Mal pela raiz

Corós, larvas e percevejo castanho-da-raiz estão entre os insetos subterrâneos que atingem a soja e afetam os nódulos de fixação biológica de nitrogênio

23.03.2016 | 20:59 (UTC -3)

As plantas de soja podem ser atacadas por pragas desde a germinação das sementes e emergência das plantas até a sua fase de maturação fisiológica, sendo esses organismos maléficos constituídos por insetos, moluscos, diplópodes e ácaros. Essas pragas são classificadas como de importância primária, regional ou secundária, em função da sua frequência de ocorrência, abrangência e do potencial de danos que podem causar na cultura. Os problemas se iniciam com a presença de lagartas na cobertura a ser dessecada e os insetos de solo, seguidos pelas pragas de superfície que atacam especialmente as plântulas. Em seguida vem os besouros e as lagartas, que se alimentam de folhas, flores e até mesmo de vagens e, finalmente, os sugadores e as brocas, que atacam as folhas, as vagens ou os grãos em formação.


As pragas que atacam as raízes da soja são normalmente insetos subterrâneos pertencentes a diferentes grupos, sendo Coleoptera e Hemiptera as duas principais ordens que abrangem este complexo de organismos. Este grupo de pragas apresenta, normalmente, uma forte associação com o solo onde ocorre e pode destruir as raízes da soja ou até mesmo os nódulos de fixação biológica de nitrogênio; também afeta negativamente o estabelecimento do estande, o vigor e o desenvolvimento das plantas e, consequentemente, a produtividade da cultura.

Dentre as pragas que atacam as raízes da soja na região Centro-Oeste, destacam-se as larvas subterrâneas rizófagas de besouros melolontídeos, também denominados de corós, bicho-bolo ou pão-de-galinha e os percevejos castanho–da- raiz, os quais, embora possam ocorrer durante todo o ciclo da cultura, causam danos mais severos nos estádios iniciais de desenvolvimento das plantas. Essas duas pragas apresentam normalmente hábitos alimentares polífagos, ou seja, que se alimentam de várias espécies de plantas, sejam elas cultivadas ou não.

Corós rizófagos

Corós rizófagos são larvas de coleópteros da família Melolonthidae que apresentam coloração branca no corpo, três pares de pernas torácicas e se posicionam no formato de U, quando em repouso. Várias espécies de corós se desenvolvem no solo, porém, apenas uma pequena porcentagem desses organismos causa danos nos cultivos agrícolas, podendo ocorrer tanto no sistema de plantio direto como no convencional. Os danos de corós na soja (Figura 1) são causados pelo consumo de raízes ou até mesmo dos nódulos de fixação biológica de nitrogênio, acarretando-se redução na capacidade das plantas de absorver água e nutrientes, ingredientes esses essenciais para o seu desenvolvimento. Essa intensidade de danos é maior em plantas jovens de soja, cultivadas em solo de baixa fertilidade, com camadas adensadas e em condições de déficit hídrico. As plantas atacadas por corós apresentam inicialmente desenvolvimento retardado, seguido por amarelecimento, murcha e morte, podendo esses sintomas ocorrer em grandes reboleiras distribuídas irregularmente nas lavouras. Em condições de alta infestação de corós no solo, pode ocorrer até 100% de perda da lavoura, especialmente quando a presença de larvas mais desenvolvidas coincide com a fase inicial de desenvolvimento das plantas.

Figura 1 -. Danos de corós na cultura da soja

O coró-da-soja, Phyllophaga cuyabana (Figura 2) é uma espécie que apresenta uma geração/ano (univoltine) e que tradicionalmente ocorre nas lavouras de soja do Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás. A revoada de adultos desta espécie se dá durante os meses de outubro e dezembro. Após o acasalamento, os ovos são colocados no solo, onde se concretiza o completo desenvolvimento das fases imaturas do inseto. As larvas apresentam três estágios de desenvolvimento (instares) e, no final do terceiro estágio, passam por um período de diapausa, quando se aprofundam no perfil do solo, não mais se alimentam e apresentam baixa mobilidade.

