Antracnose em soja: Prevenção eficiente

​Antracnose causa prejuízos graves à soja; aplicações preventivas, antes do florescimento, tornam-se essenciais no controle químico

20.11.2019 | 20:59 (UTC -3)

A antracnose é responsável por prejuízos graves à cultura da soja. Seu manejo exige esforço e racionalidade dos produtores. Aplicações preventivas, antes do florescimento, têm se tornado essenciais no controle químico. Mas para isso é preciso considerar a presença real ou potencial do inóculo de Colletotrichum truncatum na lavoura

Entre os diversos microrganismos fitopatogênicos (fungos, vírus, bactérias e nematoides) associados à cultura da soja provocando algum tipo de dano, o fungo Colletotrichum dematium (Pers. Ex Fr.) Grove var. truncata (Schw) Arx (sin. C. truncatum (Schw.) Andrus & Moore, causador da antracnose, é um dos mais importantes. Afeta todas as fases de desenvolvimento, desde o estabelecimento da lavoura até o enchimento de grãos, constituindo-se em importante problema no cerrado do Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil.

A maior intensidade da antracnose no cerrado tem sido atribuída à elevada precipitação e às altas temperaturas que ocorrem nas lavouras na época de safra. Porém, outros aspectos como  excesso de população de plantas, cultivo contínuo da soja, uso de sementes infectadas, infestação e danos por lagartas e percevejo, além de deficiências nutricionais, principalmente de potássio, são também responsáveis pela maior incidência da doença.

A partir da safra 2011/2012 tem sido observado aumento na ocorrência de C. truncatum em sementes de soja, que contribuem substancialmente para um aumento da pressão da doença nas fases iniciais das lavouras. Em tais situações os produtores são obrigados a aplicar medidas antecipadas de controle nas fases vegetativas, evitando perdas irreversíveis durante a fase reprodutiva da cultura.

Figura 1: Lesões deprimidas nos cotilédones.
Figura 1: Lesões deprimidas nos cotilédones.

Figura 2: Lesões avermelhadas nas nervuras de folhas velhas.
Figura 2: Lesões avermelhadas nas nervuras de folhas velhas.

Epidemiologia e quadro sintomatológico

O fungo C. truncatum possui uma fase saprofítica, sobrevivendo na matéria orgânica do solo e em restos culturais. Acredita-se que C. truncatum possa sobreviver em outras plantas hospedeiras além da soja. Porém, a forma mais eficiente de introdução e disseminação da doença ocorre através de sementes infectadas. O patógeno é transportado principalmente nos tecidos internos das sementes de soja e, tratando-se de patógeno infectivo na parte aérea da planta, é facilmente levado, durante o processo de germinação, até as primeiras folhas cotiledonares e trifoliadas no terço inferior da planta. O progresso da doença pode ser rápido se o ambiente for favorável à epidemia.

Sob condições de alta precipitação, temperaturas elevadas, plantio adensado, oferta inadequada de nutrientes e cultivo contínuo da soja, o patógeno presente nas sementes ou em restos de cultura pode infectar a soja desde a fase de estabelecimento da lavoura.

A dinâmica da infecção por Colletotrichum truncatum em soja apresenta um padrão de desenvolvimento quase exclusivo. As plantas infectadas pelo inóculo presente nas sementes podem não apresentar sintomas visíveis, e o patógeno percorrer longitudinalmente o caule atingindo as vagens. Nesse caso, caracteriza-se a natureza sistêmica e assintomática da doença.

Com a queda dos cotilédones, o fungo alojado nestes tecidos sobrevive de forma saprofítica no solo até que as condições de microclima no terço inferior da planta sejam favoráveis. Assim, elevada umidade e lavouras adensadas permitem a manifestação de C. truncatum nas folhas mais velhas, levado por meio do vento ou respingos de chuva. A partir da infecção nas folhas o patógeno atinge pecíolos e vagens, garantindo a sua transmissão para novas gerações. A presença de C. truncatum em vagens de soja não indica necessariamente sua presença nas sementes.

