Prevenção e manejo de nematoide em soja
Medidas integradas, como o manejo adequado do solo e ações preventivas para evitar o problema são formas de controle essenciais
Controlar nematoides em soja é fundamental no modelo agrícola brasileiro, principalmente por ser o algodoeiro a cultura sucessora mais utilizada. Enfrentar esses minúsculos organismos, inimigos ocultos das lavouras, exige ações integradas e não apenas a adoção de uma única medida isolada. Neste contexto o tratamento químico de sementes é uma prática complementar vantajosa, pois além de combater nematoides também é eficaz contra outras pragas iniciais que limitam a cultura.
Os nematoides causam perdas expressivas à cotonicultura em todo mundo e as espécies que causam danos à cultura podem variar de região para região. No Brasil, Meloidogyne incognita, raças 3 e 4 (nematoide de galha), Rotylenchulus reniformis (nematoide reniforme) e Pratylenchus brachyurus (nematoide das lesões radiculares) são as espécies que causam prejuízos à cotonicultura. Os sintomas dos danos causados por esses nematoides estão ilustrados nas Figuras 1, 2 e 3, respectivamente.
Essas mesmas espécies, mais Meloidogyne javanica (outro nematoide de galha) e Heterodera glycines (o nematoide de cisto da soja) são os nematoides que causam danos à soja no Brasil. Considerando que todo produtor de algodão também planta soja nas mesmas áreas, em geral antecedendo o cultivo do algodoeiro, deduz-se que se todos eles controlassem criteriosamente esses nematoides na soja, a cultura do algodoeiro que viria em seguida não sofreria danos. Ao contrário de outras pragas e doenças, não há medidas de controle dos nematoides na cultura atual, para o caso das culturas de ciclo curto, depois que os sintomas se manifestam. Sendo assim, o controle dos nematoides na cultura do algodoeiro deve ser praticado na cultura da soja que a antecede. Entre as práticas que poderiam ser adotadas, recomenda-se efetuar o semeio de dez covas de algodão sabidamente suscetível nas reboleiras da soja, geograficamente bem distribuídas na lavoura, tão logo se perceba os sintomas na parte aérea das plantas e presença de galhas nas raízes (Figura 4). Depois de duas a três semanas após a emergência, essas plantas de algodão deveriam ser examinadas quanto à presença de galhas. Se não houver presença de galhas nas raízes, esse fato indicaria que a espécie presente poderia ser M. javanica ou outra espécie que não infecte o algodoeiro ou a raça 1 ou 2 de M. incognita, que também não infecta essa cultura e, portanto, quando essa cultura fosse plantada, não estaria sob risco de ocorrência de danos causados por M. incognita. Ao contrário, se as plantas de algodão semeadas nas reboleiras exibissem galhas, isso indicaria que o nematoide presente seria a raça 3 ou 4 de M. incógnita, que é único nematoide de galha que infecta o algodoeiro no País e o de maior importância econômica para a cultura. Por conseguinte, o semeio a lanço de Crotalaria spectabilis sobre as reboleiras, seguido de capina das plantas de soja com sintomas, propiciaria a redução da população da praga no solo, durante o ciclo da soja, de modo que a cultura do algodoeiro que viria em seguida não sofreria dano. A capina das plantas de soja infectadas nas reboleiras, mecânica ou manualmente, é necessária para promover o indispensável enterro das sementes de crotalária e a eliminação do hospedeiro.
Quando a soja exibe numerosas reboleiras causadas por M. incognita, raça 3 ou 4 em um talhão ou parte dele, a equipe da fazenda há de tomar uma decisão. Uma delas seria não se plantar algodão nessa parte ou no talhão todo, dependendo da extensão da área infestada no talhão. Em vez disso, seria feito o semeio de Crotalaria spectabilis a lanço ou em linha (25kg a 30kg de sementes/ha) com a semeadora de arroz ou trigo (linhas espaçadas de até 20cm). A C. spectabilis é igualmente efetiva contra todos os nematoides das culturas brasileiras. Por isso, o semeio de C. spectabilis sobre reboleiras causadas por P. brachyurus ou por R. reniformis também pode ser uma prática de manejo efetiva para esses nematoides. Se, mesmo assim, ainda houver reboleiras na cultura do algodão, a remoção dessas como anteriormente descrito beneficiará a cultura subsequente e, se praticada sistematicamente, aliada a outras práticas de manejo que serão discutidas a seguir, pode propiciar a eliminação das perdas por nematoides na fazenda.
