Perspectivas para o agronegócio em 2022
Por Geraldo Sant’Ana de Camargo Barros, Coordenador Científico do Cepea, publicado em 6 de janeiro de 2022
Doença agressiva em feijoeiro, favorecida por temperaturas maiores que 20ºC e porsolos arenosos, ácidos, compactados e com pouca drenagem, a murcha de fusário tem nas sementes infectadas um potente canal disseminador. Para prevenir prejuízos o tratamento de sementes com fungicidas ou agentes biológicos é um importante aliado do produtor.
O intenso cultivo do feijoeiro em várias épocas do ano, juntamente com o uso da irrigação via pivô central, expõem as lavouras a uma série de fatores limitantes, incluindo, por exemplo, as doenças causadas por patógenos do solo. Destaca-se a murcha ou amarelecimento de fusário, causada pelo fungo Fusarium oxysporum Schlecht. f. sp. phaseoli Kendrick & Snyder (Fop). No Brasil, a doença ocorre em todo o país e pode levar a perdas em torno de 30% nas produções brasileiras do grão.
O complexo Fusarium oxysporum é o agente causal de doenças vasculares em muitas espécies de plantas, sendo que os isolados que são patogênicos ao mesmo hospedeiro, ou que possuem a mesma amplitude de hospedeiros, são designados formae speciales; sabe-se que mais de 70 já foram descritas.
Quando há um alto nível de especialização, formae specialis podem ser associadas à patogenicidade em apenas uma espécie hospedeira. Muitas formae speciales podem ser subdivididas em raças, tendo-se como base a sua virulência em diferentes cultivares de um hospedeiro. As raças que causam a murcha ou amarelecimento especificamente na cultura do feijoeiro, recebem a taxonomia de Fusarium oxysporum f. sp. phaseoli (Fop).
Fusarium oxysporum f. sp. phaseoli pertence ao filo Ascomycota, ordem Hypocreales, família Nectriaceae. O fungo produz três tipos de esporos assexuados, denominados de macroconídios, microconídios e clamidósporos.
A sobrevivência do fungo ocorre, principalmente, no solo, onde vive saprofiticamente em restos de cultura e na matéria orgânica. Em longo prazo, o fungo sobrevive na forma de clamidósporos na ausência do seu hospedeiro. Além disso, outras espécies podem se comportar como hospedeiras alternativas de Fusarium oxysporum f. sp. phaseoli, incluindo Dolichos lablab L. (lablab), Phaseolus lunatus L. (feijão-de-lima), Mucuna aterrima (mucuna preta), Canavalia ensiformes (L.) (feijão de porco), Crotalaris spectabilis (crotalária), Cajanus cajan (guandu).
A disseminação do fungo de um campo para outro ocorre principalmente por sementes infectadas, ou como esporo aderido à sua superfície. Este processo é ainda facilitado pelo vento e água de irrigação, que carregam conídios e solos infestados a partir de plantas mortas pelo patógeno e por implementos agrícolas contaminados.
O patógeno é capaz de penetrar nos tecidos radiculares do hospedeiro, como também no hipocótilo e em tecidos radiculares mais velhos, geralmente por ferimentos ou aberturas naturais. A infecção pode ocorrer em qualquer fase do ciclo da cultura, sob temperatura ótima de 28°C. A safra das "secas" é considerada o período crítico de infecção do patógeno, principalmente quando a planta se encontra nos estádios entre V4 (terceira folha trifoliada) e R6 (florescimento). Os nematoides Meloidogyne incognita, Meloidogyne javanica e Pratylenchus spp. são responsáveis pelos ferimentos e aberturas que podem favorecer a entrada do patógeno pelo sistema radicular do feijoeiro.
Após a penetração, a hifa do fungo é capaz de colonizar a planta, atingindo o seu sistema vascular. O fungo permanece confinado nos vasos do xilema até a doença atingir estádios mais avançados de desenvolvimento, causando os sintomas de murcha nas plantas. Por fim, o patógeno move-se para outros tecidos e começa o processo de esporulação na superfície da planta morta.
A severidade da doença é maior a 20°C e, em condições de campo, o desenvolvimento do patógeno é favorecido em temperaturas entre 26ºC a 28°C. Solos arenosos, ácidos, sob condições de estresse hídrico, compactados e com pouca drenagem também podem agravar a severidade da doença.
Para o controle da doença é importante impedir a introdução do patógeno em áreas indenes, pois uma vez detectada a presença no campo, a erradicação do inóculo torna-se muito difícil através de práticas culturais e pelo controle químico.
Atualmente, a doença tem sido um problema, pois a sua ocorrência está relacionada com a introdução em novas áreas de cultivo de feijoeiro, em decorrência da utilização de grãos portadores de F. oxysporum e pelo cultivo intenso de feijoeiro nas mesmas áreas infectadas com o patógeno. Estas circunstâncias obrigam, de certa forma, os produtores a conviver com a doença no campo.
Embora o uso de cultivares resistentes seja a opção mais eficiente para controlar a doença, muitos produtores ainda optam por utilizar cultivares suscetíveis, devido às características agronômicas desejáveis e pela preferência do mercado consumidor. Entre as cultivares mais utilizadas no país, cerca de 70% correspondem às do grupo Carioca.
Desse modo, a análise da qualidade sanitária das sementes, em conjunto com o tratamento, consiste em medidas preventivas fundamentais para o manejo da doença.
Considerando-se o manejo integrado de doenças, o tratamento de sementes constitui um método eficaz na sua prevenção, seja por meio de fungicidas ou do uso de agentes biológicos. Esta prática tem como objetivos não somente erradicar ou reduzir o inóculo transportado pelas sementes, como também proporcionar uma proteção parcial às sementes contra patógenos, ou então, presentes no solo.
