Agricultura da Informação
Por Márcio Albuquerquel, engenheiro, diretor da Falker e membro da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão
Os problemas fitossanitários da soja podem reduzir drasticamente a produtividade, sendo os principais agentes biológicos que causam estresses na cultura as pragas, doenças e plantas daninhas, que isoladamente ou em conjunto, podem causar até 100% de perdas na produção de grãos, dependendo da intensidade de ataque e do estádio em que estes organismos ocorrem durante o desenvolvimento da lavoura.
A soja pode ser atacada por pragas desde a emergência das plantas até a fase de maturação fisiológica. Os problemas iniciam-se com a presença de lagartas na cobertura vegetal a ser dessecada e os insetos de solo, seguidos pelas pragas de superfície que atacam especialmente as plântulas.
Em seguida vêm os besouros e as lagartas que se alimentam de folhas, flores e até mesmo de vagens e, finalmente, os insetos sugadores (percevejos, mosca-branca e ácaros), que atacam as folhas ou os grãos em formação. As doenças também ocorrem desde a emergência das plantas até a fase de enchimento de grãos. As iniciais, causadas por fungos de solo, têm poder para reduzir a população de plantas, apodrecendo as sementes antes da germinação ou causando a morte das plântulas, resultando, muitas vezes, em necessidade de ressemeadura.
Diversas doenças da parte aérea, causadas por fungos, bactérias e vírus, podem afetar a produção de soja, com perdas anuais estimadas de 15% a 20% e, na ausência de medidas de controle, podendo chegar a 100%. As plantas daninhas têm capacidade para causar perdas tanto na produtividade como na qualidade do produto final. As perdas médias de produtividade são estimadas em 25% no Brasil, sendo que a intensidade depende da densidade das infestações, da época em que ocorrem e dos períodos de convivência entre as plantas daninhas e a cultura.
O manejo integrado de pragas, doenças e de plantas daninhas não tem sido adequadamente utilizado pelos produtores de soja do Brasil. A aplicação demasiada de inseticidas, fungicidas e herbicidas na cultura da soja tem causado desequilíbrios biológicos nas lavouras, além do aumento do custo de produção e da contaminação do ambiente. Dessa forma, há uma necessidade urgente de se desenvolver e avaliar novas estratégias e modelos de manejo fitossanitário na cultura com o objetivo de resgatar o manejo integrado. Na safra 2012/2013 realizou-se o controle de pragas, doenças e plantas daninhas em uma área de cultivo de soja no estado de Mato Grosso do Sul, empregando-se os princípios do manejo integrado.
As glebas de cultivo de soja em que o manejo fitossanitário foi implementado totalizaram 282 hectares, sendo 172 hectares pertencentes à área denominada Esperança e 110 hectares à outra denominada Janaína, ambas situadas no município de Amambai, Mato Grosso do Sul. A semeadura da soja na área Esperança foi realizada em 27/9/2012 e na área Janaína, em 29/9/2012. Em ambas as áreas foi semeada a cultivar BRS 284 na densidade de 14 sementes por metro, com adubação de 120kg/ha de Monoamônio Fosfato (MAP) na linha acrescida de 100kg/ha de cloreto de potássio (KCl) aplicado em cobertura aos 25 dias após a emergência das plantas. As sementes de soja foram tratadas com fungicidas comerciais e com inoculante.
Nas duas áreas de manejo foram constatadas lagartas das espécies Chrysodeixis includens (falsa-medideira) e Anticarsia gemmatalis (lagarta-da-soja). O pico populacional observado tanto de lagartas grandes como de lagartas pequenas, em ambas as áreas de manejo, ocorreu em 13 de outubro de 2012, ocasião em que foi realizada a primeira pulverização de inseticida na cultura da soja nos dois ambientes de manejo.
Após a primeira pulverização, verificou-se que a densidade populacional tanto de lagartas grandes como de pequenas foi expressivamente reduzida (Figuras 1 e 2), sendo constatados níveis populacionais próximos de zero nas duas avaliações consecutivas à pulverização. Após esse período, a população de lagartas (grandes e pequenas) permaneceu baixa nas duas áreas, não demandando outras pulverizações.
