Uso de fungicidas contra ferrugem asiática

Fungo causador da ferrugem asiática tem apresentado alterações em relação ao uso de fungicidas; é preciso estratégias para aplicação eficaz

06.07.2020 | 20:59 (UTC -3)

Ao longo dos anos o fungo Phakopsora pachyrhizi, causador da ferrugem asiática, tem apresentado alterações em relação a aplicação de fungicidas, com seleção de isolados menos sensíveis. Com este cenário desfavorável, prolongar a vida útil desses produtos através do uso racional e da adoção de boas práticas culturais se torna cada vez mais indispensável. Limitar a data de semeadura é uma das medidas para ajudar a atrasar a resistência e a perda de eficiência.

A ocorrência da ferrugem-asiática (Phakopsora pachyrhizi) da soja no Brasil trouxe diversas mudanças no sistema produtivo da cultura, sendo a mais acentuada a intensificação na utilização de fungicidas. Antes da ferrugem, esses produtos eram recomendados para o controle do oídio (Microsphaera diffusa), quando observados sintomas em plantas no campo, e para as doenças de final de ciclo (Septoria glycines e Cercospora kikuchii), durante a fase de formação e enchimento dos grãos. O oídio ocorre de forma esporádica, em condições de temperaturas amenas (20oC - 22oC) e baixa umidade relativa, havendo diferença de resistência entre as cultivares. As doenças de final de ciclo causam a desfolha precoce e a antecipação da colheita, com maiores danos em períodos úmidos e quentes. O dano máximo atribuído a essas doenças é de 20%, em situações favoráveis ao seu desenvolvimento. 

A mudança de cenário que ocorreu com a entrada do fungo P. pachyrhizi é atribuída ao alto potencial de dano dessa doença, que também causa desfolha precoce, porém podendo provocar até 80% de redução de produtividade. Além do alto potencial de dano, o fungo ocorre em praticamente todas as regiões produtoras de soja, com eficiente disseminação pelo vento e aumento de inóculo à medida que as semeaduras se sucedem. Para doenças com alto potencial de dano como a ferrugem, há uma correlação alta entre eficiência de fungicidas e produtividade. Desde 2003/04, ensaios em rede vêm sendo realizados por instituições públicas e privadas com o objetivo de comparar a eficiência de fungicidas para diferentes alvos biológicos. Testes de produtos para o controle do fungo P. pachyrhizi foram conduzidos em todas as safras desde o início. 

Lavoura de soja severamente atacada pela ferrugem-asiática Phakopsora pachyrhizi.
Lavoura de soja severamente atacada pela ferrugem-asiática Phakopsora pachyrhizi.

Nos ensaios realizados para o controle da ferrugem-asiática, na safra 2015/16, foram avaliados 17 fungicidas, sendo três deles incluídos para monitoramento da sensibilidade do fungo (T2 a T4), seis ainda em fase de registro (T12 a T15, T17 e T18) e os demais (T5 a T11 e T16) são misturas prontas de diferentes modos de ação (Tabela 1). Foram efetuadas aplicações sequenciais dos produtos, que começam no pré-fechamento e reaplicando em intervalos de 21 dias e 14 dias. As áreas para condução dos ensaios são semeadas tardiamente para aumentar a probabilidade de ocorrência da doença, em função do aumento de inóculo do fungo ao longo da safra. Os principais produtos registrados avaliados são misturas de fungicidas sítio-específicos, isto é, agem em pontos específicos do metabolismo do fungo, como os fungicidas inibidores da desmetilação (IDM, “triazóis”), que atuam inibindo a formação da membrana celular do fungo e representam ao redor de 70% dos fungicidas registrados para a ferrugem; os inibidores da quinona oxidase (IQo, “estrobilurinas”) e os inibidores da succinato hidrogenase (ISDH, “carboxamidas”), que agem inibindo a respiração do fungo.

Além da eficiência, os ensaios em rede têm permitido acompanhar a mudança de sensibilidade do fungo P. pachyrhizi aos fungicidas que vem ocorrendo ao longo dos anos. Essa alteração de sensibilidade é atribuída à seleção de isolados menos sensíveis, em consequência do uso intensivo de fungicidas.

