Medidas de controle do mofo branco em soja

Se medidas efetivas não forem adotadas antes do estabelecimento da doença, severos prejuízos podem ocorrer

26.05.2020 | 20:59 (UTC -3)

De difícil controle o fungo Sclerotinia sclerotiorum, causador do mofo branco, encontra nas condições de cultivo de soja no Brasil um ambiente bastante favorável para sobreviver e se disseminar. Medidas preventivas, que incluem o uso de fungicidas antes do estabelecimento da doença, são as mais efetivas para enfrentar o problema.

A cultura da soja é acometida por várias doenças fúngicas. No Brasil a número um é a ferrugem asiática da soja, seguida das manchas foliares. Porém, ocultamente, as podridões de raiz e haste acabam sorrateiramente levando a rentabilidade da cultura. E estas doenças se distribuem pelo país de diferentes formas, beneficiadas pelas particularidades de cada região de cultivo, que acabe as favorecendo.

Neste contexto o mofo branco, causado pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum, veio a cada safra ganhando importância para a sojicultura brasileira, mais pela sua dificuldade de controle do que pelo real potencial de dano à cultura, comparativamente a ferrugem. Na safra 2005/2006 algumas lavouras comerciais de soja em Jataí apresentaram incidência da doença com perdas de até 33%. No entanto, na safra 2007/2008, foi observado presença da doença em quase todas as áreas de cultivo, e vários casos severos apresentaram reduções de até 70% do potencial produtivo da lavoura.

Os primeiros relatos de agricultores naquele município datam da safra 2001/2002. Atualmente, sabe-se que regiões de cultivo de soja que ofereçam condições mais amenas e melhores condições de molhamento (água livre) tem grandes chances de desenvolverem maiores perdas de produtividade pela agressividade do mofo branco. Em contrapartida, algumas regiões, apesar de apresentarem plantas com sintomas, não oferecem condições, durante o ciclo de cultivo da soja, para que a doença ganhe importância econômica. Em outras palavras, compromete a rentabilidade, mas não oferece risco econômico de perdas em produtividade.

A grande problemática que envolve essa doença no Brasil é a facilidade que este fungo tem de sobreviver nas condições em que a soja é cultivada no país. O fungo dissemina-se principalmente na forma de escleródios, ascosporos e micélio dormente no interior e exterior de sementes. Os escleródios podem ser disseminados por implementos e máquinas agrícolas, mas principalmente disseminam-se entre as sementes. Nesse caso, no sul do País, especialmente o nabo forrageiro, onde a semente é semelhante ao escleródio, e se o agricultor não for atento com a qualidade da semente, pode acabar involuntáriamente fazendo inoculação de sua lavoura com Sclerotinia sclerotiorum. Já os ascosporos são ejetados das ascas e lançados com a ajuda do vento até as plantas e lavouras próximas.

Presença de apotécios do fungo Sclerotinia sclerotiorum, causador do mofo branco.
Presença de apotécios do fungo Sclerotinia sclerotiorum, causador do mofo branco.

Os ascosporos no vento normalmente aderem a todas as superfícies da planta, porém, dependendo, de onde cairem, por exemplo, na parte superior das folhas do topo da planta, as condições para sua germinação e infecção são severamente ruins, e a probabilidade de ocorrer a doença é mínima. Contudo, o principal sítio de infecção, as pétalas senescidas presas, geralmente, sobre axilas, facilitam incrivelmente o processo infeccioso, pois o fungo encontra nessas pétalas, matéria orgânica (fungo necrotrófico, saprofítico) sem resistência a infecção, normalmente observada em tecidos vivos (folhas e hastes). E nestes locais, em geral o período de sombreamento e molhamento após o fechamento das linhas de soja pode chegar a até 16 horas por dia ou mais. Ou seja, quanto maior o período de molhamento, por exemplo, se as 10 horas da manhã ainda houver a possibilidade de molhar a barra das calças caminhando em um lavoura de soja, maior será a probabilidade de estabelecimento da patogênese. Se houver uma região que proporcione (temperatura elevada, menor freqüência pluviométrica) um menor tempo de molhamento (12 horas, por exemplo), a possiblidade da doença se tornar epidêmica na área é severamente reduzida, e com isso as chances de proporcionar perdas.

