A carne bovina é um alimento importante na composição de uma dieta equilibrada, nutritiva e saudável. O consumo per capita, no Brasil, situa-se ao redor de 36 kg/ano, quantidade que demonstra a importância da carne na alimentação humana. Importante no consumo interno e também com grande potencial de exportação, para aqueles Países desenvolvidos, onde a área ou as condições de produção são restritas. Porém, o Brasil não é o único país nessas condições. Outros países do primeiro mundo são bons consumidores de carne bovina, e também produtores, razão para a importância que se dá à atividade de pecuária de corte, onde esse agronegócio tem um peso significativo na economia. Porém, vantagens, como o crescimento da demanda de carne, o aumento do consumo, por parte dos países asiáticos e EUA, a competitividade brasileira, economia em escala, e a redução de mão-de-obra e insumos são fatores que permitiriam o aumento da exportação. Ainda, a dificuldade de alguns países, como a Argentina, Austrália e EUA, concorrentes exportadores, de limite de capacidade produtiva, favorece o Brasil na exportação de carnes.
Em face da importância como alimento e do processo educacional dos consumidores, que a cada dia se tornam mais esclarecidos e exigentes, a demanda por produtos de qualidade tem aumentado de forma extraordinária. A preocupação com os aspectos relacionados à saúde, segurança alimentar e bem-estar das pessoas tem aumentado de forma considerável. Essa demanda acontece tanto pelos atributos intrínsecos de qualidade, como maciez, sabor, quantidade de gordura como pelas características de ordem ou natureza voltadas para as formas de produção, utilização do meio ambiente, processamento, comercialização etc. Daí a importância cada vez maior de fornecer informações e assegurar especificações, tais como cor, aroma, suculência, maciez, quantidade de gordura, nutricionais (teor protéico, calorias), segurança (ausência de agentes patogênicos) e obtenção do produto por meios éticos e legais.
Quanto ao aspecto nutricional, foi-se o tempo em que era inquestionável o aspecto de que a carne era um bom alimento, e que quanto mais, melhor. No decorrer dos últimos anos, tem aumentado sensivelmente o foco sobre o aspecto saudável do alimento.
Além disso, questões relacionadas à segurança: contaminação por patógenos, pesticidas e agentes biológicos, o uso de antibióticos e/ou hormônios e a possível presença da encefalopatia espongiforme bovina (BSE ou mais comumente “vaca louca”) preocupam cada vez mais os consumidores. Esse “medo” do consumidor, por questões reais ou imaginárias, tem aberto espaços para produtos denominados naturais ou orgânicos, e que são obtidos sem a utilização de produtos “impróprios” ou “considerados” nocivos à saúde. Portanto, segurança tornou-se um assunto de vital importância para os consumidores.
Outro assunto polêmico e que tem atraído a atenção do consumidor é a utilização de organismos geneticamente modificados, também conhecidos como transgênicos, e que, a nosso ver, a princípio vêm despertando um certo receio na população, com os avanços da engenharia genética e o domínio das informações do genoma, passarão a ser vistos de forma mais amigável e, finalmente, aceitos pela sociedade, em virtude dos benefícios que possuem.
Uso incorreto de tecnologias
Todo estresse, imposto ao animal na fase ante morte, pode desencadear reações, que interferem diretamente na qualidade da carne. O melhor animal, produzido da melhor forma possível, se não forem tomados os cuidados devidos por ocasião do abate, resultam em cortes de qualidade inferior. Esses cuidados devem ser tomados desde o manejo dos animais na fazenda, transporte ao frigorífico, até o momento do atordoamento, já dentro da sala de matança. Ainda, países que exportam para a Comunidade Européia deverão estar aptos para exportar, satisfazendo as normas de rastreabilidade, proteção do meio ambiente e bem-estar animal.
Após o sacrifício dos animais, vários são os pontos em que, se não forem tomadas as medidas apropriadas, podem acarretar danos à qualidade da carne. Contaminações por agentes de ordem física ou química, mas principalmente àqueles de origem biológica, durante o abate, resfriamento da carcaça, processamento, transporte e comercialização devem ser evitados e minimizados. Ainda, deve-se preconizar a utilização correta do frio durante todas as fases, desde o resfriamento da carcaça até a comercialização, incluindo ainda a fase anterior ao consumo, quando o produto já se encontra em poder do consumidor, pois a cadeia de frio é de extrema importância na manutenção da qualidade.
Outro problema que tem aumentado e ocasionado grandes prejuízos à imagem do produto e econômicos, é a presença de reações a vacinas e a medicamentos. Desenvolvidas para garantir a saúde dos animais, e indiretamente do ser humano, as vacinas e medicamentos, se utilizados de forma adequada, consistem em garantia para o pecuarista, que está enviando para consumo um produto dentro dos padrões. Quando utilizadas de forma imprópria, podem representar um problema a mais. As lesões causadas pela aplicação indevida de vacinas e medicamentos, além de acarretar um sério problema de qualidade na carne bovina, também apresentam os custos de mão-de-obra, necessidade em realizar as aparas da região afetada, elevando o custo, devido à perda de tecidos (carne).