Nos ensaios realizados em 2015/16, as maiores porcentagens de controle foram observadas para as misturas de picoxistrobina e azoxistrobina com benzovindiflupir (T18 - 78% e T11, 76%), seguido das misturas triplas de bixafen + protioconazol + trifloxistrobina (T17 - 71%) e piraclostrobina + epoxiconazol + fluxapiroxade (T16 – 69%), e da mistura de trifloxistrobina + protioconazol (T8 – 68%) (Tabela 1). As misturas prontas dos fungicidas picoxistrobina + tebuconazol com o multissítio mancozebe (T13) e azoxistrobina + tebuconazol + mancozebe (T14 e T15) apresentaram controle variando de 55% a 64%, sendo observada redução significativa de severidade com o aumento da dose da mistura azoxistrobina + tebuconazol + mancozebe (T14 e T15). A menor severidade dentre essas misturas foi observada para picoxistrobina + tebuconazol + mancozebe (T13).

O tratamento com tebuconazol apresentou a menor porcentagem de controle (T2 - 19%), seguido de azoxistrobina (T4 – 24%) e ciproconazol (T3 – 26%). A menor sensibilidade do fungo P. pachyrhizi aos fungicidas IDM (T2 e T3) e IQo (T4), confirmada por meio de bioensaios e estudos moleculares, comprometeu a eficiência dos ativos isolados (Figura 1) e das misturas de fungicidas com esses dois modos de ação.

Figura 1. Porcentagem de controle da ferrugem nos ensaios cooperativos nas safras: 2003/04 (11 ensaios), 2004/05 (20 ensaios), 2005/06 (15 ensaios), 2006/07 (10 ensaios), 2007/08 (7 ensaios), 2008/09 (23 ensaios), 2009/10 (15 ensaios), 2010/11 (11 ensaios), 2012/13 (21 ensaios), 2013/14 (16 ensaios), 2014/15 (21 ensaios) e 2015/16 (23 ensaios) em diferentes regiões produtoras no Brasil. TBZ – tebuconazol; CPZ – ciproconazol e AZ – azoxistrobina.
Figura 1. Porcentagem de controle da ferrugem nos ensaios cooperativos nas safras: 2003/04 (11 ensaios), 2004/05 (20 ensaios), 2005/06 (15 ensaios), 2006/07 (10 ensaios), 2007/08 (7 ensaios), 2008/09 (23 ensaios), 2009/10 (15 ensaios), 2010/11 (11 ensaios), 2012/13 (21 ensaios), 2013/14 (16 ensaios), 2014/15 (21 ensaios) e 2015/16 (23 ensaios) em diferentes regiões produtoras no Brasil. TBZ – tebuconazol; CPZ – ciproconazol e AZ – azoxistrobina.

Nos ensaios em rede os fungicidas são avaliados individualmente, em aplicações sequenciais, para determinar a eficiência de controle. Essas informações devem ser utilizadas na determinação de programas de controle, priorizando sempre a rotação de fungicidas com diferentes modos de ação e adequando os programas a época de semeadura. Aplicações sequenciais de fungicidas com um mesmo modo de ação podem selecionar indivíduos resistentes/ menos sensíveis, a exemplo do que aconteceu com os IDM e IQo.

Fungicidas multissítios foram avaliados quando a ferrugem foi relatada no Brasil. No entanto, em função da menor eficiência de controle comparado aos fungicidas IDM e misturas de IDM + IQo nesses testes, foram desconsiderados para o controle da ferrugem. Com a redução de eficiência dos IDM e das misturas de IDM + IQo, fungicidas multissítios têm sido registrados para o controle de doenças na soja e sua utilização aumentou na última safra em associação aos fungicidas sítio-específicos. Na safra 2014/15 foi iniciada a avaliação dos fungicidas multissítios para controle da ferrugem nos ensaios em rede, isolados e em combinações com fungicidas sítio-específicos.

