Fatores climáticos têm mudado a face do planeta, mas o território
brasileiro conservará condições de produção de alimentos em larga
escala. Água e disponibilidade de terra para a agricultura são
preponderantes para creditar ao Brasil benefícios gerados por uma
agricultura ainda mais produtiva. A essas vantagens podemos agregar os
benefícios que a Rodada Doha poderá gerar à redução de subsídios e a
queda de tarifas no comércio agrícola mundial, que poderão elevar a
participação brasileira através de cortes substanciais nas tarifas dos
itens mais importantes com os países desenvolvidos, além de elevar as
cotas de importação de produtos brasileiros.
Os países em
desenvolvimento deverão acentuar nos próximos anos a compra de
commodities agrícolas brasileiras e deverão ser os grandes compradores
do nosso etanol e biodiesel. As mudanças que estão ocorrendo na matriz
energética mundial estão impulsionando a produção de combustíveis
renováveis no Brasil. Não há a menor dúvida de que o país deverá
liderar esses segmentos do agronegócio mundial e o Estado de São Paulo
será a locomotiva desse processo.
A disposição dos
administradores públicos em incentivar a implantação de novas usinas de
beneficiamento de cana é compreensível. Mas não se pode admitir que o
entusiasmo em torno da cana prejudique o desenvolvimento de setores que
também possuem peso inegável na balança comercial, como é o caso da
pecuária.
Em 2006, as exportações de açúcar e álcool somaram US$
7,78 bilhões contra US$ 7,39 bilhões de carne bovina e couros. Não nos
colocamos contra o avanço da cana, como também ninguém culpou a cultura
canavieira pela nossa incapacidade de produzir mais quilos de carne por
hectare/ano, mas o Brasil precisa de projetos e não simplesmente uma
corrida desenfreada na substituição da pecuária pela cana. Necessitamos
de planejamento de longo prazo para reformular a pecuária paulista e
avaliar o impacto ambiental e social desse processo.
Não devemos
simplesmente acomodar, arrendar as nossas terras, abater nosso gado e
comprar o kit cana: óculos escuros, bermuda, chinelo e a camioneta,
virando, com num passe de mágica, fazendeiros de sucesso.
Não
nos opomos à substituição das pastagens degradadas por cana. Estamos
querendo delinear os novos cenários da integração cana-pecuária e
tentar reformular os sistemas de produção para leite e carne no Estado
de São Paulo. A pecuária paulista passará por transformações profundas,
onde só haverá lugar para sistemas de produção ordenados em sintonia
com a utilização de recursos genéticos de forma racional, inteligente e
em consonância com o aproveitamento de resíduos da indústria canavieira.
O
contra-senso na aplicação de recursos não se limita ao estímulo à
cana-de-açúcar. Nos últimos anos, o governo federal destinou milhões de
reais para fazer a reforma agrária, em doses inversamente proporcionais
ao que foi gasto com a defesa agropecuária. É um contra-senso sim,
estimular assentamentos no Estado de São Paulo em regiões onde estão
surgindo novos pólos sucroalcooleiros. É um contra-senso sim, deixar de
investir na defesa animal no estado primeiro exportador de carne bovina
antes do foco de febre aftosa em 2005.
O objetivo básico das
políticas públicas agrícolas e agrárias deve levar à inserção
competitiva e sustentável da produção agrícola de todas as cadeias que
compõem o sistema agroindustrial brasileiro e fomentar o equilíbrio
entre elas.
Entre os anos 2000 e 2004, os investimentos em
projetos de reforma agrária e agricultura familiar ultrapassaram os R$
18 bilhões, enquanto os investimentos em pesquisa e desenvolvimento
agrícola, extensionismo rural e defesa sanitária não alcançaram a casa
dos R$ 4 bilhões. Sem contar os pífios recursos destinados à
infra-estrutura de transporte, armazenagem, comercialização e sistemas
de informação de mercado.
Concordo plenamente que o problema da
pecuária nacional não é a cana, mas sim tudo aquilo que há muito se
discute e aos poucos se enfrenta: difusão de tecnologia, relacionamento
moderno entre os agentes da cadeia, seriedade governamental, agregação
de valor e marketing. Porém, não posso deixar de afirmar que é uma
heresia pretender que a cana seja a salvação da pecuária. A integração
do binômio cana e pecuária pode sem dúvida se transformar num processo
interativo com inúmeras combinações desejáveis para a pecuária de corte
e de leite.
Não podemos ser indiferentes à preocupação do
crescimento desordenado e sem planejamento, à falta de sensibilidade
pela biodiversidade e com as conseqüências ambientais e sociais que
podem trazer a monocultura sem um plano real de longo prazo.
Engenheiro, pecuarista e diretor técnico da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ)
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