Em pesquisa denominada National Beef Quality Audit, conduzida pela National Cattlemen’s Association em conjunto com a Colorado State University e a Texas A&M University, nos Estados Unidos, em que foram ouvidos os vários segmentos envolvidos na cadeia da carne bovina, as preocupações principais com relação ao produto foram:
1. Excesso de gordura de cobertura;
2. Alta incidência de lesões causadas por aplicações incorretas;
3. Exagero no tamanho da área do contrafilé;
4. Excesso de gordura intermuscular e pouca uniformidade do produto.
Na mesma linha de trabalho foi proposto um projeto denominado de Strategic Alliances Field Studies, com o objetivo de averiguar os problemas identificados na National Beef Quality Audit, e encontrar soluções para os mesmos. O estudo demonstrou que trabalhando unidos, todos os setores, é possível melhorar a qualidade, a consistência e a competitividade da carne bovina. Mais ainda, a “chave para o sucesso”, segundo os resultados do estudo, reside na comunicação e nas trocas de informações entre todos os segmentos da cadeia produtiva.
Ações
Na obtenção de um produto que atenda às exigências do consumidor, principalmente no requisito qualidade, o manejo dispensado aos animais e a utilização de tecnologias apropriadas destinadas à melhoria do produto devem ser conduzidos corretamente e da melhor forma possível. A fim de aprimorar o trabalho e garantir a qualidade, evitando a utilização de técnica imprópria ou forma incorreta de aplicação da tecnologia, é extremamente importante a capacitação e o contínuo treinamento do pessoal envolvido nessas tarefas.
Além disso, a educação do consumidor, com informações gerais sobre a pecuária de corte nacional, a importância da carne na alimentação, as formas de conservação e preparo das carnes, enfim, esclarecendo a população sobre o produto carne bovina, é outro ponto que necessita ser abordado com urgência.
Algumas tendências do consumidor como: demanda por menor quantidade de gordura aparente (ou presente) na carne, e que tem levado a uma diminuição do consumo de carne vermelha é um assunto que necessita ser encarado de forma adequada, ou a imagem do produto carne e seu consumo poderão sofrer prejuízos ainda maiores.
Deve-se ainda realizar uma grande campanha mercadológica, tanto de abrangência nacional como internacional, demonstrando como é o gado de corte produzido no Brasil e as vantagens da carne bovina brasileira. O momento atual é propício para uma grande ação, unindo os esforços de todos os segmentos envolvidos, ou seja, pecuaristas, frigoríficos, atacadistas e varejistas.
Finalizando
De forma análoga à de qualquer outro produto, o responsável pelo mau funcionamento, por falha na expectativa ou por qualquer prejuízo que venha a causar ao consumidor, é, em última instância, o efetivo causador da má qualidade. No caso da carne bovina, na maioria das vezes, esse responsável é o pecuarista. Já existem programas de controle de qualidade e devem ser uma ferramenta, na tarefa de auxiliar os pecuaristas, na obtenção de um produto dentro das conformidades, e que atenda plenamente os anseios dos consumidores.
Por outro lado, o agronegócio da carne bovina ainda apresenta grandes desafios. O aumento na preocupação com a segurança do alimento; a busca por novos meios de comercialização tais como: alianças, associações e cadeias de suprimentos; mudanças na forma de atuação do setor varejista e no comércio de alimentos perecíveis; práticas adequadas de comercialização e maior competitividade; aumento na demanda por produtos de valor adicionado; aumento na preocupação da sociedade com relação à poluição ambiental; necessidade de mais inovações e aumento na produtividade, e o lançamento de novos tipos de produtos, mais convenientes, práticos, amigáveis, consistentes em tamanho e outros atributos qualitativos, é que irão assegurar a preferência do consumidor pela carne bovina em relação às carnes de outras espécies. Os últimos acontecimentos, envolvendo a pecuária de corte na União Européia, só podem ajudar àqueles que acreditarem e se dispuserem a trabalhar, investir e mudar. Certamente, os resultados serão dos mais compensadores. Dessa forma, novas estratégias de comercialização e distribuição de carnes, tais como, a exploração de marcas comerciais, alternativa de compra, agregar valor, acesso a novos mercados, produtos alternativos e incorporação de novas tendências do mercado. Ainda, redução da sensibilidade à competição por preços, estrutura de distribuição diferenciada e “marketing” apropriado e flexibilização e adaptação dos clientes são algumas alternativas que tendem a compatibilizar a produção e o comércio da carne brasileira no âmbito internacional.
Albino Luchiari Filho
USP Pirassununga
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