Os solos, quando submetidos a determinados sistemas de cultivo, tendem a um novo estado de equilíbrio, refletido em diferentes manifestações de seus atributos, as quais podem ser desfavoráveis à conservação da capacidade produtiva destes solos. Os efeitos diferenciados sobre os atributos do solo, devido ao tipo de preparo, característico de cada sistema de cultivo, são dependentes da intensidade de revolvimento, do trânsito de máquinas, do tipo de equipamento utilizado, do manejo dos resíduos vegetais e das condições de umidade do solo no momento do preparo. A relação entre o manejo e a qualidade do solo pode ser avaliada pelo comportamento de indicadores físicos, químicos e biológicos.
O enfoque sobre qualidade do solo vem despertando um crescente interesse, principalmente a partir do lançamento, em 1993, do livro "Soil and water quality: an agenda for agriculture", pelo "Board on Agriculture of the National Research Council" dos Estados Unidos da América, onde é enfatizado que a qualidade do solo é tão importante quanto à qualidade do ar e da água na determinação da qualidade global do ambiente em que vivemos. A qualidade do solo tem efeitos profundos na saúde e na produtividade de um determinado ecossistema e nos ambientes a ele relacionados. Todavia, diferentemente do ar e da água, para os quais existem padrões de qualidade, a definição e quantificação da qualidade do solo não é simples em decorrência da complexidade dos fatores envolvidos e de não ser o solo consumido diretamente pelo homem e animais. A qualidade do solo é aceita, freqüentemente, como uma característica abstrata que depende, além de seus atributos intrínsecos, de fatores externos, como as práticas de uso e manejo, de interações com o ecossistema e das prioridades socioeconômicas e políticas.
O conceito do que seja um solo com qualidade depende das prioridades previamente estabelecidas. Contudo, deve levar em consideração a sua funcionalidade múltipla para não comprometer, no futuro, o desempenho de algumas de suas funções. Assim, um determinado tipo de solo pode ser considerado com boa qualidade quando apresentar a capacidade, dentro dos limites de um ecossistema natural ou manejado, de manter a produtividade e a biodiversidade vegetal e animal, melhorar a qualidade do ar e da água e contribuir para a habitação e a saúde humana.
A avaliação quantitativa da qualidade do solo é fundamental na determinação da sustentabilidade dos sistemas de manejo utilizados. A determinação de indicadores de qualidade de solo se faz necessária para possibilitar a identificação de áreas problemas utilizadas na produção, fazer estimativas realistas de produtividade, monitorar mudanças na qualidade ambiental e auxiliar agências governamentais a formular e avaliar políticas agrícolas de uso da terra.
A identificação eficiente de indicadores apropriados para avaliar a qualidade do solo depende da habilidade em considerar os componentes múltiplos que determinam a sua capacidade em desempenhar suas funções, como a produtividade e o bem-estar ambiental. Esta identificação é dificultada pela multiplicidade dos atributos físicos, químicos e biológicos, que controlam a intensidade dos processos biogeoquímicos e suas variações temporais e espaciais.
A escolha de indicadores de qualidade dos ecossistemas está baseada no modelo da prática da medicina humana e animal, que segue uma sucessão de passos, como a identificação dos sintomas, medida dos sinais vitais, realização de um diagnóstico provisório, aplicação de testes para comprovação do diagnóstico, prognóstico e prescrição do tratamento. Esta analogia possibilitou que um conjunto de atributos do solo fosse relacionado e adotado para avaliar a sua qualidade, unificando metodologias e procedimentos estabelecidos anteriormente para avaliar mudanças na capacidade produtiva deste recurso natural.
Embora em países como os Estados Unidos da América, já exista testes elaborados com vistas à análise da qualidade do solo, é consenso que existe uma carência de conhecimento sobre quais sejam os melhores ou mais práticos indicadores para atender este objetivo. Esta falta de conhecimento, normalmente, está refletida na pergunta comumente realizada por produtores, pesquisadores e extensionistas daquele país, onde é questionado: que medidas deveriam ser tomadas para avaliar os efeitos do manejo do solo sobre sua qualidade atual e futura? De outro modo, na maioria das vezes, os pesquisadores direcionam seus interesses e esforços para as disciplinas em que estão inseridos. Sempre que possível, as avaliações de qualidade não devem ser reducionistas e sim holísticas e úteis na identificação de sistemas que preservem o recurso solo e satisfaçam às necessidades do produtor ao longo do tempo.