Dentre os benefícios oferecidos pelo tratamento de sementes, destacam-se o baixo custo e a garantia do estabelecimento das culturas, pois oferece proteção contra fungos de solo durante os períodos de pré e pós emergência das plantas.
Para a cultura do feijoeiro, o tratamento químico de sementes é uma medida muito utilizada pelos agricultores para o manejo de diversos fungos. Além de atuarem como protetores, os fungicidas aplicados nas sementes, impedem, principalmente, a penetração dos fungos infectantes de raízes e os aderidos à semente na superfície, evitando assim, a colonização dos órgãos aéreos ou radiculares.
Atualmente, para o controle de Fop, o Sistema Agrofirt, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, apresenta o fungicida captana e o fungicida-inseticida metalaxil-M, fludioxonil, tiabendazol e tiametoxam. Com relação aos produtos biológicos, existem apenas dois produtos à base de Trichoderma spp., registrados para a cultura do feijoeiro, recomendados para o controle de Fusarium solani e Rhizoctonia solani, representados pelas espécies de T. asperellum e T. harzianum (Agrofit, 2015).
Especialmente para a cultura do feijoeiro é muito comum os produtores utilizarem como semente o material oriundo de áreas destinadas para grãos. Na safra de 2013/2014, o uso de sementes certificadas no Brasil foi de, aproximadamente, 20%, representando um valor muito inferior quando comparado com outras culturas (ANUÁRIO ABRASEM, 2014).
A qualidade dessas sementes "salvas" se caracteriza, de maneira geral, por apresentar baixa pureza, alto grau de umidade, baixa germinação e vigor, infestação por insetos e, principalmente, pela presença de patógenos associados.
Dentre as doenças de importância econômica para a cultura do feijoeiro, cerca de 50% são disseminadas pelas sementes e são responsáveis por perdas significativas na produção. Os fungos que representam este quadro são Alternaria spp., Colletotrichum lindemuthianum, Pseudocercospora griseola, Fusarium oxysporum f. sp. phaseoli, Fusarium solani f. sp. phaseoli, Macrophomina phaseolina, Rhizoctonia solani, Sclerotinia sclerotiorum, Sclerotium rolfsii e outros.
No caso da murcha de fusário, a semente de feijão é a principal fonte de inóculo e ainda pode veicular o patógeno externamente, na forma de esporos aderidos à superfície do tegumento, ou internamente, como micélio dormente. Já foi constatado que as estruturas do patógeno presentes nas sementes permaneceram viáveis durante o período de armazenamento superior a oito meses e podem constituir o inóculo primário para o desenvolvimento de epidemias na cultura do feijoeiro.
Desse modo, trabalhos que envolvem o efeito da transmissão desse patógeno via sementes de feijão são relevantes, pois levam a compreender como a doença pode afetar fatores primordiais para uma boa produtividade, como a germinação e vigor das sementes.
Um estudo realizado no Laboratório de Patologia de Sementes, situado no Departamento de Fitopatologia e Nematologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Piracicaba/SP) objetivou verificar o efeito da inoculação do fungo Fusarium oxysporum f. sp. phaseoli (Fop) nas sementes de feijão em condições de laboratório e de casa de vegetação. Foram utilizados três isolados de Fop, cultivados em placas de Petri com meio de cultura BDA. Sementes de feijão cultivar 'IAC Alvorada' foram colocadas sobre as colônias do patógeno, permanecendo em contato por 48, 96 e 144 horas sob fotoperíodo alternado de 12 horas de luz e temperatura de 20ºC ±2°C. Os tratamentos testemunhas consistiram em sementes sem o patógeno. O efeito dos diferentes períodos de contato das sementes com Fop foi avaliado através dos testes de sanidade, germinação e índice de velocidade de emergência das plântulas.
De acordo com a análise sanitária, verificou-se que o método de inoculação foi muito eficiente, pois se constatou 100% de incidência do patógeno nas sementes, independentemente dos tempos de contato.
Na Tabela 1 observa-se que houve uma redução significativa da germinação das sementes após 96 horas de contato com o patógeno, independentemente do isolado. O contato das sementes durante 144 horas levou a uma redução de 40% a 50% da germinação.
Os índices de velocidade de emergência (Tabela 2) e porcentagens de emergência (Tabela 3) corroboram os resultados obtidos no teste de germinação, confirmando a redução do vigor à medida que houve o aumento do tempo de exposição das sementes com o patógeno, independentemente de isolado.
Para o menor período de contato, foi observado plantas de feijoeiro com sintomas típicos da murcha-de-fusário, caracterizadas pela necrose do colo da planta e amarelecimento das folhas. Já nos tratamentos onde o tempo de inoculação foi de 96 horas e 144 horas, não foi identificado tais sintomas. Com base nesse fato e na porcentagem de emergência das sementes (Tabela 3), pode-se inferir que o período de 48 horas permitiu o desenvolvimento das plantas e posteriormente, à reprodução dos sintomas, e, em contrapartida, os períodos de 96 horas e 144 horas foram determinantes na morte das sementes.
O feijoeiro-comum, Phaseolus vulgaris L., é uma espécie vegetal cujos grãos compõem uma importante fonte proteica na alimentação dos brasileiros. Atualmente, o Brasil posiciona-se como o terceiro maior produtor mundial de feijão, com uma produção anual aproximada de três milhões de toneladas, sendo superada pelo Mianmar e pela Índia.
Na safra de 2015/2016, a produção nacional atingiu 3.182,7 milhões de toneladas, concentrando-se, principalmente, nos estados do Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e São Paulo (CONAB, 2016).
Artigo publicado na edição 215 da Cultivar Grandes Culturas, mês abril, ano 2017.
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