Tecnologia de RNA na agricultura: uma nova fronteira para o manejo de pragas

Por Giuvan Lenz, diretor de Desenvolvimento de Produto na GreenLight Biosciences

21.10.2025 | 14:49 (UTC -3)

O ácido ribonucleico (RNA) é uma molécula biológica presente em praticamente todos os organismos vivos, incluindo plantas, animais, fungos e outros microrganismos. Sua função central está relacionada à expressão gênica, atuando como intermediário entre o DNA e a maquinaria síntese de proteínas essenciais à manutenção dos processos vitais. Nos últimos anos, avanços em biotecnologia têm permitido explorar o RNA como ferramenta para o manejo agrícola, especialmente por meio do uso de RNA de interferência (RNAi). Essa abordagem possibilita o silenciamento direcionado de genes específicos em organismos de interesse fitossanitário, como insetos-praga, patógenos e plantas daninhas, o que representa uma alternativa de alta precisão e baixo impacto ambiental em comparação aos defensivos químicos convencionais.

Fundamentos da tecnologia de RNAi

A interferência por RNA baseia-se na pulverização de moléculas de RNA de fita dupla (dsRNA) que apresentam sequências complementares a um gene essencial do organismo-alvo. Uma vez internalizado, o dsRNA é reconhecido pelo sistema celular de silenciamento gênico, que direciona a degradação do RNA mensageiro correspondente, impedindo a síntese da proteína associada. A ausência dessa proteína compromete funções vitais do organismo, levando à sua morte. A principal característica dessa tecnologia é a elevada especificidade, uma vez que as sequências são projetadas para interagir exclusivamente com o gene-alvo, eliminando riscos para organismos não-alvo, incluindo polinizadores, inimigos naturais e vertebrados.

Além da seletividade, o RNA apresenta vantagens ambientais relevantes. Trata-se de uma molécula natural e biodegradável, rapidamente degradada pelo ambiente e microorganismos presentes no solo e na água. Essa característica reduz a possibilidade de acúmulo de resíduos persistentes no ambiente ou nos alimentos, atendendo às exigências de mercados que demandam práticas agrícolas sustentáveis e seguras.

Aplicações e benefícios

A tecnologia de RNA pode ser aplicada no controle de diferentes classes de organismos prejudiciais à agricultura, incluindo insetos-praga de importância econômica, patógenose plantas daninhas. Sua eficácia é comparável à de defensivos químicos tradicionais, porém com vantagens adicionais, como a preservação da biodiversidade, o aumento da segurança e a redução do impacto ambiental. A flexibilidade de desenvolvimento permite criar sequências altamente específicas ou de espectro mais amplo, conforme a necessidade de manejo.

Outro aspecto relevante é a contribuição para o manejo da resistência. Por apresentar um novo modo de ação, classificado pelo Comitê de Ação à Resistência de Inseticidas (IRAC) no Grupo 35 — supressores direcionados mediados por RNAi —, essa tecnologia pode ser utilizada em programas de manejo integrado de pragas, retardando a seleção de populações resistentes.

Desafios técnicos e comerciais

Apesar do elevado potencial, a adoção em larga escala da tecnologia de RNA enfrenta desafios técnicos e de mercado. A estabilidade da molécula no ambiente agrícola é um dos principais entraves, uma vez que o RNA é naturalmente instável e se degrada rapidamente quando exposto a condições ambientais adversas. Por isso, empresas como a GreenLight Biosciences desenvolvem formulações e sistemas de entrega capazes de proteger a molécula até que atinja o organismo-alvo, fator fundamental para garantir sua eficácia.

Outro desafio está relacionado à eficiência de penetração e absorção pelo organismo-alvo, etapa crítica para que o RNA alcance o gene a ser silenciado. Além disso, a produção em escala industrial requer processos economicamente viáveis e com padrões de qualidade consistentes, o que demanda investimentos em tecnologia de fabricação.

No campo regulatório, a novidade da tecnologia exige a elaboração de estudos específicos que assegurem a segurança e a eficácia dos produtos, além de estratégias de comunicação científica que promovam a aceitação por parte de produtores, consumidores e órgãos reguladores. A GreenLight Biosciences já avançou significativamente nesses aspectos, sendo atualmente a única com dois produtos comerciais à base de RNA disponíveis no mercado. O Calantha, que contém o ingrediente ativo ledprona, foi desenvolvido para o controle do besouro-da-batata-do-colorado (Leptinotarsa decemlineata), atuando de forma específica sobre o inseto e interrompendo processos vitais para sua sobrevivência. O Norroa, por sua vez, incorpora o ingrediente ativo vadescana e é destinado ao manejo do ácaro varroa (Varroa destructor), praga de grande impacto na apicultura, agindo de maneira direcionada para interromper seu ciclo reprodutivo. Em conjunto, essas soluções posicionam a GreenLight Biosciences como líder global no desenvolvimento de tecnologias de alta precisão e comprovada segurança ambiental.

Perspectivas de mercado

No Brasil, a tecnologia com o uso do RNA de interferência (RNAi) ainda é inédita, mas encontra um cenário altamente favorável para adoção. O produtor brasileiro, reconhecido internacionalmente pela rápida incorporação de inovações e pelo interesse crescente em soluções sustentáveis, tem demonstrado abertura para ferramentas biotecnológicas avançadas, como evidenciado pelo crescimento do mercado de defensivos biológicos. Com seu potencial para controle direcionado de pragas, doenças e plantas daninhas, aliado à segurança ambiental e à contribuição para o manejo da resistência, o RNAi desponta como componente estratégico para programas de manejo integrado. O avanço em formulação, produção e regulamentação cria condições para que o Brasil assuma protagonismo global na implementação dessa tecnologia, fortalecendo a transição para sistemas agrícolas mais eficientes, competitivos e ambientalmente responsáveis.

*Por Giuvan Lenz, engenheiro agrônomo com mestrado em Fitopatologia pela Universidade Federal de Santa Maria, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas e diretor de Desenvolvimento de Produto na GreenLight Biosciences

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