As pétalas de soja senescidas do estádio R3 para o R4, em sua grande maioria, bem como flores senescidas de feijão ou partes mortas de crucíferas servem como fonte de energia para garantir a infecção primária dos tecidos sadios pelos ascosporos e posterior colonização do hospedeiro. De acordo com a bibliografia é necessário uma fonte de nutrientes exôgena, para ocorrer a infecção, ou infectando a partir de ferimentos. Fato que ajuda a explicar lavouras de soja com presença de escleródios no solo, porém em regiões de baixa altitude, secas e quentes não apresentarem níveis de dano econômico da doença, muitas vezes não justificando o controle químico. Com isso, obviamente conclui-se que o mofo-branco se relaciona com o estádio de florescimento dos hospedeiros. Contudo, os ascosporos podem infectar plantas injuriadas mecanicamente ou com lesões necróticas incitadas por outros patógenos ou pragas. O que em locais altamente favoráveis, observa-se o desenvolvimento da doença antes do florescimento, especialmente em lavouras de soja, começando pelas ruas de trafego das máquinas (pulverizadores). Vale ressaltar que este fungo tem uma alta variabilidade genética e taxa de mutação. É um fungo polífago, capaz de atacar mais de 692 espécies de plantas, especialmente folhas largas. Assim, mesmo áreas de primeiro ano de soja não estão livres de sofrerem danos pela doença. No Brasil, o mofo branco acomete as culturas do girassol, feijão, algodão, canola, nabo forrageiro, batata e soja. Até o que se conhece atualmente, não há desenvolvimento da doença em gramíneas como milho, trigo, sorgo e braquiária.

Após a entrada do patógeno pelas fronteiras das plantas irá disseminar-se fácil e rapidamente (com alta agressividade) para folhas, pecíolos, internódios e também plantas próximas, afinal de contas, já conseguiu sua fonte primaria de alimento, e a partir disso sua principal função é disseminar-se e produzir micélio e escleródios em abundância na maior área possível, desde que as condições de ambiente lhe favoreçam para isso, como adensamento da soja, espaçamento entre linhas menores, regiões de altitude, onde as temperaturas geralmente são mais frias à noite aumentando o orvalho e o tempo de molhamento das plantas. Os tecidos corticais são invadidos rapidamente, até que se produz a morte da parte aérea da planta, sendo esta uma das causas que tornaram o mofo branco doença prioritária, ganhando muitas vezes mais importância econômica que a própria ferrugem em algumas regiões, onde as condições de clima e de uso da terra favoreceram seu aumento vertiginosamente. O exemplo disso é a sequencia de soja, feijão, girassol, onde pode ocorrer nas três culturas uma produção massiva de escleródios, em relação a produtividade de fungo na área.

Mas, em geral a colonização é não seletiva (não específica a tecidos como o xilema). O desenvolvimento dos sintomas estão associados ao ácido oxálico e as enzimas pectolíticas produzidas pelo fungo. Inicialmente o ácido oxálico penetra no tecido, reduzindo o pH de 6,8 para 4,0, fornecendo assim um pH ótimo para a ação da enzima pectolítica. Lembrando que um dos principais componentes da parede celular vegetal, que dá rigidez e serve de barreira a entrada de patógenos nas plantas é o gel de pectina, que agrega as celuloses e hemiceluloses. A ação do patógeno resulta em regiões da planta com sintomas de encharcamento ao redor das lesões, que podem ser variáveis, conforme a tolerância ou resistência do hospedeiro ao ácido. As lesões surgem frequentemente do primeiro ao quinto nó e em ramificações secundárias da soja. As lesões se expandem da inflorescência para a haste principal colonizando os tecidos e aumentando as lesões. A doença aumenta até a maturação da soja, podendo chegar a 90% de incidência.

