Manejo da mancha-de-ramulária em algodão

Controle químico ao aparecimento das primeiras lesões nas folhas mais velhas é uma das estratégias mais utilizadas contra o patógeno

09.06.2020 | 20:59 (UTC -3)

Considerada inicialmente como doença apenas de fim de ciclo e incapaz de implicar em danos, a mancha de ramulária atualmente detém no Brasil o posto de enfermidade principal na cultura do algodoeiro. Como a maioria das cultivares atualmente em uso não possuem resistência completa, o controle químico ao aparecimento das primeiras lesões nas folhas mais velhas é uma das estratégias mais utilizadas contra o patógeno.

A mancha de ramulária do algodoeiro foi relatada pela primeira vez nos EUA. No Brasil, até algum tempo atrás, ocorria apenas no final do ciclo da cultura sem implicar em perdas. Entretanto, com o aumento da área cultivada e uso de cultivares suscetíveis, a doença passou a surgir mais cedo, sendo considerada, atualmente, a principal enfermidade  em algodão no cerrado brasileiro.

A doença é causada pelo fungo Ramularia areola (Atk.) (sinônimos: Ramularia gossypii Speg. Ciferi, Cercosporella gossypii Speg.), forma anamórfica de Mycosphaerella areola Ehrlich & Wolf.

A mancha-de-ramulária surge nas folhas mais velhas após a emissão das primeiras maçãs. No Brasil, entretanto, os primeiros sintomas são percebidos entre o surgimento do primeiro botão floral e o início do florescimento. Os sintomas iniciais podem ser percebidos na fase de colonização do patógeno, mesmo antes do início da esporulação. São pequenas lesões (3mm a 4mm de largura) delimitadas pelas nervuras. Portanto, com formato angular, nas folhas mais velhas. Vistas pela superfície superior da folha, as lesões são de coloração verde-clara. A esporulação é iniciada na face inferior da folha, dando às lesões um aspecto cotonoso semelhante aos míldios. Em condições de alta umidade, ocorre intensa esporulação do patógeno também na face superior das folhas, ocupando quase todo o limbo foliar. Os pontos colonizados necrosam após o período de esporulação do patógeno, sendo que, em alguns genótipos de algodoeiro, a necrose pode ocorrer no início da colonização pelo patógeno.

Em casos de alta severidade da doença, pode ocorrer desfolha parcial ou total das plantas. Nesses casos, a perda de folhas durante a fase de formação de maçãs compromete a produção no terço superior da planta, reduz a produtividade nas estruturas reprodutivas já formadas e induz a abertura precoce de capulhos, implicando em perda de qualidade da fibra.

R. areola sobrevive sobre lesões em restos de cultura e os esporos produzidos nestas condições constituem o inóculo primário. É comum o fungo sobreviver em plantas nativas de algodão perene. A dispersão do patógeno ocorre por meio de vento, água de chuva ou de irrigação, pessoas e máquinas. Conídios do fungo germinam em água livre em temperaturas que variam de 16ºC a 34oC, com temperatura ótima entre 25ºC e 30oC. Embora seja necessária água livre para a germinação dos conídios, a penetração, via estômatos, é maior em ciclos de noites úmidas e dias secos do que em ciclos de umidade contínua. Algumas infecções ocorrem após dois ciclos de noites úmidas com infecção máxima após quatro ciclos.

Plantios menos adensados e conduzidos de forma a evitar o sombreamento excessivo entre plantas e controle químico são as principais táticas utilizadas no manejo da doença. A maioria das cultivares de algodoeiro atualmente exploradas no Brasil são, em algum nível, suscetíveis à mancha-de-ramulária. O uso de cultivares com algum nível de resistência, principalmente aquelas com arquitetura de copa, que permita ou facilite a aeração, aliado a espaçamentos maiores e a menor densidade de plantas, pode reduzir a severidade da doença. Recentemente foi lançada a cultivar resistente BRS 372. Outras cultivares com alta tolerância também estão disponíveis no mercado como a BRS 371 RF, TMG 41 WS, TMG 42 WS e TMG 43 WS.

Como a maioria das cultivares atualmente em uso no Brasil não possuem resistência completa à doença, o controle químico é uma tática comumente empregada para contenção da doença, devendo ser iniciado assim que as primeiras lesões forem identificadas nas folhas mais velhas. O monitoramento constante da lavoura é crucial visto que as primeiras lesões são de difícil identificação antes de ocorrer esporulação.

Os primeiros sintomas da doença surgem concomitantemente com o início da fase reprodutiva da planta, em geral, entre o aparecimento do primeiro botão floral até a abertura da primeira flor. Os danos causados pela doença estendem-se até o final do ciclo da cultura, sendo mais expressivos entre o início do florescimento e a abertura dos primeiros capulhos. Após o início de abertura de cápsulas, o controle químico não traz benefícios. No controle químico da doença, é importante conhecer o modo de ação e o tipo de translocação do fungicida na planta, para a decisão sobre qual produto deve ser usado e quando deve ser aplicado. Além desse conhecimento, o uso de maneira alternada de fungicidas com diferentes princípios ativos é fundamental, pois é uma estratégia eficaz para se evitar o aumento da frequência de isolados resistentes, dentro da população de R. areola.