A sequência destes eventos dentro do processo patogênico da antracnose da soja não é obrigatória, uma vez que o patógeno proveniente de inóculo do solo ou carregado através de vento e chuva pode infectar diretamente vagens ou pecíolos sem ser identificado previamente em folhas ou cotilédones. Desse modo, lavouras isentas de antracnose na fase vegetativa não estão livres de infecção na fase reprodutiva. Este fato torna-se importante ao se avaliar as táticas a serem adotadas no manejo desta doença,

Os cotilédones de sementes infectadas apresentam manchas deprimidas de coloração castanho-escuras. Esta necrose pode se estender para o hipocótilo, causando tombamento ou o estabelecimento de plantas pouco vigorosas. Após o fechamento da lavoura, os sintomas nas folhas inferiores da planta caracterizam-se pela necrose avermelhada e descontínua da epiderme das nervuras. Este sintoma, de ocorrência bastante irregular, pode ser confundido pela ocorrência de fitotoxidez provocada por herbicidas sistêmicos.

Outro sintoma característico e extremamente comum da doença é a necrose e o estrangulamento dos pecíolos observados principalmente na parte sombreada da lavoura. Este sintoma pode ocorrer em pecíolos de folhas assintomáticas. Em condições de elevada umidade observa-se desfolha precoce dos terços inferior e médio durante a fase reprodutiva da cultura. O estrangulamento dos pecíolos sem a necrose progressiva correspondente (pecíolo clorótico) é sintoma que pode estar relacionado à deficiência nutricional.

As vagens infectadas no estádio inicial de formação adquirem coloração castanho-escura a negra, ficam retorcidas e não apresentam formação de grãos. Neste estádio pode ocorrer necrose do pedúnculo e queda de vagens ainda em formação. Durante o processo de enchimento de grãos, as lesões iniciam-se por estrias de anasarca e evoluem para manchas negras e deprimidas. Sob elevada precipitação ocorre a abertura das vagens, com consequente germinação e apodrecimento prematuros dos grãos. Em variedades mais suscetíveis, a queda acentuada do número de vagens pode levar ao sintoma de retenção foliar e haste verde. Em condições de elevada umidade e nebulosidade, estruturas reprodutivas de C. truncatum podem ser observadas sobre tecidos infectados no campo ou incubadas por 48 horas em ambiente controlado.

Figura 3: Necrose e estrangulamento dos pecíolos
Figura 3: Necrose e estrangulamento dos pecíolos

Figura 4: Vagens infectadas por Colletotrichum truncatum
Figura 4: Vagens infectadas por Colletotrichum truncatum

Controle

A redução dos danos provocados pela antracnose em soja no cerrado será tanto maior quanto maior for o número de táticas de controle a serem adotadas dentro do programa de manejo integrado desta doença.

O cultivo da soja no sistema de plantio direto e em sucessão ou rotação com algodão e milho é amplamente vantajoso do ponto de vista fitossanitário, permitindo a redução do inóculo de vários patógenos fúngicos com fase saprofítica no solo e agressivos à cultura.

Na instalação da lavoura, o uso de sementes sadias e/ou tratadas com mistura de fungicidas sistêmicos e de contato registrados junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é medida essencial no controle da antracnose nas fases iniciais de desenvolvimento das plantas. Sementes com elevado potencial de inóculo de C. truncatum devem ser evitadas mesmo sob tratamento químico, já que os produtos registrados têm sua eficiência de controle reduzida na presença de altos índices de ocorrência do patógeno.

A maneira mais barata e eficiente, portanto, preferencial no controle de patógenos fúngicos explosivos da parte aérea, é o uso de variedades com elevado grau de resistência genética. A literatura não apresenta variedades geneticamente resistentes à antracnose para as condições do cerrado, onde níveis intermediários entre suscetibilidade e resistência têm sido frequentemente observados, devendo, portanto, ser uma tecnologia integrada a outras técnicas de controle disponíveis.

As pesquisas com a utilização de nutrientes, que vêm sendo realizadas em várias instituições de ensino e pesquisa do Brasil, têm apontado para resultados promissores quanto ao sucesso da aplicação de adubação foliar integrada ao uso de fungicidas no controle da antracnose. Esta medida tem por objetivo o aumento da eficiência e a redução dos custos do controle químico da doença.

