Doenças da soja em expansão
Apesar da grande evolução do melhoramento de soja no Brasil, a monocultura e a adoção de práticas de manejo inadequadas têm favorecido o surgimento de novas doenças
Desde o início do cultivo de soja no Brasil, as lagartas se encontram entre as principais pragas da cultura. Muitas décadas depois, apesar de toda tecnologia desenvolvida para o cultivo, continuam a ameaçar a sojicultora nacional e a tirar a tranquilidade de muitos produtores. As espécies podem ser diferentes em alguns casos, mas esses insetos continuam a figurar entre as principais pragas da soja. Aprender a manejá-las, com o uso correto de ferramentas disponíveis, dentro do Manejo Integrado de Pragas da Soja (MIP-Soja), é a maneira mais eficaz de controlá-las e evitar prejuízos
Até final da década de 90, a lagarta-da-soja era a principal na cultura. Depois dos anos 2000, esse inseto cresceu em importância e também atingiu o “status” de praga-chave da soja, principalmente, devido à redução de seus inimigos naturais, entre os quais estavam fungos entomopatogênicos que controlavam naturalmente sua população. Atualmente, o complexo de lagartas do gênero Spodoptera, apesar de não ser praga-chave generalizada em todo o país, causa temor nos sojicultores por causar desfolha, atacar as vagens das plantas e não ser controlados pela soja Bt que expressa a proteína Cry 1Ac. Prejuízos às lavouras devido ao ataque dessas lagartas devem-se, em grande parte, ao abandono do Manejo Integrado de Pragas da Soja (MIP-Soja) e a utilização de inseticidas de forma “calendarizada” ou em “carona” com as pulverizações de herbicidas e fungicidas efetuadas na cultura. A não adoção da área de refúgio, na soja Bt, também é uma nova ameaça ao manejo dessas pragas. Algo que precisa ser corrigido e ter sua adoção incentivada, assim como a retomada do MIP-Soja. Para o sucesso do controle dessas pragas é preciso utilizar de forma correta as principais ferramentas de manejo disponíveis.
Os inseticidas estão entre as mais importantes ferramentas de manejo de pragas na atualidade e quando bem utilizados trazem grandes benefícios ao produtor. Entretanto, o uso errado dessa ferramenta, com pulverizações desnecessárias, realizadas sem a adoção dos devidos critérios agronômicos, pode trazer grandes malefícios como o aumento abusivo do custo de produção, seleção de populações de insetos resistentes, surtos de pragas ainda maiores do que haveria na ausência da aplicação sem contar os riscos de contaminação do homem e meio ambiente.
Quando comparados os gastos com agroquímicos entre as safras 2002/2003 e 2012/2013 (Figura 1) é possível visualizar o aumento do custo de produção devido ao uso de defensivos. Parte desses gastos pode ser reduzida evitando-se o uso desnecessário de inseticidas. Não é recomendado ao produtor de soja a utilização de controle em qualquer infestação de pragas ou preventivamente. A aplicação de inseticidas deve ser econômica e, portanto, somente justificável quando a população da praga estiver em níveis reconhecidamente ameaçadores à lucratividade da lavoura, conhecidos como níveis de ação.
Resultados com cultivares de soja de ciclo precoce ou super-precoce, crescimento indeterminado e pequeno índice de área foliar indicam que a soja continua tolerante a desfolha sem perder produtividade (Figura 2). Por isso, os níveis de ação recomendados (Tabela 1) são confiáveis, não havendo razão para o produtor aplicar antes desses níveis serem atingidos.
Além de aplicar no período correto é preciso também escolher o inseticida e a dose certa. Estes procedimentos dependem da espécie de lagarta ou do grupo predominante, o que só pode ser obtido através da avaliação da lavoura com o pano-de-batida (Figura 3). Considerar que lagartas são todas iguais é um grande erro, pois a melhor dose e produto a ser empregado dependem de qual grupo desses insetos está se destacando nos cultivos. Para amostragem na lavoura o produtor necessita anotar separadamente pelo menos quatro grupos de lagartas que são: spodopteras, falsa-medideiras, lagartas do grupo heliothinae e a lagarta-da-soja (Figura 3).
