Maturação uniforme

O Ethrel, quando aplicado no momento certo, proporciona ao fruto a maturação desejada

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

A colheita é a operação mais onerosa na cadeia produtiva do café. O problema é mais grave em algumas cultivares e sob certas condições de implantação da lavoura (e.g. adensamento), de manejo (e.g. irrigação, fertirrigação) e de clima (e.g. elevadas altitudes e precipitações pluviais), quando podem ocorrer três ou mais grandes floradas. Por conseguinte, a maturação dos frutos fica muito desuniforme. Não só a colheita é prejudicada como diminui o rendimento no “descascamento“ do café. Assim, há perda de produtividade e qualidade, caso a colheita seja feita numa única etapa.

A maneira mais indicada de resolver esse problema é o desenvolvimento de cultivares com floração mais uniforme e conseqüentemente, de maturação mais concentrada de frutos. Pesquisas nesse sentido estão sendo desenvolvidas no Brasil com resultados bastante promissores, tanto pelo melhoramento genético clássico como pela biotecnologia, mas levará algum tempo até que se tenha uma solução definitiva, por essa via.

Uma alternativa seria a colheita seletiva dos frutos maduros (cerejas), mas é pouco provável que ela venha a ser amplamente adotada no Brasil, especialmente nas grandes plantações, devido à mão-de–obra escassa e custo alto. Portanto, a colheita por derriças mecânica ou manual, onde a planta é colhida uma única vez, apanhando-se frutos de todos os estádios de maturação, deve continuar predominante.

Outra alternativa, mas não a mais adequada, por ser paleativa, consiste no uso de alguma substância reguladora da maturação dos frutos. Há quase 100 anos sabe-se que o etileno é o “hormônio da maturação de frutos“, além de induzir várias outras reações fisiológicas nas plantas. No entanto, o seu uso na agricultura era muito limitado por ser um gás. Esse problema foi solucionado, em 1967, quando a Amchem lançou no mercado o CEPA (ácido 2-cloro-etil-fosfônico), também conhecido como Ethrel ou Etephon. Essa substância é precursora de etileno, estável em meio ácido. Quando absorvida pela planta, ela se decompõe dentro da célula, liberando etileno já próximo do seu sítio de ação, potencializando a resposta fisiológica.

Sabe-se, há mais de 30 anos, que o Ethrel promove a maturação dos frutos de café. Os trabalhos realizados sobre o assunto, na década de 70, foram revistos. Naquela década, cerca de duas dezenas de pesquisas foram publicadas sobre o efeito do Ethrel na maturação dos frutos de café, tanto Arábica como Canéfora, principalmente na África, Índia, Porto Rico e Brasil. Os trabalhos brasileiros apareceram a partir de 1972. Mônaco e Söndahl (10) relatam que em cafeeiros Arábica a pleno sol, em Campinas, o Ethrel produziu efeito benéfico na maturação, quando aplicado 2 a 3 semanas antes da primeira colheita principal. Quando aplicado antes desse período, causou grande queda de frutos jovens e induziu a maturação de frutos ainda não completamente granados, pois o etileno é um hormônio da maturação do pericarpo (fruto), mas não da semente ou grão. Foi também avaliada a maturação induzida pelo etileno na qualidade da bebida do café Arábica (13). Com este objetivo, 0, 500, 1000 e 2000 ppm de Ethrel foram aplicados em abril e maio de 1972, em Campinas. A qualidade da bebida obtida de frutos maduros, colhidos 15 dias após a aplicação de abril, foi “dura”, devido à grande porcentagem de sementes imaturas, ainda que o fruto externamente estivesse maduro. A qualidade da bebida após a aplicação de maio foi “ mole” . A conclusão, idêntica à maioria das pesquisas realizadas no mundo, é que o Ethrel pode ser usado para uniformizar a maturação do fruto de café, sem prejudicar a qualidade da bebida, desde que aplicado quando os frutos estiverem completamente desenvolvidos, ou seja, com o endosperma maduro.

Aqui cabe um parêntese. O Ethrel só tem efeito na maturação quando aplicado diretamente sobre o fruto. Aquela fração que alcança as folhas e outras partes da planta não atua sobre o fruto. Portanto, quanto mais enfolhado o cafeeiro mais difícil a aplicação, a qual requer grande turbulência e grande quantidade de calda. A concentração de Ethrel mais aconselhada encontra-se entre 800 e 1400 ppm.

Outra pesquisa que merece destaque é a de Clowes (6), no Zimbábue, e os seus resultados são muito semelhantes aos de Browning e Cannell (2), no Quênia. Clowes testou Ethrel a 830 e 1660 ppm e observou que ambas as doses foram efetivas em acelerar a maturação, sem perda de produtividade e qualidade, desde que aplicadas 30 semanas após a floração, ou seja, quando os frutos já haviam completado a granação e estavam no processo inicial de amadurecimento. O estádio ideal de aplicação do Ethrel é quando o endosperma está cinza-escuro e duro, indicando que o fruto está completamente desenvolvido (6). Aplicações anteriores resultam em maturação desuniforme e prematura, com intensa queda e chochamento de frutos e redução de produtividade e qualidade. Aplicações precoces de Ethrel no outono, quando havia ainda intensa vegetação, promoveram a queda de folhas e seca-de-ponteiros, eventos que se reduziram com aplicações mais tardias. Deve-se, no entanto, evitar aplicações de Ethrel após as gemas floríferas terem alcançado 4mm ou mais. Clowes (6) ainda afirma que a adição de uréia às caldas de Ethrel não aumentou a eficiência do produto.