Figura 1 - Número médio de lagartas desfolhadoras pequenas e grandes/pano de batida ao longo do período de avaliação na área Esperança, em Amambai (MS), safra 2012/2013
Seta em vermelho indica o momento da aplicação de inseticida para o controle de lagartas na cultura.
Figura 2 - Número médio de lagartas desfolhadoras pequenas e grandes/pano de batida ao longo do período de avaliação na área Janaína, em Amambai (MS), safra 2012/2013
Seta em vermelho indica o momento da aplicação de inseticida para o controle de lagartas na cultura.
Foram constatados dois picos populacionais de percevejos fitófagos, nas duas áreas (Figuras 3 e 4). Na área Esperança, os picos foram verificados em 20/11/2012 e 3/1/2013 (Figura 3), e na área Janaína, em 20/11/2012 e 27/12/2012 (Figura 4). Após a constatação de cada pico, foi realizada a aplicação de inseticida. Depois das pulverizações,
as densidades populacionais de percevejos foram reduzidas para menos de 0,5 percevejo/pano de batida. O segundo pico populacional do percevejo foi superior ao primeiro e após a segunda pulverização, a população do inseto caiu drasticamente nas duas áreas de manejo e em poucos dias a soja atingiu o estádio de maturação fisiológica (R6), a partir do qual as plantas não são mais suscetíveis ao ataque da praga.
Figura 3 - Número médio de percevejos/pano de batida ao longo do período de avaliação na área Esperança, em Amambai (MS), safra 2012/2013.
Setas em vermelho indicam o momento das aplicações de inseticidas na cultura para o controle de percevejos.
Figura 4 - Número médio de percevejos/pano de batida ao longo do período de avaliação na área Janaína, em Amambai (MS). Safra 2012/2013
Setas em vermelho indicam o momento das aplicações de inseticidas na cultura para o controle de percevejos.
Nas duas áreas foram constatadas também altas densidades populacionais de predadores durante o período das amostragens (Figuras 5 e 6). Os predadores observados nas áreas foram representados por aranhas (39,8%), Geocoris sp. (56,6%) e Tropiconabis sp. (3,6%). Após a pulverização dos inseticidas para lagartas, a densidade populacional de predadores não foi reduzida (Figura 6). No entanto, quando foram aplicados os inseticidas para o controle de percevejos, as densidades populacionais de predadores foram drasticamente diminuídas na cultura da soja para as duas épocas de pulverização e nos dois ambientes de manejo. A utilização de inseticidas seletivos para o controle de lagartas nos estádios iniciais de desenvolvimento da soja é de fundamental importância para o sucesso do manejo integrado na cultura. Essa atitude favorece o estabelecimento e o desenvolvimento dos inimigos naturais no agroecossistema.
O controle de pragas na soja transcorreu de maneira eficaz e econômica, pois o combate de lagartas foi concluído empregando-se apenas uma aplicação de inseticida na cultura, enquanto que para o manejo de percevejo foram necessárias duas aplicações, totalizando apenas três aplicações para manejo dessas pragas. Tradicionalmente, um número bem maior de pulverizações tem sido realizado para o controle de pragas na cultura da soja, especialmente em áreas onde o manejo integrado não é empregado. Os resultados deste monitoramento podem ser modelo para ações de transferência de tecnologia sobre manejo de pragas da soja. O monitoramento e a correta tomada de decisão podem proporcionar consequências desejáveis do ponto de vista econômico, ecológico e social.
Figura 5 - Número total de predadores (em 20 batidas de pano) observados ao longo do período de avaliação na área Esperança, em Amambai (MS), safra 2012/2013
Setas verde e vermelha indicam o momento das aplicações de inseticidas na cultura para o controle de lagartas e percevejos, respectivamente.
Figura 6 - Número total de predadores (em 12 batidas de pano) observados ao longo do período de avaliação na área Janaína, em Amambai (MS), safra 2012/2013
Setas verde e vermelha indicam o momento das aplicações de inseticidas na cultura para o controle de lagartas e percevejos, respectivamente.
2. Monitoramento e manejo de doenças iniciais e tardias
Durante o monitoramento até os 30 dias após a semeadura, não foi observada a incidência de doenças nas plantas de soja. Isso se deve provavelmente a dois fatores: eficiência do fungicida utilizado no tratamento de sementes e ausência ou baixa população no solo dos patógenos envolvidos no complexo das doenças iniciais da soja.
