campo, mesmo em pequenas propriedades, garantindo a permanência das famílias em negócios rurais.

Há um forte estímulo de diversos players da cadeia e um interesse das famílias proprietárias de fazendas pequenas e médias, com até 1.000 hectares, para o uso de tecnologias de ponta, antes utilizadas apenas nas grandes propriedades. As agtechs, por sua vez, também recebem fortes incentivos do setor privado para o desenvolvimento de soluções que melhorem os resultados das safras.

E é assim, com um mercado bastante organizado em estruturas familiares inteligentes, integrando rural e urbano e aproximando startups das grandes fabricantes de alimentos, que o ciclo do agribusiness se perpetua, motivando, de um lado, quem está na terra a arregaçar as mangas para empreender e gerar riqueza e, do outro, a quem está no Vale do Silício a criar novas tecnologias que, ao final do dia, irão beneficiar toda cadeia, da fazenda até a indústria.

O leitor irá me permitir um disclosure. Estes dias, mergulhado em dois eventos muito importantes para o setor, me trouxeram a certeza de estarmos no caminho certo por ter a oportunidade de estar liderando uma agtech no Brasil com potencial de escala global. Realizei que faço parte desta nova geração que irá aproximar os dois mundos, a fazenda e a cidade, para criar uma nova agroeconomia.

Venho de uma família de fazendeiros que, como muitos, lutou contra as adversidades e seguidas crises para se manter fixada à terra sem nunca desistir do agronegócio. Durante minha infância vivi em Campo Grande e passava as férias na fazenda no interior do Mato Grosso do Sul acompanhando meu pai e, posteriormente, meu avô no cultivo da soja e na criação de gado.

Certamente a paixão e resiliência empreendedora deles foram exemplos que me fizeram construir o sonho de empreender e estar agora envolvido com uma agtech. Sempre fui um apaixonado por tecnologia. Além disso, trabalhei muitos anos no setor agrícola como trader de commodities, ampliando minha bagagem para poder assumir os desafios atuais.

E este será o sonho compartilhado por muitos.

É esta nova moçada sentada nos laboratórios das startups que, acredito, irá construir as “enxadas digitais” para ajudar o Brasil a explorar todo seu potencial e sua vocação agrícola. É inegável que o setor agro passará por grandes mudanças nos próximos anos. O exemplo americano nos mostra que o pequeno e médio agricultor podem – e devem – adotar as novas tecnologias, tais como soluções de Internet das Coisas, Inteligência Artificial, satélites, drones e biotecnologias, para adubar plantações dedicadas ao abastecimento e fornecimento de matéria prima aos fabricantes de alimentos.

Por conta do alto custo do capital - em um setor altamente alavancado - e políticas agrárias ruins, o Brasil sofreu e ainda sofre muito com o êxodo rural, o que acabou por aumentar os latifúndios e a uma concentração da produção nas grandes fazendas, que também cresceram na esteira de herdeiros que preferiram vender suas propriedades a se tornar agricultores. Agora, começa a ser criada uma lacuna entre as pequenas e as grandes propriedades agrícolas, o que diminuirá ainda mais as médias propriedades no Brasil.

De acordo com o último Censo Agropecuário, as pequenas propriedades representam 84,4% dos estabelecimentos agropecuários brasileiros, mas respondem por 38% do valor bruto da produção agrícola, mostrando que há uma carência de produtividade e grandes oportunidades.

Segundo o IBGE, o Brasil tem predominância de municípios rurais, que representam 60,4% das cidades do País, porém onde residem somente 17% da população. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) registra 130 mil grandes propriedades rurais, que totalizam 47,23% de toda área cadastrada. Já a área somada dos 3,75 milhões de minifúndios representa somente 10,2% da área total. O Atlas da Terra Brasil 2015, organizado pelo CNPq/USP, indica que temos 175,9 milhões de hectares improdutivos.

Este quadro deve mudar.

Para conseguir uma lavoura frutífera e abocanhar uma fatia do mercado de commodities, os pequenos e médios agricultores não terão outra saída senão investir, assim como os grandes agroempreendedores, em tecnologia, abrindo um mercado potencial ao desenvolvimento das agtechs nacionais que poderão, com o apoio do venture capital e da indústria, crescerem e se tornarem globais.

O momento para o agtech no Brasil não poderia ser mais fértil. Somos um dos principais produtores mundiais e o agronegócio continua tendo peso significativo no PIB. Há muitos empreendedores de tecnologia, assim como investidores, interessados no agro, entretanto, e este é um ponto de atenção, não necessariamente com a vivência necessária e conhecimento da cadeia produtiva para entender as dores no campo.

O agribusiness é um mercado pulverizado e conservador, o que dificulta o crescimento das startups. Por isso, não é preciso apenas ter interesse no setor. É preciso conhecer profundamente o perfil do agronegócio brasileiro, pois a agricultura tropical é completamente diferente da temperada, o que não permite copy-cats (importar modelos que funcionam lá fora). As tecnologias devem ser tropicalizadas.

A aproximação entre a empreendedores tecnológicos e fazendeiros, intermediada pelas grandes fabricantes de alimentos, é então mandatória. Se não semearmos em tempo, perderemos a colheita. E não vamos querer ficar fora dessa, vamos?

 


 

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