Chega de fake news sobre biodiesel

Por Vicente Pimenta, engenheiro mecânico, mestre em agroenergia, consultor da Abiove e coordenador do Programa de Biodiesel Bio+

09.03.2023 | 15:07 (UTC -3)

Nas últimas semanas, informações desatualizadas, fora de contexto e sem comprovação técnica vem sendo veiculadas insistentemente via blogs e redes sociais, criando-se uma extensa rede de ‘fake news’ em torno da qualidade do biodiesel, relacionando-o principalmente a problemas causados a motores e equipamentos a diesel.

Em um dos posicionamentos, veiculado nesta semana em um blog automotivo, o autor traz a afirmação, sem embasamento técnico, de que, “quando se mistura o biodiesel ao diesel em percentuais superiores a 10%, está comprovado tecnicamente que o resultado é problemático.” As associações dos produtores de biodiesel participaram de inúmeras iniciativas de testes até o momento, seja com o Ministério de Minas e Energia (MME), Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e com empresas produtoras de veículos e componentes, frotas cativas particulares e municipais. Nunca se chegou a essa conclusão!

Outro ponto que causou espanto dentre as afirmações foi a de que o produto poderia causar a quebra de geradores em hospitais. Sem manutenção, não é apenas o gerador que pode quebrar. Também a geladeira, os elevadores, o ar-condicionado, as máquinas de lavar.... e o que isso tem a ver com o biodiesel? O plano de manutenção que qualquer empresa deve ter (incluindo os hospitais) deve conter pontos de verificação que passam por checar as condições do combustível, a frequência de drenagem nos tanques, a condição dos filtros, estado do motor de partida, entre outros. Sabe-se também que há aditivos que estendem de maneira importante a vida do combustível, porém ela não será infinita; não se prescinde da avaliação periódica de todos os equipamentos, que continuará a ser mandatória. Pode ser necessário substituir o combustível? Pode sim, assim como acontece com o fluido de freio, o óleo lubrificante, o líquido da bateria etc.

A afirmação de que o biodiesel é higroscópico também é algo que vem sendo tirado de contexto e usado como um fato apenas do biocombustível. É importante ressaltar que esta é uma verdade que é válida tanto para o diesel B (mistura de diesel mineral com biodiesel), quanto para o diesel mineral puro, sem biodiesel, como é o caso do diesel marítimo. É uma característica intrínseca de qualquer combustível ciclo diesel. De fato, a água livre traz problemas para o equipamento seja ele qual for: veículo, trator ou máquina, e é por isso que se recomenda a frequência de drenagens prevista no plano de manutenção, seja do hospital, seja da fazenda, seja do condomínio residencial.

A quebra de equipamentos também tem sido atribuída ao biodiesel, combustível que tem características físico-químicas semelhantes ao diesel mineral e não deve ocasionar problemas em nenhum equipamento, mesmo puro. Entretanto, a despeito do posicionamento aberto das associações de produtores de biodiesel solicitando participação para avaliar os problemas de campo que já nos foram apontados, essa oportunidade nunca foi dada. Portanto, os produtores de biodiesel têm a convicção baseada em inúmeros testes e ensaios, além de anos de uso, de que “diesel B dentro do especificado não causa problema” é uma afirmação verdadeira, válida para os dois componentes do diesel. Também reafirmam seu posicionamento de que passou da hora de se aumentar o rigor na avaliação das condições de armazenagem e distribuição a fim de prevenir problemas relacionados às más práticas. O consumidor tem o direito de receber um produto adequadamente manuseado e que preserve as suas características verificadas na produção!

Ainda sobre o post no blog em questão, de fato a Anfavea não recomendou o B15 à época devido a dúvidas em 3 testes de um total de 44 coordenados pelo MME. A associação dos fabricantes de veículos julgou importante elevar a margem da estabilidade à oxidação, pois essa característica parecia estar por trás dos problemas ocorridos. A sugestão gerou exercício para checar essa condição, conduzido pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT). Como resultado, a ANP instituiu, através da Resolução nº 798/2019 elevar a estabilidade à oxidação do biodiesel puro em 50% (de 8 para 12 horas), além de exigir de forma compulsória que os produtores de biodiesel adicionassem aditivos estabilizantes em seu produto. Assim, a progressão de biodiesel pôde ser iniciada.

Quanto aos questionamentos sobre o uso diesel verde (HVO) no lugar do biodiesel, é importante ressaltar que ele é, sim, um excelente produto, e renovável também. Ocorre que, além de ser muito mais caro do que o biodiesel, ainda não está disponível no Brasil. Tende, a médio prazo, a ser uma excelente alternativa para, gradualmente, substituir a fração fóssil do combustível e contribuir com os esforços históricos para descarbonização da matriz nacional de combustíveis.

É necessário ficarmos atentos porque o movimento contrário à expansão do biodiesel tem o objetivo de influenciar negativamente o necessário e importante debate interno no Governo Federal para decidir o novo cronograma de elevação gradual dessa mistura.

Definir o teor da mistura é fundamental para ser possível elevar a produção de biodiesel e, com isso, reduzir as emissões de poluentes, minimizar os gastos com importação milionária de diesel, gerar oportunidades de promoção socioeconômica para milhares de agricultores familiares, dar destinação a excedentes de óleo de soja e também a óleos residuais e gorduras animais, e agregar valor às cadeias de soja e de proteína animal, com influência positiva aos consumidores sobre os preços desses produtos.

Ou seja, o biodiesel deve ser encarado pelo governo e pela sociedade como um produto que é muito mais do que um biocombustível. Ele é um agente central de políticas públicas que, bem conduzidas, podem proporcionar muitas vantagens aos brasileiros e ao país.

Por Vicente Pimenta, engenheiro mecânico, mestre em agroenergia, consultor da Abiove e coordenador do Programa de Biodiesel Bio+

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