É importante salientar que, em geral, os inseticidas mais indicados para o controle de lagartas na soja são aqueles que conseguem aliar boa eficiência no controle das pragas-alvo com alta seletividade aos insetos benéficos (abelhas, insetos predadores e parasitoides de pragas). Os inseticidas do grupo dos reguladores de crescimento de insetos (popularmente conhecidos como “fisiológicos”), inseticidas biológicos a base de vírus (baculovírus) e bactérias (Bt) e alguns mais novos grupos de inseticidas como as espinosinas e diamidas conseguem ser mais seletivos aos insetos benéficos quando comparados a grupos de inseticidas mais antigos como piretroides, carbamatos, organofosforados, entre outros, e por isso são mais indicados no controle das lagartas da soja desde que devidamente registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a praga-alvo.
Além disso, é importante “rotacionar” a utilização de inseticidas com modo de ação diferenciado, o que irá reduzir a seleção de insetos resistentes aos defensivos utilizados. Ainda, a prática de aplicações preventivas, “calendarizadas” ou de “carona” com outros agroquímicos como herbicidas e fungicidas deve ser evitada, pois, em longo prazo há intensificação do problema, principalmente, decorrente da supressão dos inimigos naturais, da seleção de linhagens resistentes e do aumento das pragas não-alvo.
Na safra 2013/14 houve a liberação e utilização da soja Bt para cultivo no Brasil. Essa primeira geração de soja Bt teve como objetivo o controle das espécies A. gemmatalis, C. includens, H. virescens e broca das axilas além da supressão da H. armigera. Vale ressaltar que as lagartas do complexo Spodoptera não são controladas por essa tecnologia.
É importante destacar que ao mesmo tempo em que essas plantas estarão controlando as pragas-alvo 24 horas por dia/7 dias da semana, também estão selecionando insetos resistentes ao Bt 24 horas por dia/7 dias da semana. Assim, da mesma maneira que ocorre com os inseticidas convencionais, a utilização de culturas transgênicas que expressam toxinas inseticidas (plantas Bt) tem trazido consigo o risco enorme de seleção de populações de insetos resistentes.
Entre as diversas medidas para retardar a seleção de indivíduos resistentes, o plantio do refúgio apresenta especial importância. O refúgio, portanto, é o cultivo de 20% da área (no mesmo talhão) com a mesma cultura não-Bt (preferencialmente uma isolinha) com o objetivo de reduzir a seleção de insetos resistentes a essa tecnologia (Figura 4).
É importante estar claro que na área de refúgio é estratégico a formação de indivíduos suscetíveis à toxina que possam cruzar com possíveis insetos resistentes provenientes da área Bt e assim originar insetos que continuarão sendo mortos pela tecnologia (Figura 4) que são os heterozigotos. Portanto, deve-se evitar uso abusivo de inseticidas na área de refúgio, aniquilando a população de insetos presente na área. A área de refúgio precisa sim produzir economicamente, mas de forma sustentável, onde além de produzir soja exista também a produção de insetos suscetíveis à tecnologia. Assim, é fundamental que o manejo da área de refúgio seja realizado de acordo com o MIP-Soja. Tecnologias como amostragem com o emprego do pano-de-batida assim como a aplicação de inseticidas apenas quando os níveis de ação das pragas forem atingidos (aplicação racional de inseticidas) continuarão sendo essenciais na área de refúgio assim como também na área Bt. Plantas Bt vieram para somar ao MIP e não para substituí-lo!
O controle biológico de lagartas na soja pode ser realizado com a utilização de entomopatógenos, sendo o baculovírus e a bactéria Bacillus thurigiensis os exemplos mais comuns, ou com a utilização de parasitoides de ovos. Dentre as táticas que tem mostrado bons resultados, principalmente no manejo de lepidópteros, está a utilização de parasitoides de ovos do gênero Trichogramma e mais especificamente Telenomus remus para o controle de Spodoptera spp. O principal benefício da liberação desses parasitoides é o controle dos ovos das pragas em todas as regiões da planta antes mesmo que qualquer injúria ocorra. Entretanto, o sucesso ou fracasso das liberações dependem do conhecimento da bioecologia desses parasitoides e da sua interação com agroquímicos seletivos para que, assim, as principais recomendações possam ser realizadas.
