Resíduos de glifosato em grãos de café

Por Luiz Lonardoni Foloni, engenheiro agrônomo

16.05.2025 | 10:51 (UTC -3)

O Brasil se destaca como o maior produtor e exportador mundial de café, com uma produção no ano-cafeeiro 2024, incluindo o somatório das espécies de Coffea arabica (café arábica) e de Coffea canephora (robusta+conilon), atingiu o volume físico equivalente a 54,21 milhões de sacas de 60kg beneficiadas. Produzidas numa área de 1,88 milhão de hectares. Coffea arabica totalizou o equivalente a 39,59 milhões de sacas de 60kg, as quais correspondem a 73,03% da produção nacional. Coffea canephora, atingiu o equivalente a 14,61 milhões de sacas de 60kg, correspondente a 26,97% do somatório da safra total brasileira das duas espécies.

A cafeicultura se destaca como uma atividade econômica de alto valor agregado, que gera renda e empregos mesmo em pequenas propriedades e terrenos montanhosos. Para manter a competitividade, os produtores precisam investir em produtividade, controle de custos e boas práticas agrícolas.

Um dos principais desafios é o controle de plantas daninhas, que pode impactar a produtividade em mais de 40%. Embora existam alternativas como a roçada, o glifosato ainda é o herbicida mais utilizado e destaca-se por sua capacidade de controlar espécies de folhas largas e estreitas e por sua toxicidade relativamente baixa e custo-efetividade favorável.

Para manter práticas sustentáveis, a Plataforma Global do Café do Brasil (GCP-Brasil) estabeleceu um limite de três aplicações de glifosato anualmente: a primeira após o início da estação chuvosa em outubro, a segunda em novembro-dezembro e a terceira em março.

No sudeste brasileiro, o cafeeiro passa por diferentes estágios ao longo do ano: brotação (agosto-setembro), floração e frutificação (outubro a março), arruação ou amontoa (abril-maio) e colheita (junho-julho). As aplicações de glifosato, com doses entre 480 a 2.880 g ingrediente ativo/ha (entre 1,0 a 6,0 L/ha do produto comercial Roundup), têm como alvo as plantas daninhas emergidas entre as linhas e dentro das linhas da cultura, desde a esparramação até a frutificação.

Após o amontoamento, é aconselhável aplicar herbicidas pré-emergentes residuais para limitar a germinação das plantas daninhas antes da colheita do café.

No entanto, devido a considerações de custo, muitos agricultores usam o glifosato para limpar a área e facilitar a colheita, desviando-se das recomendações do GCP-Brasil. Isso acontece porque a última aplicação de glifosato deve estar alinhada com o final do período chuvoso (março). As aplicações pós-amontoamento se enquadram nos intervalos de reentrada seguros de 15 dias estabelecido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para esse herbicida.

A tecnologia de aplicação é essencial para garantir o uso eficiente e seguro dos defensivos agrícolas. Isso inclui desde a escolha correta dos equipamentos e bicos de pulverização até o treinamento dos aplicadores. Pulverizadores costais são comuns em pequenas propriedades, enquanto pulverizadores tratorizados dominam as grandes áreas. A má aplicação pode causar desperdício, contaminação e riscos ao meio ambiente.

Relatórios recentes, como o da Pro-Huma, mostram como o Brasil aplica esses produtos em diferentes estados e escalas de produção, destacando a importância do manejo correto para a sustentabilidade da cafeicultura brasileira.

Uma das grandes preocupações sobre a utilização de herbicidas é sobre seu comportamento ambiental. Quando um produto químico é aplicado, grande parte fica retida nas plantas daninhas alvo, porém uma fração pode atingir a planta de café e parte tem o solo como destino. O desaparecimento de um pesticida no ambiente envolve tanto processos físicos, quanto os de transformações química, fotoquímica ou biológica, os quais dependem do tipo de solo e das condições climáticas de cada região.

O desenvolvimento de métodos químicos de análise e de equipamentos mais precisos, permitem a administração de leis mais seguras. Uma das grandes preocupações das autoridades brasileiras, que regulamentam o registro destes produtos no Brasil, é em relação ao nível de resíduos nos alimentos e no solo, exigindo das companhias registrante, que estes ensaios, sejam especificamente realizados no Brasil, para cada uso específico (ANVISA, 2019).

O Limite Máximo de Resíduo (LMR) é definido como a quantidade máxima de resíduo de um pesticida ou afim, oficialmente aceita no alimento, em decorrência da aplicação adequada numa fase específica, desde sua produção até o consumo, expressa em partes (em peso) do pesticida afim ou seus resíduos, por milhão de partes de alimento (em peso) ou ppm ou mg/kg. O termo tolerância, usado nos EUA, é na maioria dos casos sinônimo do LMR. Em outra definição, é a concentração máxima de um resíduo de pesticida (expressa como mg/kg), recomendada pela Comissão do Codex Alimentarius como legalmente permitida em gêneros alimentícios e/ ou ração animal (WHO, 1997).