No início dos primeiros sintomas da mancha-de-ramulária, o inóculo inicial de R. areola é baixo e oriundo de correntes aéreas, folhas de algodoeiro da safra anterior ou das primeiras lesões instaladas nas folhas mais velhas. Nesta fase, fungicidas do grupo das estrobilurinas podem ser usados isoladamente ou em mistura pré-fabricada com outros fungicidas, uma vez que são muito eficazes em prevenir a germinação de esporos e, também, têm efeito erradicante. O atraso no início da primeira aplicação diminui a eficiência do controle, podendo, inclusive, ser economicamente inviável. Antes do término do período residual do fungicida, deve-se monitorar novamente as plantas, pois, caso se constatem novas lesões com esporulação (lesões esbranquiçadas), no terço médio da planta, recomenda-se iniciar a segunda aplicação, de preferência, com um fungicida pertencente a um grupo químico diferente do que foi empregado na primeira aplicação. Essa estratégia impede o acréscimo de inóculo na área e protege as plantas durante períodos críticos em necessidade de fotoassimilados, além de reduzir o risco de surgimento de isolados do patógeno resistentes a fungicidas. Moléculas com lançamento recente devem ser usadas também na rotação de produtos, como protioconazol, cresoxim-metílico e fluoxastrobin, além dos fungicidas denominados SDHI (succinate dehydrogenase inhibitors) da família química dos pyrazóis-carboximidas como boscalide, fluopyram e fluxapyroxade, pois foram pouco expostos à população do patógeno. Outros fungicidas, como o Mancozebe, também são importantes no controle químico da mancha de ramulária e devem ser usados na rotação com as estrobilurinas e triazóis.

Dependendo da cultivar em uso, não é necessária uma terceira aplicação de fungicidas, principalmente para aquelas com algum nível de resistência, de ciclo precoce e cultivadas em segunda safra. Para as suscetíveis, de ciclo médio a tardio, cultivadas em safra única, podem ser necessárias outras aplicações. As aplicações subsequentes dependem do progresso da doença, após os 80-90 dias de emergência. Princípios ativos que integram a lista de registro contra a doença podem ser observados na Tabela 1. Os nomes comerciais dos produtos contra a mancha de ramulária estão listados no sítio do Sistema Agrofit (http://agrofit.agricultura.gov...).

 O programa de melhoramento da Embrapa Algodão tem selecionado genótipos resistentes a mancha de ramulária. A seleção de linhagens resistentes tem sido possível mesmo em populações oriundas de parentais apenas com resistência parcial, demostrando haver segregação transgressiva, portanto de herança poligênica para o caráter. O cruzamento entre as cultivares Cacique e Ita 90 gerou uma população em que diversas linhagens resistentes foram selecionadas: CNPA GO 2007-419, CNPA GO 2007-423, CNPA GO 2008-1265, CNPA GO 2008-1266, CNPA GO 2008-1271 e CNPA GO 2009-204. Outro exemplo de segregação transgressiva é a linhagem resistente CNPA BA 2003-2059 que foi selecionada em população que envolvia parentais suscetíveis e com resistência parcial [(Stoneville 373 x BRS Itaúba) x Delta Opal].

A linhagem CNPA GO 2007-423 foi lançada como cultivar, denominada BRS 372, com resistência total a doença e alta produtividade de fibra. Outra cultivar resistente recém-lançada é BRS 371 RF, [(CS 50 x BRS Facual) x Suregrow 125 RF], que também possui resistência transgênica ao herbicida glifosato. Atualmente, esforços estão sendo envidados para a obtenção de marcadores moleculares ligados aos genes de resistência à mancha de ramulária que poderão acelerar o processo de desenvolvimento de cultivares resistentes.

Planta com desfolha no terço inferior.
Planta com desfolha no terço inferior.
Planta totalmente desfolhada.
Planta totalmente desfolhada.

Algodão e doenças no Brasil

Atualmente o Brasil é o quinto maior produtor de algodão no mundo. A ampla maioria dessa produção é realizada no cerrado do Brasil. As elevadas produtividades de fibra alcançadas nesse ecossistema, devido aos avanços genéticos e melhorias nos sistemas de produção, tornam a cultura economicamente viável.

O atual sistema de produção, com base em extensas áreas e poucas cultivares, muitas delas suscetíveis a mais de uma doença, leva ao agravamento de enfermidades antes consideradas pouco expressivas; também possibilita surtos epidêmicos de novas doenças.


Nelson Dias Suassuna e Wirton Macedo Coutinho, Embrapa Algodão


Artigo publicado na edição 206 da Cultivar Grandes Culturas.

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