Pressão de pragas na cultura da soja

Aderir a um bom manejo integrado de pragas é o primeiro passo para prevenir ou reduzir as dificuldades de controle

14.11.2022 | 14:21 (UTC -3)

As características do sistema intensivo de produção agrícola brasileiro, ao mesmo tempo em que proporcionam inúmeras vantagens, resultam em maior desafio no manejo de pragas, devido ao fornecimento quase ininterrupto de plantas hospedeiras que permitem a permanência desses insetos ao longo do ano no campo. Aderir a um bom manejo integrado de pragas é o primeiro passo para prevenir ou reduzir as dificuldades de controle.

Nas últimas décadas a produção mundial de alimentos teve um incremento sem precedentes, grande parte graças à viabilização da agricultura tropical via avanços científicos e tecnológicos que permitiram o cultivo de até três safras em apenas um ano. Portanto, contribuindo significativamente para a superação do desafio de suprir a demanda alimentar mundial crescente.

A intensificação da agricultura reduziu a necessidade de desmatamento para aumentar a produção alimentar, impactando positivamente, por exemplo, na manutenção da biodiversidade e preservação da água. Entretanto, o cultivo intensivo enfrenta maiores dificuldades fitossanitárias quando comparado com sistemas mais tradicionais.  

Diversos insetos-praga com características polífagas se beneficiam desse sistema produtivo intensificado devido ao fornecimento quase ininterrupto de plantas hospedeiras dessas pragas, permitindo, então, sua permanência ao longo do ano no campo. Consequentemente, o número de pulverizações com inseticidas, quando utilizados sem critérios técnicos, aumenta significativamente. Tal cenário intensifica o processo de seleção de populações de pragas resistentes aos inseticidas, acarretando reduções de produtividades quando o controle da praga não é satisfatório, além de aumentar o custo produtivo, pois novas pulverizações podem ser realizadas para tentar corrigir a falha de controle. A mesma analogia deve ser feita para outras táticas de controle, como o uso de plantas transgênicas com proteínas inseticidas, caso da soja que expressa a proteína Cry1Ac.

Atualmente no cerrado brasileiro, a maior parte do algodão cultivado é semeado após o cultivo da soja e isso tem uma influência relevante quando se fala de manejo da resistência, pois diversas espécies-praga (Quadro 1) atacam as duas culturas. Portanto, receberão ao longo das safras, caso não sejam respeitados os níveis de controle estabelecidos pela pesquisa, uma intensa carga de inseticidas.

Quadro 1
Quadro 1

Considerando que não são mais pragas de uma cultura e sim de um sistema produtivo, é importante ter em mente que os planos de rotação de ingredientes ativos com modos de ação diferentes devem ser realizados ao longo da mesma safra e em safras subsequentes. 

Além do uso em comum de ingredientes ativos para essas pragas nas culturas de soja e algodão, espécies como C. includens, H. armigera, H. zea e C. virescens estão em continua exposição a proteínas Bt, pois existem cultivares de soja e algodão que expressam a proteína Cry1Ac (Tabela 1).

Tabela 1
Tabela 1

Lagartas do complexo Spodoptera não são afetadas pois essa proteínanos níveis expressados pelas plantas, não sofrem seu efeito tóxico. Entretanto, a nova geração de soja transgênica conterá também as proteínas Cry1A.105 e Cry2Ab2 que são eficientes no controle do complexo Spodoptera, atualmente pragas importantes para as culturas de soja, milho e algodão. Necessário se faz mencionar que tais proteínas já estão presentes em cultivares de milho e no algodoeiro são comercializados cultivares com a proteína Cry2Ab2. Portanto, essas lagartas poderão estar sob intensiva pressão de seleção, pois assim como o algodoeiro, grande parte do milho produzido no país é semeado após a cultura da soja.

Estratégias para evitar/retardar a evolução da resistência

A resistência é um processo de seleção e a velocidade em que é selecionada depende da intensidade da pressão de seleção (método de controle) exercida sobre os indivíduos alvos. Portanto, o uso de boas práticas agrícolas como o Manejo Integrado de Pragas (MIP) é o primeiro passo para um manejo adequado da resistência, pois ao utilizar um correto monitoramento de insetos e respeitar os níveis de controle preconizados pela pesquisa, naturalmente o número de pulverizações de inseticidas será menor que o utilizado atualmente. Consequentemente, a intensificação do processo de seleção de indivíduos resistentes será reduzida. Ou seja, antes de pensar em estratégias de manejo da resistência, é fundamental a implementação do MIP.

De forma complementar deve-se utilizar inseticidas (biológicos ou químicos) com mecanismo de ação distintos em cada pulverização, para permitir uma eficiente rotação de ingredientes ativos. Além disso, é desejável o uso de inseticidas seletivos aos inimigos naturais pelo menos no início do ciclo agrícola, pois estudos indicam que pode haver contribuição dos inimigos naturais na redução da frequência de indivíduos resistentes em uma população.