A magnitude dos resíduos em alimentos é, portanto, um assunto bastante complexo. O nível de resíduo final de um herbicida, dependem tanto do modo de utilização, das quantidades aplicadas, do número de aplicação na safra, quanto dos processos de absorção, translocação, assimilação, exudação, metabolização e degradação pelas plantas. Esses, por sua vez, são dependentes das espécies da cultura, da maturidade fisiológica das plantas, das condições ambientais (umidade relativa do ar, temperatura do ambiente, Luminosidade e umidade do solo).

A quantidade de resíduos de pesticidas nos grãos de café é influenciada por vários fatores, incluindo métodos de aplicação (equipamento de pulverização, dispositivos de proteção, bicos, pressão e volume) e o momento em relação ao estágio fenológico da cultura. Por exemplo, quando o glifosato é aplicado próximo à colheita, quando os frutos estão maduros ou secos, há um alto risco de aumento de resíduos nos grãos de café, porque os frutos não estão mais passando por processos de maturação fisiológica. Além disso, a colheita do café coincide com um período de baixa precipitação, dificultando a lixiviação e degradação do herbicida, levantando a possibilidade de que as concentrações de glifosato nos grãos de café excedam o limite máximo de resíduos (LMR).

A Anvisa estabeleceu um LMR para o glifosato em alimentos em 1,0 mg/kg, que são iguais ou inferiores aos padrões em países como Estados Unidos e Japão. No entanto, os importadores de café, particularmente na Europa, têm LMRs de glifosato mais rigorosos, com um máximo de 0,1 mg/kg (Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos, 2019), que é dez vezes menor do que o LMR do Brasil. Além disso, estudos científicos sobre resíduos de glifosato em grãos de café verde brasileiros são escassos.

Dentro desta visão, um grupo de pesquisadores da FEAGRI-UNICAMP (L. L. Foloni) e da UNESP – FCA (E. D. Velini, C. A. Carbonari e R.A.de La Cruz) e do Instituto de Biociências (J. D. Rodrigues e E.O. Ono) – Campus de Botucatu, propuseram a realizar um experimento, para determinar os níveis de resíduos de glifosato em grãos de café verde, considerando diferentes métodos de aplicação de herbicidas (equipamentos mecânicos ou manuais com e sem dispositivos de proteção, direcionados ao solo e ao terço inferior do cafeeiro), utilizando vários tipos de pontas de pulverização (bicos) e vazões, e diferentes estágios de grãos - de café verde a grãos secos – e em diferentes tempos de amostragem após a aplicação do herbicida.

Os experimentos foram realizados na fazenda Santa Adelina (22°5.554' S e 48º45.7' W), em Bariri, região central do Estado de São Paulo, a uma altitude de 439 metros, em Latossolo Vermelho de textura argilosa, em lavoura adulta, com 2,5 m de altura. com espaçamento de 3,2 m X 0,8 m.

Na área experimental, foram realizados os tratos normais da cultura, e duas aplicações de glifosato de 2,0 L/ha em outubro e outra em fevereiro. Foram avaliados nove tratamentos com glifosato (Roundup Original DI), utilizando pulverizadores mecânicos e costais manuais. Os tratamentos foram distribuídos em parcelas de 16 m de largura (5 linhas) e 50 m de comprimento, em delineamento inteiramente casualizados, com aplicação de herbicidas em ambos os lados das três linhas centrais.

Todos os tratamentos foram realizados após a fase da arruação, que fica fora do período chuvoso e do período recomendado para aplicações de glifosato nas lavouras de café. A maioria dos tratamentos foi aplicada em 2 de abril de 2020, exceto T7 e T8, realizados em 17 de maio de 2020. A dose aplicada nos tratamentos (1 a 8) foi de 1.850 g e a./há, e (9) 4.625 g e a/há (respectivamente 5,0 e 12,5 l/há do produto comercial; Roundup Original DI).

Os nove tratamentos foram aplicados, conforme resumido a seguir:

T-1.- Aplicação mecanizada – Pulverizador de trator com barra protegida (PH 200) equipado com quatro bicos, dois TK-VS-03 e dois 8003. Altura de aplicação - 30-40 cm.

T-2.- Aplicação com pulverizador Costal manual com ponta TK VS 02 protegida (chapéu de Napoleão), direcionada para o solo para evitar atingir a saia do cafeeiro, com volume de calda de 497 L/ha, e altura de aplicação variou de 40 a 50 cm.

T-3.- Aplicação com pulverizador Costal manual com ponta TK VS 02 - desprotegida, direcionada para o solo para evitar atingir a saia do cafeeiro, com o mesmo volume de calda anterior e nas mesmas alturas.

