Quando a planta daninha "engana" o herbicida III

Parte III - O efeito do herbicida sobre a atividade enzimática varia em cada planta.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Para melhor entender a resistência a herbicidas é preciso examinar os diversos mecanismos de ação desses produtos. Antes deve-se estudar a atividade enzimática. Enzimas são estruturas orgânicas que catalisam reações em processos biológicos. Todos os processos bioquímicos nas células dependem delas, que por isso são essenciais à manutenção da vida.

O efeito catalisador por enzimas é o mais eficiente que se conhece e tem alta especificidade. Geralmente um tipo de enzima catalisa apenas um tipo de reação. Às vezes um tipo de reação pode ser catalisado por dois ou mais de enzimas pouco diferentes, por isso chamadas isoenzimas.

Cerca de 10.000 tipos de enzimas se encontram em células vegetais. A enzima é formada por uma parte protéica e outra não protéica, o cofator, que rege sua atividade. Há uns 30 cofatores conhecidos, divididos em três grupos: íons metálicos, prostéticos e coenzimas. As enzimas são denominadas pelo substrato sobre o qual agem ou pelo tipo de ação. Sua especificidade é determinada pela composição e disposição espacial dos aminoácidos que constituem as proteínas. Cada uma tem sítios específicos, que funcionam como chaves, capazes de abrir fechaduras, onde as reações podem ser catalisadas.

As fases da atividade enzimática: a) a enzima entra em contato com o substrato, que encaixa no sítio reativo; b) Cofatores também encaixam em sítio apropriado; c) O substrato sofre uma reação que o modifica, sendo o resultado da modificação liberado; d) a enzima não sofre modificação e estará pronta para m novo ciclo; e) O cofator pode ter sido alterado por aceitar um ou mais átomos do substrato; f) Uma outra reação enzimática, diferente, restaura o cofator; g) Um novo ciclo de inicia. O efeito catalisador por enzimas é extremamente rápido. A atividade enzimática varia com aspectos como pH ou temperatura, por exemplo, que se elevada destrói as enzimas. No corpo humano, uma febre acima de 40º leva à morte porque enzimas essenciais são inativadas e processos biológicos são descontinuados.

Inibição de enzimas

Enzimas podem deixar de funcionar quando moléculas específicas ocupam os sítios reativos. Ao contrário da ocupação pelos substratos, momentânea, há moléculas que produzem uma ocupação permanente, iniviabilizando reações enzimáticas. Em vez de bloquear uma enzima, um inibidor pode bloquear uma coenzima essencial ao processo. Há inibidores competitivos e não competitivos. Os primeiros competem com os substratos pelos sítios reativos das enzimas; se os substratos são mais abundantes que os inibidores, a eficiência é baixa. Os inibidores não competitivos ocupam sítios de enzimas independente dos substratos, sendo mais eficientes. Alguns herbicidas atuam bloqueando a atividade de enzimas específicas. Eles podem perder eficácia quando ocorrem isoenzimas, não suscetíveis ao bloqueio e capazes de produzir os mesmos efeitos catalíticos. Biótipos de plantas podem apresentar proporções diferentes de isoenzimas e por isso serem mais ou menos suscetíveis a um herbicida.

Muitos herbicidas têm eficiência diretamente ligada à inibição de enzimas. Alguns, mesmos classificados por mecanismo de ação diferente, também afetam sistemas enzimáticos. O efeito de um herbicida sobre a atividade enzimática é variável em cada planta, em cada órgão e de acordo com o estádio de desenvolvimento ou outros fatores. Faltam ainda conhecimentos sobre enzimas e a interferência de herbicidas, mas se admitem duas formas de ação, direta ou indireta.

• Ação direta - Nessa forma há interferência em processos normais no núcleo das células, resultando em alteração da estrutura molecular das enzimas. Existe competição com o substrato por sítios ativos de enzimas e formação de complexos com as enzimas dos substratos, o que pode impedir ou estimular a atividade. Registra-se competição com o cofator não protéico de enzimas e alteração do cofator, afetando assim sua associação ativa com a parte protéica.

• Ação indireta – É quando há interferência na produção de ATP, com o que o suprimento de energia para reações é prejudicado. Ocorre interferência no suprimento de materiais para a formação de coenzimas ou grupos prostéticos, afetando as condições sob as quais as reações catalisadoras de enzimas ocorrem.

Algumas enzimas podem apresentar pequena variância na seqüência ou na disposição espacial de aminoácidos, sendo chamadas isoenzimas. Algumas delas podem catalisar as mesmas reações bioquímicas. A inativação de isoenzimas por herbicidas é variável em cada composto, dentro do mesmo grupo. Se por selecionamento de plantas se multiplicam os biótipos com isoenzimas capazes de catalisar as reações essenciais, podemos ter duas situações: a) As isoenzimas resistentes se encontram em pequena proporção, e nesse caso o herbicida continua funcionando, com dose aumentada; b) As isoenzimas resistentes se encontram em proporção dominante, e nesse caso o herbicida não é mais eficiente, mesmo com aumento da dose.

Inibição da ACCase

A enzima Acetil CoA carboxilase, ou ACCase, do Grupo A, atua na fase inicial dA síntese de ácidos graxos, que são constituintes dos lipídios que ocorrem nas membranas de células e organelas. Por isso os herbicidas também são chamados de inibidores da síntese de lipídios, os reguladores da permeabilidade seletiva. A enzima ACCase tem configuração pouco diferenciada em diferentes grupos de plantas. Em gramíneas se encontram enzimas mais sucetíveis de bloqueio, enquanto que em outras monocotiledôneas e em dicotiledôneas há pouca suscetibilidade. Esse é um dos mecanismos de seletividade.