O controle químico da antracnose em soja tem sido avaliado nas condições do cerrado. Resultados satisfatórios têm sido conseguidos com fungicidas sistêmicos (benzimidazóis, triazóis, triazolinthionas e estrobilurinas) e fungicidas protetores (ditiocarbamatos) aplicados em diferentes misturas. O uso de princípios ativos isolados é prática não recomendada por possibilitar a seleção de populações menos sensíveis. Assim, a mistura comercial de ingredientes ativos proporciona a potencialização do modo de ação de cada ingrediente ativo e a redução do risco de seleção de populações resistentes. Um número elevado de trabalhos de pesquisa voltados ao controle químico de doenças em soja busca avaliar a eficiência de novas misturas, concentrações, épocas e programas de aplicação de ingredientes ativos já utilizados há algum tempo.

Tendo em mente sempre a redução do inóculo inicial proveniente de sementes contaminadas ou infectadas, da matéria em decomposição no solo e de restos de cultura, as aplicações preventivas, consideradas aqui como aquelas realizadas antes do florescimento da cultura, têm se tornado essenciais no manejo químico das doenças fúngicas em soja, especialmente da antracnose. Esta prática deve considerar a presença real ou potencial na lavoura de inóculo de C. truncatum.

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Com o objetivo de avaliar a eficiência das misturas dos ingredientes ativos azoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) e picoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) no controle da antracnose em soja, foi conduzido um experimento no município de Campo Verde, Mato Grosso, na área experimental da Assist Consultoria e Experimentação Agronômica (coordenadas 15°31'36"S, 55°18'31"W, altitude de 763m em relação ao nível médio do mar), durante o período de 3/11/2013 a 22/3/2014. Foi utilizada a variedade Pioneer XB90C13, relatada como suscetível à antracnose, semeada em parcelas de cinco linhas de 5m de comprimento numa densidade de nove plantas/m (200 mil plantas/ha).

Foram avaliados oito tratamentos em quatro aplicações (Tabela 1) após o fechamento das linhas de soja (aplicações preventivas) ou no início do florescimento (aplicações curativas). A partir da primeira e em cada aplicação dos tratamentos foi registrada a severidade da antracnose (porcentagem de tecido infectado), a área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD), a desfolha (no final do enchimento de grãos) e a produtividade da cultura (sacas/ha).

O melhor controle da antracnose, resultando em menor severidade (menos de 5% de tecido infectado até o início do enchimento de grãos e menos de 10% de infecção nas vagens – Gráfico 1) e menor AACPD (Gráfico 2) foram proporcionados por: aplicação preventiva (antes do fechamento das linhas de soja) e curativa (durante o enchimento de grãos) de azoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) intercalado por picoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) no florescimento e formação de vagens; aplicações no florescimento e formação de vagens de picoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) seguido por azoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) durante o enchimento de grãos; azoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) em quatro aplicações durante o florescimento, formação de vagens e enchimento de grãos; picoxystrobin + ciproconazole (200 + 80g/L) em quatro aplicações durante o florescimento, formação de vagens e enchimento de grãos.

As aplicações de azoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) e picoxystrobin + tebuconazole (120 + 200g/L) intercaladas entre as fases vegetativas e reprodutivas da cultura da soja também proporcionaram as melhores produtividades, superiores a 51 sacas de soja/ha, representando ganhos acima de 25% no rendimento em relação às parcelas sem tratamento (Gráfico 3).

Estes resultados revestem-se de importância, pois proporcionam segurança no manejo preventivo de doenças em soja e oferecem maior flexibilidade ao produtor na escolha de misturas de ingredientes ativos diferentes das tradicionalmente usadas nas lavouras de soja no cerrado, auxiliando na diminuição da seleção de populações de fungos resistentes.


Lucas M.A. Marinho, Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Laboratório de Fitopatologia; Daniel Cassetari Neto, Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Laboratório de Fitopatologia; Rafael da Silva Juliani, Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Laboratório de Fitopatologia, Bolista Pibic UFMT/Fapemat; Douglas L. G. Mesquita, Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Laboratório de Fitopatologia; Marllon Darlan S. Almeida, Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Laboratório de Fitopatologia; Pedro L. B. Lacerda, Universidade Federal de Mato Grosso, Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária, Laboratório de Fitopatologia; Adriano Melo, Agrônomo Desenvolvimento de Mercado – Adama Brasil S/A; Danilo Silva, Agrônomo Desenvolvimento de Mercado – Adama Brasil S/A


Artigo publicado em dezembro de 2014, na edição 187 da Cultivar Grandes Culturas. 

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