Indicadores da qualidade do solo podem ser classificados, de um modo geral, em quatro grupos; visuais, físicos, químicos e biológicos. Embora esta divisão em grupos seja usual, é importante salientar que estes atributos e processos, em sua maioria, são inter-relacionados. Os melhores indicadores da qualidade do solo são aqueles que integram os efeitos combinados de diversos atributos ou processo do solo, os quais devem ser precisos, simples para o uso e terem sentido, ou seja, devem estar associados à função para a qual se pretende usar o solo. Necessitam, para que possam ser usados com eficiência, de padrões ou valores críticos. Portanto, um bom indicador deve ser de fácil medida, respondendo às mudanças propostas, estar relacionado com os requerimentos de qualidade do solo, e ter um limite claro entre o que é sustentável e não sustentável.
Os indicadores visuais podem ser obtidos a partir da interpretação de fotografias aéreas. Ou através de observações diretas, como a exposição do subsolo, mudança de cor do solo, escorrimento superficial, resposta da planta, espécies de plantas daninhas predominantes, entre outras. Evidências visuais podem ser indicadores claros de que a qualidade do solo está ameaçada ou passando por alterações.
Os indicadores físicos estão relacionados ao arranjamento das partículas e do espaço poroso do solo, incluindo densidade, porosidade, estabilidade de agregados, textura, encrostamento superficial, compactação, condutividade hidráulica e capacidade de armazenagem de água disponível. Refletem, primariamente, limitações ao crescimento radicular, à emergência das plântulas, à infiltração e ou movimento da água no interior do perfil do solo e à disponibilidade de água às plantas.
O pH, salinidade, capacidade de troca de cátions, capacidade de suprimento de nutrientes às plantas, concentrações de elementos que podem ser potencialmente contaminantes (metais pesados, compostos radioativos, etc.) ou necessários para o crescimento e desenvolvimento das plantas são considerados indicadores químicos. As condições químicas do solo afetam as relações solo-planta, a qualidade da água, o poder tampão, a disponibilidade de nutrientes e de água para as plantas e outros organismos, mobilidade de contaminantes e algumas condições físicas, como a tendência de formação de crostas superficiais.
Entre os indicadores biológicos estão incluídos: a matéria orgânica, a diversidade de espécies, a massa microbiológica, o nível de respiração do solo, o que possibilita avaliar a atividade microbiológica. O ergosterol, por exemplo, um bioproduto de origem fúngica, tem papel importante na formação e estabilidade de agregados do solo. Populações de minhocas e nematóides têm sido utilizadas como indicadores biológicos. Medidas da velocidade de decomposição de resíduos de plantas em embalagens especiais ou o número de plantas daninhas, também são indicadores da qualidade do solo.
Estabelecendo-se uma relação entre os indicadores de qualidade e os solos de várzea desenvolvidos no RS, pode-se inferir que, embora, de modo geral, estes apresentem originalmente condições favoráveis (qualidade inerente) para o desenvolvimento da cultura do arroz irrigado, como baixa condutividade hidráulica na camada subsuperficial, superfície plana a suave ondulada, baixa profundidade efetiva, atualmente, uma expressiva área onde estes solos ocorrem encontra-se comprometida, principalmente pelo alto nível de infestação com plantas daninhas, o que vem concorrendo para reduções significativas de produtividade do arroz irrigado.
Além disso, as condições manifestadas pelos solos de várzea do RS, notadamente as físicas, se mostram desfavoráveis ao desenvolvimento de culturas de sequeiro. Estes solos apresentam baixa porosidade total, com predomínio de microporos, camadas compactadas próximas à superfície, baixa estabilidade de agregados e tendência à formação de encrostamento superficial. Estas características fazem com que estes solos sejam mal drenados e apresentem baixa velocidade de infiltração. Em decorrência pode-se afirmar que eles não manifestam qualidade adequada para o cultivo de espécies de sequeiro, como o milho, a soja, o sorgo e o trigo, entre outras. Todavia, o uso de um conjunto de práticas de manejo mais apropriado tem melhorado a qualidade destes solos (qualidade dinâmica), que associado a genótipos mais adaptados ao excesso de água, vem viabilizado, tecnicamente, o cultivo de espécies mesófitas.
Algenor da S. Gomes
Pesquisador da Embrapa Clima Temperado
Contatos: www.cpact.embrapa.br
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