Os herbicidas são basicamente graminicidas, a maioria atuando em pós-emergência, sendo absorvidos pelas folhas e translocadas por via sistêmica, concentrando-se em regiões meristemáticas. Alguns são absorvidos pelas raízes, tendo alguma ação quando aplicados no solo. Mesmo entre as gramíneas há diferenças de suscetibilidade, o que permite uso seletivo em algumas culturas. Por trabalhos de selecionamento tem-se procurado biótipos de gramíneas cultivadas com maior tolerância, visando a aumentar as possibilidades de usos seletivos.Também procuram-se antídotos (safeners) específicos, que diminuem a fitotoxidade para algumas culturas.

Para os herbicidas inibidores de ACCase tem sido proposto um segundo mecanismo de ação, nas membranas celulares, causando a despolarização do potencial eletrogênico, o que permite um influxo de prótons. A manutenção desse potencial é vital para a sobrevivência das células. Imergindo-se pontas de raízes e coleóptilos de Lolium rigidum numa solução com os herbicidas, foi observado que em biótipos resistentes o potencial eletrogênico é restabelecido quando se retira o herbicida da solução, enquanto em biótipos suscetíveis a repolarização não ocorre.

Ciclohexanodionas – São compostos com um anel fenil com duas ligações de função cetona (na maioria dos produtos distingue-se facilmente apenas uma cetona). Todos os compostos introduzidos no mercado são quirais, podendo apresentar dois ou mais isômeros. Até o momento nenhum produto desse grupo foi produzido comercialmente com apenas um isômero ativo. O nome comum desses compostos termina sempre em ...dim, pelo que são conhecidos como “DIMs”.

Da inibição da ACCase decorre: a) redução do acúmulo de clorofila e provavelmente aceleração de sua degradação, o que provoca clorose; b) estímulo à formação de antocianina, do que resulta uma coloração arroxeada nas folhas e colmos, com diminuição da respiração celular, o que significa menor liberação de energia; c) redução da atividade metabólica geral e d) interferência na divisão celular dos meristemas, por afetar a formação de membranas celulares e, possivelmente, a ação dos microtúbulos.

Os sintomas aparecem apenas em gramíneas. Além da descoloração e arroxeamento parada o crescimento e há necrose na base das folhas, permitindo um fácil desprendimento da folha apical quando puxada, e atrofia do sistema radicular, facilitando o arranque sem esforço. Em cerca de três semanas dá-se a dessecação e morte. Os herbicidas do grupo das ciclohexanodionas são essencialmente graminicidas, quase todos de pós-emergência, seletivos para plantas de outras famílias botânicas. Entre as espécies de gramíneas existem diferenças de sensibilidade.

Sistema enzimático

O sistema enzimático de vegetais é complexo. Enzimas que desempenham determinada função não têm uma só estrutura, mas apresentam pequenas variantes, como isoenzimas. Duas delas podem ou não desempenhar uma mesma função e ser bloqueadas por um mesmo agente químico. O processo metabólico de plantas pode ser mais intenso em biótipos diferentes, com o que a inativação por um herbicida pode ser mais ou menos intensa. Todos os herbicidas que atuam especificamente sobre sistemas enzimáticos tem atividade diferenciada de espécie para espécie, bem como de biótipo para biótipo. Com a eliminação dos biótipos mais sensíveis, tende a aumentar a população dos menos sensíveis, formando-se populações com mais indivíduos resistentes. O grupo dos herbicidas inibidores da ACCase é um grupo de risco em relação ao selecionamento de biótipos resistentes. Pode haver alguma diferença de sensibilidade para os diversos ingredientes ativos, mas a tendência é de resistência cruzada, ou seja, biótipos resistentes a um composto também tendem a mostrar resistência a outros compostos com mecanismo de ação semelhante.

Há ainda os derivados do ácido ariloxifenoxipropiônico, também conhecidos como ésteres do ácido oxifenoxipropiônico, pois herbicidas atuais são ésteres. Sua estrutura básica é de um anel fenil com duas pontes de oxigênio, uma ligando a um radical aril (cíclico) e outra a um éster do ácido propiônico. Quando o aril é um fenil, os produtos aproximam-se dos difeniléteres. Todos os produtos são quirais e apresentam isômeros. Para alguns já foram isolados os isômeros ativos, tendendo novos herbicidas com eficiência em menor dose que os compostos recêmicos. Alguns produitos comerciais apresentam o acréscimo de um antídoto para melhorar a seletividade a uma cultura.

Esses produtos, apresentados na forma de ésteres, são inativos até serem hidrolizados, do éster para o ácido. Enzimas esterases são comuns nas plantas e muitas gramíneas efetuam rapidamente essa hidrolização. A partir daí inibem a enzima ACCase, com resultados semelhantes ao que acontece com as ciclohexanodionas, com cuja sintomatolgia, aliás, se confunde.

Quanto à seletividade, algumas plantas, por seus enzimas, efetuam uma hidrolização no anel fenil. Os compostos resultantes então são conjugados com açúcares, sendo armazenados nos vacúolos e ficando indisponíveis para os processos metabólicos. Plantas tolerantes efetuam a hidroxilação com maior velocidade que a hidrolização e por isso o herbicida é inativado antes que provoque a fitotoxidade. Os herbicidas desse grupo são graminicidas muito seletivos. A resistência ocorre em situação muito semelhante à dos herbicidas a base de ciclohexanodionas.

Kurt G. Kissmann

Consultor

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