Em relação ao manejo da resistência de plantas Bt, o uso de refúgio é fundamental para permitir que lagartas susceptíveis às proteínas Bt cheguem à fase adulta (mariposa) e cruzem com possíveis insetos resistentes às proteínas Bt para a manutenção de populações suscetíveis, retardando, então, a seleção de insetos resistentes. Baseada no alcance de voo das mariposas é importante que a distância máxima da área de refúgio para a área de soja Bt não ultrapasse 800m, pois distâncias superiores podem dificultar o acasalamento aleatório de insetos oriundos das áreas de soja Bt e soja não-Bt. Além disso, a área destinada ao refúgio deve conter pelo menos 40 linhas e corresponder a um mínimo de 20% da área total cultivada com soja para permitir a quantidade de cruzamentos necessários entre indivíduos resistentes e suscetíveis.

Mariposa da lagarta falsa-medideira (Chrysodeixis includens)
Mariposa da lagarta falsa-medideira (Chrysodeixis includens)

Vale a pena ressaltar que o uso exagerado de pulverizações com inseticidas nas áreas de refúgio inviabiliza essa tática de controle, pois reduz drasticamente a produção de insetos suscetíveis, consequentemente diminui o número de acasalamentos favorecendo o processo de seleção de indivíduos resistentes. Isso não significa que o produtor terá prejuízos na área de refúgio, pois a recomendação de 20% de área de refúgio leva em consideração o controle da praga. O simples respeito aos níveis de controle produzirá indivíduos suscetíveis suficientes para tais acasalamentos.

O uso da soja Bt tem se mostrado eficiente no controle das espécies alvo da proteína Cry1Ac. Entretanto, é necessário o monitoramento constante da lavoura para evitar que a proporção de indivíduos resistentes aumente na população ao ponto de se observar falhas de controle da praga. Apenas um caso foi relatado na região de Chapadão do Céu, na safra 2017/18, sobre Helicoverpa spp. atacando soja Bt. Porém, existem controvérsias quanto à espécie encontrada, se era H. armigera ou H. zea ou seus híbridos. Independentemente disto, a tecnologia tem apenas um efeito supressivo para as duas espécies. Contudo, até então não havia casos de lagartas sobrevivendo em soja Bt. Ou seja, trata-se de um processo natural de seleção de indivíduos com menor suscetibilidade à proteína Bt.

Monitoramento da resistência

Um dos objetivos de um programa de manejo da resistência é manter o máximo possível, a proporção de indivíduos suscetíveis de uma população a determinada estratégia de controle. Para isto, o monitoramento da suscetibilidade de populações da espécie alvo deve ser realizado constantemente e de preferência antes do início da implantação de determinada estratégia de controle. Tal monitoramento deve ter um enfoque regional, pois mesmo em espécies com uma capacidade de dispersão elevada, podem ocorrer variações de suscetibilidade à determinada tática de controle entre populações relativamente próximas. Para exemplificar serão utilizados os dados do monitoramento de populações de C. includens em Mato Grosso na safra 2016/17 (Figura 1).

Figura 1. Concentração letal média (CL50 ± IC95%) de teflubenzuron (µg/cm²) em populações de C. includens coletadas em Mato Grosso na safra 2016/17. Método do bioensaio: aplicação da suspensão do inseticida na superfície da dieta.  
Figura 1. Concentração letal média (CL50 ± IC95%) de teflubenzuron (µg/cm²) em populações de C. includens coletadas em Mato Grosso na safra 2016/17. Método do bioensaio: aplicação da suspensão do inseticida na superfície da dieta.  

Foram realizadas curvas de dose-resposta (mortalidade) com o inseticida teflubenzuron para cinco populações provenientes do Mato Grosso e comparadas essas curvas com uma população mantida em laboratório por diversas gerações sem contato com inseticidas. Como parâmetro de comparação entre as populações utilizou-se a quantidade de ingrediente ativo (µg/cm²) dispensada sobre a dieta dos insetos que proporcionasse a mortalidade de 50% dos indivíduos avaliados (CL50).

As populações de campo com menores valores de CL50 foram Campo Verde e Alto Garças. As populações de Rondonópolis, Diamantino e Canarana foram as que obtiveram maiores valores de CL50, com destaque para Rondonópolis que necessitou de uma concentração 72 vezes maior quando comparada com a população suscetível de laboratório.

Mesmo sendo C. includens uma espécie com elevada capacidade migratória, o manejo da praga em cada local influenciou na resposta (mortalidade), pois entre as populações de Campo Verde e Rondonópolis a distância em linha reta é de 170km. Isso demonstra a necessidade de um monitoramento de resistência em âmbito regional e que inferências para o manejo adequado da resistência não devem ser extrapoladas para diversas regiões.

Considerações finais

A seleção de indivíduos resistentes a qualquer tática de controle é um processo evolutivo natural, porém o O primeiro passo para reduzir/evitar dificuldades de controle devido à resistência consiste na adesão a um bom manejo integrado de pragas.

Presença da mariposa de Chloridea virescens da subfamília Heliothinae
Presença da mariposa de Chloridea virescens da subfamília Heliothinae

Rafael Major Pitta, Sandra Maria Morais Rodrigues, Ferreira e Daniel Ricardo Sosa-Gómez, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária-EMBRAPA; Fátima Teresinha Rampelotti, Universidade Federal de Mato Grosso-UFMT

Artigo publicado na edição 231 da Cultivar Grandes Culturas, mês agosto, ano 2018.

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