As pesquisas com Ethrel produziram logo duas informações importantes: sua aplicação só seria vantajosa se realizada no “momento certo” do desenvolvimento do fruto e na “dosagem correta”. Qualquer pequeno desvio dessas condições pode ser desastroso para o cafeeiro e o cafeicultor. Provavelmente, devido aos riscos dessa técnica, as pesquisas com Ethrel sofreram um arrefecimento nas décadas de 80 e 90. Mas, a demanda pelos cafeicultores foi sempre crescente, principalmente devido ao surgimento das grandes empresas do agronegócio-café e da colheita mecânica.

Só recentemente, nova tentativa do uso do Ethrel na cafeicultura foi realizada no Brasil (4,5), ensejando uniformizar e antecipar a maturação e facilitar a remoção dos frutos dos ramos, já que o etileno favorece também a abscisão dos mesmos. Nessa pesquisa, realizada em Patrocínio, MG, a aplicação do Ethrel foi feita quando cerca de 30% dos frutos estavam no estádio de cereja. A concentração do Ethrel foi de 1300ppm e aplicaram-se, em media, 250ml da calda por planta, obedecendo ao critério de molhar bem, sem escorrer. De acordo com a pesquisa (4,5) o Ethrel:

• Uniformizou e antecipou a colheita de 15 dias no ‘Acaiá Cerrado MG 1474‘e 30 dias no ‘Catuaí Vermelho IAC-15 ´.

• Causou desfolha de 3% a 8%, por ocasião da colheita, dependendo da cultivar.

• Não interferiu na qualidade da bebida e na classificação do café.

Enfim, com todos esses resultados favoráveis ao uso do Ethrel no amadurecimento do fruto de café, por que, então, esta não é uma prática corriqueira na cafeicultura? Simplesmente porque pesquisador ou técnico de bom-senso teria receio de indicá-la. Somente aqueles devidamente preparados poderiam, dentro de uma lavoura específica, decidir sobre o seu uso, já que ele depende fortemente do número de floradas. Estas, por sua vez, dependem da cultivar, da idade, do clima (e.g. altitude, radiação, temperatura, umidade), do espaçamento, do manejo (e.g. irrigação, fertirrigação, níveis de nitrogênio), da carga de frutos, do enfolhamento, do ataque de certas doenças (e.g. ferrugem, cercosporiose etc) . Portanto, não dá para generalizar.

Nas diversas regiões produtoras do Brasil, pode-se ter de uma a cinco floradas, dependendo das condições anteriormente mencionadas, compreendidas no Sul-Sudeste de agosto a dezembro. Numa dada situação, de abril a julho, quando se iniciar a maturação dos frutos da primeira florada, momento que seria propício o início da aplicação do Ethrel para estes frutos, podem ser encontrados, no mesmo cafeeiro , diferentes proporções de frutos verdes granados, verdes aquosos e até “chumbinhos”. É possível indicar o Ethrel para concentrar a maturação e a colheita numa situação destas? Claro que não! É bem verdade que se encontram muitas lavouras, que num dado ano, floriu duas ou três vezes entre setembro e outubro. Tudo bem; esta é outra situação.

Há uma alternativa ao uso de Ethrel, que consiste na aplicação do inibidor da biossíntese de etileno nos frutos, denominado AVG (amino-etoxivinilglicina), que pode uniformizar a maturação e a colheita e reduzir a queda de parte dos frutos provenientes das primeiras floradas (8). Neste caso, a maturação desses frutos precoces seria retardada, “forçando-os” a esperar o término do desenvolvimento dos frutos das floradas mais tardias. É o revés do que se discutiu com respeito ao Ethrel . Mas, esta pesquisa ainda se encontra na sua infância e deve aguardar novas informações.

O futuro ainda promete, no entanto, mesmo que seja a longo prazo, soluções mais revolucionárias e duradouras para a maturação do fruto de café, advindas da biotecnologia. Mediante técnicas de biologia molecular, tem-se buscado a transformação genética de cafeeiros com o gene heterólogo anti-senso da enzima oxidase do ACC e a seleção de cultivares transgênicas que apresentam reduzida produção de etileno e, conseqüentemente, reduzida maturação dos frutos ainda na planta (Dr. Vieira, IAPAR, comunicação pessoal) É uma alternativa biotecnológica ao uso do AVG. Isto facilitaria a colheita e melhoraria a qualidade da bebida. Mas, esta pesquisa ainda vai demandar alguns anos, até que se obtenham resultados práticos.

Consultor da Embrapa Café

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