Com base nos resultados de pesquisas obtidos até o momento, é possível afirmar que T. pretiosum tem o potencial de permanecer efetivo no controle em campo por quatro dias após sua liberação. A avaliação de suas características biológicas e exigências térmicas demonstram que essa espécie apresenta condições de se desenvolver durante todo o ciclo da soja nas mais diversas temperaturas. No campo, o raio de ação médio e a área de dispersão de T. pretiosum na soja foram de 8 m e 85,2 m2, respectivamente. Portanto, o número de pontos de liberação do parasitoide, determinado através do raio efetivo de dispersão, deve ser de 117 pontos por hectare, para que haja uma distribuição homogênea na área tratada nas primeiras 24 horas e assim obter maior eficiência no parasitismo e consequentemente no controle das pragas. Essa quantidade grande de pontos/ha pode ser um entrave no uso dessa tecnologia, mas, a liberação aérea dos parasitoides, por meio de veículos aéreos não tripulados (VANTs ou drones), já é realizada em algumas localidades e pode suprir essa necessidade.
Quanto ao número de T. pretiosum a ser liberado, pode-se concluir que a melhor densidade de parasitoides para liberação foi à proporção de 25,6 parasitoides/ovo da praga. Após a liberação desta densidade de parasitoides ocorreu alto parasitismo dos ovos de lepidópteros em todas as partes da planta. Entretanto como a avaliação de ovos no campo é impraticável na condução comercial da lavoura, outra metodologia para indicar o melhor momento de liberação do parasitoide ainda precisa ser avaliada e é o principal desafio para o uso de parasitoides de ovos na soja no momento. A utilização de armadilhas de feromônios para detecção das mariposas pode ser uma alternativa, mas a diversidade de espécies na cultura ainda apresenta seus desafios para o correto uso dessa tecnologia.
Em ensaios de campo, com a liberação de T. pretiosum em diferentes fases, pode-se observar que a liberação do parasitoide foi uma boa ferramenta complementar na supressão dos lepidópteros-praga em soja quando associado àss demais práticas já consagradas de MIP-Soja. Mesmo após a liberação de Trichogramma o controle químico com inseticida pode vir a ser necessário. Em face desses fatores, o emprego de inseticidas seletivos que preservem o T. pretiosum além dos outros parasitoides e demais insetos benéficos é crucial para o sucesso do manejo. Embora existam algumas lacunas no conhecimento para a melhor utilização dos parasitoides de ovos na cultura da soja para o controle dos lepidópteros-pragas, já é possível empregar de forma satisfatória esses agentes de controle biológico na cultura.
Quando é realizado o manejo correto dos lepidópteros torna-se possível racionalizar os inseticidas com a mesma eficiência de controle. No estado do Paraná, o MIP-Soja tem sido conduzido em diversos municípios em um programa de estado chamado “Plante seu Futuro”. Nessas unidades de referência (URs), onde os técnicos da Emater prestam assistência e introduzem o MIP-Soja aos produtores, já foi possível reduzir o uso de inseticidas em aproximadamente 50% além de aumentar o intervalo da primeira aplicação em aproximadamente o dobro (de 35 dias para 63 dias) permitindo maior preservação dos inimigos naturais e propiciando menos impacto da aplicação do inseticida químico (Figura 5).
O sucesso do MIP-Soja no Paraná deve-se ao grande esforço da Emater para mostrar a importância de que os mais diferentes métodos de controle sejam desenvolvidos e continuem disponíveis para o sojicultor, visto que, a integração dessas tecnologias de forma harmônica é crucial para o sucesso do manejo de pragas na soja. Por isso, mesmo na era da biotecnologia, o controle biológico, os inseticidas e as demais táticas de controle de pragas disponíveis continuarão sendo necessárias no combate das pragas da soja e precisam ser preservadas e utilizadas de forma sustentável e integrada.
Adeney de Freitas Bueno, Embrapa Soja; Débora Mello da Silva, Iapar
Artigo publicado na edição 206 da Cultivar Grandes Culturas.
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