Nos ensaios com multissítios isolados são realizadas cinco aplicações, iniciando no pré-fechamento e repetindo com intervalo médio de 10 dias entre as aplicações, para conhecer a eficiência individual de cada fungicida. Nos ensaios em rede da safra 2015/16, a porcentagem de controle dos melhores fungicidas multissítios variou de 56% a 67% em relação ao tratamento testemunha (Tabela 2), sendo inferior ao tratamento com o fungicida sítio-especifico azoxistrobina + benzovindiflupir, com três aplicações. Os fungicidas multissítios têm sido considerados como uma ferramenta importante em programas de manejo da ferrugem na soja, por aumentarem a eficiência de controle dos fungicidas com problemas de resistência, podendo atrasar o aparecimento nos que ainda não apresentam.

Além dos ensaios com os produtos isolados, outros com fungicidas multissítios em combinação com fungicidas sítio-específicos foram realizados em 2014/15 e 2015/16. De forma geral, o aumento de eficiência do fungicida sítio-específico em combinação com o multissítio é maior quanto menor a eficiência do sítio-específico isolado, mas nem sempre suficiente para um controle eficiente da doença. A dose do fungicida multissítio é importante para obter os resultados observados nos ensaios em rede e há interação entre o fungicida sítio-específico e o fungicida multissítio, devendo ser evitadas generalizações. Os fungicidas multissítios podem ser uma ferramenta importante em programas de manejo da ferrugem-asiática na soja, sendo necessário o registro no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a sua utilização.

Embora os fungicidas representem uma importante ferramenta de controle, todas as estratégias de manejo devem ser utilizadas para evitar reduções de produtividade com a ferrugem, envolvendo a utilização de cultivares de ciclo precoce e semeaduras no início da época recomendada; a eliminação de plantas de soja voluntárias e a ausência de cultivo de soja na entressafra (vazio sanitário); o monitoramento da lavoura desde o início do desenvolvimento da cultura; o emprego de fungicidas preventivamente ou no aparecimento dos sintomas e a utilização de cultivares com gene(s) de resistência. As cultivares com gene(s) de resistência apresentam lesões com menor quantidade de esporos e não dispensam a utilização de fungicidas. São ferramentas importantes de manejo e podem ajudar a reduzir a pressão de seleção sobre os fungicidas, mas, como apresentam um ou no máximo dois genes de resistência, o fungo pode vencer essa resistência de forma semelhante ao que ocorre com os fungicidas. A semeadura no início da época recomendada é uma das principais estratégias para escapar da doença, uma vez que o fungo começa sua multiplicação após o período do vazio sanitário.

Pelos resultados dos ensaios em rede pode-se observar que há um número limitado de fungicidas com boa eficiência de controle para ferrugem e os novos fungicidas, em fase de registro, são novas combinações dos modos de ação já disponíveis no mercado ou associações com fungicidas multissítios. O grande risco é que não há nenhum modo de ação novo para entrar no mercado nos próximos anos. Por ser um processo natural, é grande a probabilidade de que a resistência à maioria dos novos fungicidas (ISDH) ocorra. No entanto, a vida útil desses produtos pode ser prolongada com o uso racional e a adoção de boas práticas culturais.

Uma das formas de reduzir a pressão de seleção para resistência é limitar o número de aplicações de fungicidas na cultura. Como o aumento na necessidade de utilização de fungicidas ocorre com o avanço na época de semeadura, a definição de datas-limites de semeadura pode contribuir para a redução do número de aplicações. Instruções normativas têm sido propostas limitando a data de semeadura para reduzir a pressão de seleção para resistência. Os estados de Goiás, do Mato Grosso e do Paraná limitaram a semeadura da soja até 31 de dezembro. O objetivo é reduzir as semeaduras que necessitam de maior número de aplicações para atrasar a resistência aos fungicidas ISDH. Essas semeaduras após janeiro representaram menos de 1% da área de soja no Brasil. No entanto, o uso intensivo de fungicidas nessas áreas pode acelerar a perda de eficiência dos fungicidas.

Os resultados apresentados só foram possíveis com o trabalho conjunto de diversas instituições de pesquisa, que integram o Consórcio Antiferrugem. Os resultados completos dos ensaios em rede podem ser acessados no site da Embrapa Soja (www.embrapa.br/soja).


Cláudia V. Godoy, Maurício C. Meyer, Embrapa soja; Carlos M. Utiamada, Tagro; Hercules D. Campos, UniRV

 

Artigo publicado na edição 208 da Cultivar Grandes Culturas.

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