Em verdade, até os anos da década de 1970, o uso de nematicidas foi a prática de controle de nematoides mais enfatizada (Controle Químico). Nos anos 1980, foi introduzido o conceito de Manejo Integrado de Pragas. O controle químico ainda era praticado, mas apenas nas reboleiras e não em toda área como na situação anterior. Chegando-se aos anos da década de 1990, o conceito do Manejo Integrado da Cultura foi introduzido. Na verdade, houve uma mudança no foco. Mirou-se a cultura e não a praga. Os meios culturais, tais como a rotação de culturas e variedades resistentes, eram o foco central no controle das populações de nematoides, embora, com ênfase muito menor que antes, ainda se utilizassem as outras práticas, inclusive a aplicação de nematicidas. Mais para o final do século passado e início do século 21, os Sistemas Biológicos foram enfatizados. Não se pretendia mais fazer uso de produtos químicos, apesar de continuarem em uso. Foi nesse período que a Agricultura Orgânica recebeu maior ênfase. Poucos anos depois se introduziu o conceito do Manejo Natural de Pragas que ainda vigora. Dentro desse novo enfoque, busca-se o manejo das populações dos nematoides com uma combinação de práticas e não com apenas uma delas. Assim, a adoção da quarentena pode ser uma prática efetiva no controle de nematoides, já que esses não se movem no solo de uma área para outra. Portanto, o transporte de máquinas de uma área infestada para outra deve ser precedido da lavagem cuidadosa de pneus e outras partes que possam transportar solo infestado.
A proteção de margens das estradas com uma linha de plantadeira de milheto resistente aos nematoides pode ser outra prática relevante para ser somada às anteriormente mencionadas. Inclusive, o perfilhamento das plantas de milheto é uma característica que constitui uma vantagem do milheto sobre a crotalária, nesse caso. Entretanto, nas margens das rodovias, a C. spectabilis pode ser mais vantajosa, pois, além de propiciar a prevenção contra a infestação das áreas da fazenda por nematoides transportados em máquinas e veículos, em função do seu antagonismo, a largura das faixas marginais das rodovias que podem ser utilizadas para plantio da crotalária também contribui para aumentar a eficácia dessa prática. Além disso, as sementes produzidas nessas faixas podem ser plantadas nas áreas internas da fazenda, representando significativa economia.
A rotação/sucessão de culturas com variedades de soja ou de milho resistentes aos nematoides do algodoeiro também constitui uma prática importante para ser utilizada em combinação às já mencionadas. As cultivares de milho 20A78 Hx, 30A91 PW e Somma são tidas como resistentes a M. incognita, M. javanica e P. brachyurus, enquanto as cultivares 30A95 PW e GNZ 2005 são resistentes a M. javanica e P. brachyurus. Em soja, a cultivar TMG 1182RR é tida como resistente a M. incognita e M. javanica. O plantio de um material resistente antecedendo um suscetível, certamente contribui para a redução da população da praga no solo. Entretanto, na ausência de hospedeiro, os nematoides de galha sobrevivem no solo por até 11 meses. Na prática, embora, um estudo criterioso não tenha sido feito, aplicou-se essa informação também a P. brachyurus. Isso indica que as cultivares de soja, cada vez mais precoces, ainda que resistentes, não reduzirão a população dessas pragas no solo ao ponto de evitar danos à cultura subsequente de algodão. Por essa razão, mesmo quando uma cultura resistente antecede uma suscetível é necessário que outras práticas de manejo sejam também utilizadas para complementar o controle. Além disso, não se deve negligenciar o papel das plantas daninhas como hospedeiras dos nematoides.
O tratamento químico das sementes para o controle de nematoides ou mesmo o tratamento químico do solo, ao menos nos talhões ou partes deles onde se observou que a infestação foi mais severa, pode ser uma prática complementar muito vantajosa. Especialmente quando se considera que essa prática, também, proporciona o controle de outras pragas iniciais da cultura.
Na prática, o manejo de nematoides deve ser considerado em todo o sistema produtivo da fazenda e não em uma dada cultura que está no campo. Assim, é na soja que antecede o algodoeiro que a atenção deve ser redobrada para se obter o manejo adequado dos nematoides do algodão. Ao final, a destruição da soqueira do algodão o mais cedo possível contribui para o manejo dos nematoides na área. É por essa razão que a cultura do sorgo aumenta consideravelmente os ricos de perdas causadas por nematoides na fazenda, haja vista que a soqueira das plantas não morre e, sendo um bom hospedeiro de M. incognita e P. brachyurus, propiciam aumentos expressivos das populações dos nematoides no solo. É imprescindível, pois, que a destruição das soqueiras do sorgo também seja efetuada o mais breve possível.
Jaime Maia dos Santos, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho/Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Departamento de Fitossanidade, Laboratório de Nematologia, Campus de Jaboticabal
Artigo publicado na edição 194 da Cultivar Grandes Culturas.
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