Não foi observado crescimento de patógenos nos cotilédones coletados no campo, indicando assim que as lesões observadas nos cotilédones eram provenientes de dano mecânico ou de outros fatores que não a incidência de doenças. Quando as plantas encontravam-se no estádio R2 (pleno florescimento), observou-se severidade de mancha-parda entre 10% e 15% nas folhas do terço inferior, em parte da área denominada Esperança. Segundo o produtor, naquela área a fertilidade do solo é menor que nas demais avaliadas. Desequilíbrios nutricionais e baixa fertilidade podem tornar as plantas mais suscetíveis a esta doença. Nessa ocasião, recomendou-se a aplicação de fungicida para o controle da doença somente na área de menor fertilidade, para evitar excessiva queda de folhas e posterior abortamento de flores e vagens. Foram utilizados dois fungicidas distintos, em faixas alternadas, sendo ambos eficientes no controle da doença.
A próxima intervenção para controle de doenças foi realizada quando as plantas encontravam-se no estádio R5.2 de desenvolvimento, com misturas formuladas de fungicidas. Os fatores que motivaram a aplicação do fungicida foram: a) ressurgência da mancha-parda em toda a área, com severidade próxima de 10% nas folhas do terço inferior das plantas; b) relatos de ocorrência de ferrugem-asiática em lavouras em municípios próximos; c) a aplicação de fungicidas promoveria proteção das plantas contra doenças aproximadamente até o final do enchimento de grãos; d) previsão de normalização das chuvas nos dias subsequentes.
A última avaliação realizada antes dessa aplicação de fungicida foi em 11 de dezembro, com as plantas em R5.1. Já se contavam 13 dias desde a última chuva na lavoura e as plantas começavam a apresentar sintomas de murcha. Assim, recomendou-se a aplicação de fungicida após a próxima chuva, sendo realizada em 19 de dezembro, com as plantas no estádio R5.2.
O monitoramento da lavoura continuou em intervalos semanais, até o estádio R5.5. Não foi observada incidência da ferrugem-asiática até esta fase de desenvolvimento e a mancha-parda foi mantida sob controle. No estádio R5.3 observaram-se sintomas esparsos de mancha-alvo e antracnose em folhas, na área de maior fertilidade, denominada Janaína. Os sintomas não evoluíram até o estádio R5.5 e nenhum sinal da doença nas vagens foi observado.
Após a última avaliação da lavoura, o produtor foi orientado a não realizar mais nenhuma aplicação de fungicida na área monitorada, pois a formação dos grãos já estava concluída e as folhas e vagens apresentavam aspecto saudável.
Monitoramento e manejo de plantas daninhas
As áreas avaliadas foram sempre cultivadas com soja convencional em sistema de integração lavoura-pecuária, com ciclo de dois anos. Antes da semeadura, a área total foi dessecada. A avaliação de ocorrência de plantas daninhas foi realizada na pós-emergência inicial da cultura.
A análise de nível de infestação (Figuras 7 e 8) indicou nível médio de ocorrência de plantas daninhas. A análise de superfície (Figura 7) apontou nível de infestação equivalente entre as áreas, exceto para Esperança 1. A análise do banco de sementes, por outro lado, constatou que as áreas Janaína 1 e 2 apresentaram maior potencial de infestação (Figura 8), o que pode demandar manejo mais apurado das plantas daninhas nesta área devido à alta habilidade de reinfestação a partir do banco de sementes do solo.
Figura 7 - Número e massa seca de plantas daninhas em função da área avaliada, com base na avaliação de superfície na pós-emergência inicial da cultura da soja convencional | Figura 8 - Número e massa seca de plantas daninhas em função da área avaliada, com base no estudo do banco de sementes do solo, coletado na pós-emergência inicial da cultura da soja convencional. |
Figura 7 - Número e massa seca de plantas daninhas em função da área avaliada, com base na avaliação de superfície na pós-emergência inicial da cultura da soja convencional
Figura 8 - Número e massa seca de plantas daninhas em função da área avaliada, com base no estudo do banco de sementes do solo, coletado na pós-emergência inicial da cultura da soja convencional.