T-4.- Aplicação com pulverizador Costal Manual - tipo reboleira com ponta AI 02, e altura de aplicação variou de 40 a 50 cm, no espaço entre as bordas das árvores e o solo, evitando o contato com a saia dos cafeeiros.

T-5.- Aplicação com pulverizador Costal manual, direcionada para o terço inferior dos cafeeiros, a altura variou de 50 a 70 cm, simulando cenários reais onde podem ocorrer erros não intencionais ou desatenção do aplicador, com ponta AI 02, com volume de calda de 180 L/ha.

T-6.- Aplicação com pulverizador Costal manual direcionadas ao terço inferior, a altura variou de 50 a 70 cm, simulando cenários reais onde podem ocorrer erros não intencionais ou desatenção do aplicador, atingindo 1/3 inferior da saia do cafezal, com ponta TK VS 02, com volume de calda de 497 L/ha.

T-7.- Aplicação com pulverizador Costal manual com ponta TK VS 02 protegida (chapéu de Napoleão), com volume de calda de 497 L/ha. A altura de aplicação variou de 40 a 50 cm, no espaço entre as bordas das árvores e o solo, evitando o contato com a saia dos cafeeiros, 15 dias antes da colheita.

T-8.- Aplicação com pulverizador Costal manual com ponta TK VS 02 – desprotegida), com volume de calda de 497 L/ha. A altura de aplicação variou de 40 a 50 cm, no espaço entre as bordas das árvores e o solo, evitando o contato com a saia dos cafeeiros, 15 dias antes da colheita.

T-9.- Aplicação com pulverizador Costal Manual, direcionada para o terço inferior dos cafeeiros, atingindo diretamente e propositalmente o terço inferior da saia do cafezal com ponta TK VS 02, com 2 ½ X da dose, com volume de calda de 180 L/ha.

Época da colheita - Para cada tratamento, em cada data de amostragem, foram coletadas, quatro repetições (recipientes plásticos de 200 mL cheios de grãos de café). Dependendo da data de amostragem, que variou de zero (início do experimento) até a colheita, 60 dias após (60DAT), o amadurecimento dos grãos de café variou de verde, vermelho (maduro) e café seco.

Seguindo a metodologia para trabalho com resíduos, as amostras, logo após a coleta, ainda em campo, foram armazenadas em uma caixa térmica com gelo durante o transporte (±2 h) antes de serem armazenadas a –18 °C até o momento da análise. O método convencional para detecção de resíduos de glifosato no solo e nos grãos de café, emprega cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC).

Neste experimento, foi realizada por cromatografia líquida de alta eficiência e espectrometria de massas em cromatógrafo líquido acoplado a um espectrômetro de massas (LC-MS/MS). Estes equipamentos podem detectar concentrações de glifosato tão baixas quanto 0,01 μg / mL (micrograma por grama do tecido vegetal), atendendo aos rigorosos requisitos impostos pelos importadores de café verde.

Assim, o teor de glifosato foi determinado em microgramas por grama de tecido vegetal seco (μg/g) com base nas concentrações de herbicidas encontrados nas amostras. Como resultado, os resíduos de glifosato detectados nos grãos de café variaram de acordo com o tipo de aplicação, bico ou ponta utilizado, com proteção ou sem proteção, volume de pulverização utilizado e tempo decorrido entre a aplicação e a amostragem.

A análise dos dados obtidos nas amostras de café, conforme exposto no gráfico a seguir, pode se observar que:

  • Os menores teores de resíduos de glifosato em grãos de café, foi detectado em aplicações que utilizaram um dispositivo de proteção na barra de pulverização, barra protegida no mecânico, e chapéu de Napoleão no costal manual com ponta TK VS 02, ou seja, nos tratamentos T1, T2 e T7. A aplicação protegida garantiu que os resíduos de glifosato permanecessem abaixo dos LMRs.
  • Os níveis de resíduos de glifosato nos grãos de café foram insignificantes, respeitando os LMRs estabelecidos pelas autoridades regulatórias nacionais e internacionais na aplicação correta de doses de 5,0 l/há do produto comercial.
  • Roundup, usando equipamentos mecânicos e manuais, com um dispositivo de proteção para garantir que o herbicida não entre em contato direto com o terço inferior dos cafeeiros.
  • Em contrapartida, as aplicações realizadas sem o uso de dispositivo de proteção, utilizando bicos convencionais (TK-VS-02, alto fluxo e baixo impacto) ou antideriva (AI11002, baixo fluxo induzido por ar), mas atingindo o terço inferior dos pés de café, resultaram em altos teores de resíduos de glifosato nos grãos de café. Nessas condições, apesar da diminuição gradual dos níveis de resíduos ao longo do tempo, as concentrações de glifosato excedem os LMRs permitidos pela Anvisa e normas internacionais, mesmo quando as aplicações são feitas 60 dias antes da colheita.

* Por Luiz Lonardoni Foloni, engenheiro agrônomo

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