A grande problemática do mofo branco na cultura da soja no Brasil é a dificuldade de controle, de manejo. A bibliografia mostra já há alguns anos e não só no Brasil, que não existe controle total da doença, apenas uma diminuição da incidência. A forma de amenizar os danos causados pelo fungo é a integração de medidas, para a diminuição dos propágulos do fungo na área. A medida de controle mais efetiva e rentável para essa doença nos campos de soja é agir sobre o inóculo e não sobre a doença. As ações de controle desenvolvidas na doença (interação do fungo com a planta) minimizam a rentabilidade com o processo. Porém, ações voltadas para a diminuição da produção de escleródios e de sua viabilidade e manutenção na área são mais demoradas de se obter, mas mais rentáveis. Como o objetivo é ganhar dinheiro com soja, é necessário achar um meio de utilizar as duas de modo a obter o melhor retorno econômico no investimento de tecnologias voltadas ao controle dessa doença, como o uso dos fungicidas.

A soja brasileira em sua grande maioria (mais da metade dos 31,5 milhões de hectares de soja em 2015) são de soja sobre a resteva de soja, sem rotação. Não é segredo que a oleaginosa é o grande viabilizador econômico de uma propriedade ou empresa agrícola atualmente, mas é preciso considerar que se, por fatores econômicos, não for possível fazer uma rotação de culturas adequada, deve-se realizar uma rotação de tecnologias, usar diferentes cultivares, que possibilitem alterações de densidade e espaçamento entrelinhas sem prejuízo da produtividade, arquitetura de plantas que dificultem o tempo de molhamento e claro os fungicidas.

As regiões ou áreas mais críticas, invariavelmente, devem prever o cultivo de gramíneas (Poacea) sucessivamente, com objetivo de promover a drástica diminuição do inóculo na área. O uso integrado de antagonistas, em áreas problema, também deve ser considerado como um auxílio de médio - longo prazo, como o Trichoderma spp. afinal, se atualmente a rentabilidade da lavoura está comprometida por causa do mofo branco, no futuro pode ser possível produzir soja sem mofo branco na área, e para isso os fungos antagônicos de solo ajudam muito.

A Embrapa Soja vem já há algumas safras liderando um ensaio em rede com parceiros de diversas instituições de pesquisa sobre o manejo químico do mofo branco. O objetivo é gerar resultados de pesquisa para auxiliar o registro e recomendação de fungicidas. Os ensaios vêm sendo realizados desde a safra 2008 nos estados de Goiás, Bahia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Sugere-se que produtores de soja passíveis de enfrentar essa doença devastadora atualizem-se atualmente, obtendo a circular técnica dos ensaios em rede para mofo branco no Brasil.

O uso de fungicidas é muito efetivo antes do estabelecimento da doença. Uma vez que consiga infectar as pétalas mortas, os defensivos terão um baixo efeito de controle. Sabendo disso, o estádio fenológico mais crítico para o manejo químico é o início do florescimento. Pensando em usar o fungicida muito mais sobre o inóculo da doença, os apotécios e ascósporos, do que na planta e muito menos ainda na doença.

Se medidas efetivas não forem adotadas antes do estabelecimento da doença, severos prejuízos podem ocorrer.
Se medidas efetivas não forem adotadas antes do estabelecimento da doença, severos prejuízos podem ocorrer.


Lucas Navarini, IFRS - Câmpus Ibirubá/RS; Carlos Machry, Dionatan Nicola, Francine Simmi, IFRS - Câmpus Ibirubá/RS, Bolsistas do CNPq


Artigo publicado na edição 205 da Cultivar Grandes Culturas.

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