O levantamento de ocorrência de plantas daninhas feito no campo (Figura 7) foi decomposto por espécie daninha, sendo apresentados os Valores de Importância de Infestação (V.I.%) na Tabela 1. O V.I.% considera o potencial da espécie de produzir descendentes e ocupar a lavoura (abundância da espécie), a sua distribuição relativa na área de cultivo (frequência) e a capacidade dos indivíduos da espécie de acumular massa seca e dominar as plantas das demais espécies (dominância).
Nas áreas “Janaína" (1 e 2), as duas espécies daninhas mais importantes foram o caruru (Amaranthus retroflexus) e o capim-amargoso (Digitaria insularis). Nas áreas Esperança (1 e 2), no entanto, o caruru foi substituído pelo picão-preto (Bidens pilosa), que ao lado do capim-amargoso ocupou posição de destaque quanto à importância de infestação (Tabela 1). O picão-preto foi responsável por até 49% da infestação na área Esperança 1, o que, aliado ao maior nível de infestação desta área (Figura 7), indica necessidade de integração de métodos de controle, aliada à aplicação de herbicidas para reduzir a ocorrência desta espécie.
Tabela 1 - Valor de Importância (V.I.%) de espécies daninhas constatadas na avaliação de superfície por ocasião da avaliação em pós-emergência inicial da cultura da soja convencional, no município de Amambai (MS)
Janaína 1 | Janaína 2 | Esperança 1 | Esperança 2 | |
Espécie | Levantamentos de superfície (V.I.%) | |||
Amaranthus retroflexus | 30,8 | 26,23 | 2,13 | 1,74 |
Amaranthus viridis | 0 | 1,56 | 0 | 0 |
Avena sativa | 0 | 0 | 0 | 6,33 |
Bidens pilosa | 9,58 | 24,15 | 49,57 | 34,16 |
Conyza bonariensis | 0 | 0 | 1,7 | 17,56 |
Digitaria insularis | 31,85 | 30,25 | 35,23 | 33,35 |
Eleusine indica | 0 | 0 | 4,21 | 0 |
Euphorbia heterophylla | 5,11 | 8,52 | 4,85 | 0 |
Ipomoea spp. | 19,06 | 3,54 | 0 | 0 |
Richardia brasiliensis | 0 | 0 | 2,31 | 6,86 |
Sida spp. | 3,6 | 5,73 | 0 | 0 |
Janaína 1
Janaína 2
Esperança 1
Esperança 2
Espécie
Levantamentos de superfície (V.I.%)
Amaranthus retroflexus
30,8
26,23
2,13
1,74
Amaranthus viridis
0
1,56
0
0
Avena sativa
0
0
0
6,33
Bidens pilosa
9,58
24,15
49,57
34,16
Conyza bonariensis
0
0
1,7
17,56
Digitaria insularis
31,85
30,25
35,23
33,35
Eleusine indica
0
0
4,21
0
Euphorbia heterophylla
5,11
8,52
4,85
0
Ipomoea spp.
19,06
3,54
0
0
Richardia brasiliensis
0
0
2,31
6,86
Sida spp.
3,6
5,73
0
0
NOTA: células marcadas com fundo colorido (██) indicam as espécies daninhas mais importantes em cada área avaliada, com base nos seus valores de importância (V.I.%).
As análises de similaridade indicaram semelhança de 86% na composição de espécies daninhas para as áreas Janaína 1 e 2, enquanto Esperança 1 e 2 foram agrupadas à parte, com 63% de semelhança na composição da infestação (Figura 9). O manejo de cada área está selecionando determinadas espécies daninhas, que passam a predominar na área por estarem adaptadas ao sistema de manejo adotado. No entanto, o manejo adotado nos últimos anos pelo produtor foi suficientemente diversificado e sustentável para eliminar algumas das espécies daninhas da área.
Figura 9 - Análise multivariada de agrupamento de áreas por similaridade de infestação, com base na avaliação de superfície, pelo método UPGMA e coeficiente de Jaccard. Coeficiente de correlação cofenética: 0,87 |
Figura 9 - Análise multivariada de agrupamento de áreas por similaridade de infestação, com base na avaliação de superfície, pelo método UPGMA e coeficiente de Jaccard. Coeficiente de correlação cofenética: 0,87
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Por Márcio Albuquerquel, engenheiro, diretor da Falker e membro da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão
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