O coró-da-soja-do-cerrado, Phyllophaga capillata (Figura 3), é outra espécie que tem sido constatada causando danos na cultura da soja no Distrito Federal e em Goiás. A postura do inseto ocorre dentro de uma câmara construída pela fêmea no solo, sendo suas larvas ativas no início da estação chuvosa, em outubro, persistindo até o mês de março. A partir do mês de abril, a larva cessa sua alimentação e constrói uma câmara pupal, onde entra em diapausa, permanecendo nesta condição até os meses de junho a julho, quando se transforma em pupa. Em setembro o adulto sai do solo, acasala-se e oviposita, iniciando-se um novo ciclo.

Nos estados de Goiás e Mato Grosso também está constatada a espécie de coró Liogenys fuscus (Figura 4), que vem sendo estudada desde a safra 2002/03, quando causou perdas de 50% a 100% nas lavouras de soja. Estes insetos, após completarem seu ciclo, os adultos saem do solo entrando em revoada nos meses de setembro e outubro, coincidentemente com as primeiras chuvas da região. A fase larval apresenta três instares, sendo os dois últimos mais prejudiciais ao sistema radicular das plantas. Após a semeadura da soja, que ocorre normalmente nos meses de outubro a novembro, observa-se no solo maior proporção de larvas de 1o, 2o e em menor quantidade as do 3o instar. Semeaduras tardias ou em “safrinha" tendem a sofrer maiores danos, uma vez que há predomínio de larvas de 2o e 3o instares que são mais vorazes. As larvas de 3o instar apresentam mobilidade no solo e, no início do período de estiagem, aprofundam-se neste até a 20cm e 30 cm de profundidade, onde constroem sua câmara pupal. Quando param de se alimentar, limpam o abdome e transformam-se em pupa dentro da câmara pupal entre os meses de julho e agosto. Os adultos permanecem no solo por aproximadamente 30 dias, aguardando a presença de umidade ideal para sua emergência. Após as primeiras chuvas, entre os meses de setembro e outubro, inicia-se novamente a revoada e a fase de postura.

Outras espécies de corós de menor importância econômica podem, eventualmente, ser observadas em associação com a soja na região do Cerrado. Santos e Ávila (2007) constataram o coró Cyclocephala forsteri (Figura 5) em lavouras de soja cultivada no sistema plantio direto no município de Maracaju, (MS), sendo a oviposição do inseto observada no período de novembro a janeiro, embora o potencial de danos dessa espécie na soja, não tenha sido determinado na cultura. Na safra 2004/05, em uma área de cultivo de soja, no mesmo município, foram também encontrados larvas e adultos de Anomala testaceipennis no solo, sem que fossem observados danos nas plantas de soja.

Algumas larvas de melolontídeos, que têm o hábito de construir galerias verticais no solo, são frequentemente encontradas nas lavouras de soja da região Centro-Sul do País, especialmente nos sistemas de integração lavoura-pecuária. Esse grupo de corós, geralmente representado por espécies do gênero Bothynus (Figura 6), não é considerado praga e se alimentam de restos vegetais em processo de decomposição. Na verdade são reconhecidos como insetos benéficos no agroecossistema, pois, em função do seu comportamento, auxiliam na incorporação e fragmentação da matéria orgânica e na capacidade de infiltração de água no solo, em lavouras instaladas no sistema plantio direto.

Percevejos castanho-da-raiz

No Brasil, há registros da ocorrência de percevejo castanho em vários estados brasileiros, embora exista uma incidência mais acentuada na região dos Cerrados. O ataque desses insetos ocorre, normalmente, em grandes reboleiras nos cultivos de soja, sendo observados focos de infestação de até 70 hectares. Os danos na soja são decorrentes da sucção contínua da seiva nas raízes, o que pode levar ao enfraquecimento ou até mesmo à morte das plantas. As diferentes espécies de plantas hospedeiras que o percevejo -castanho-da-raiz se alimenta, apresentam graus diferenciados de suscetibilidade ao seu ataque. Ávila et al. (2009) constataram que o algodoeiro foi a espécie mais suscetível à alimentação de S. castanea, seguido por soja, milho, sorgo e arroz. Esses percevejos predominam em solos arenosos, especialmente naqueles com pastagem degradada. Como são de hábito subterrâneo, tanto ninfas como adultos alimentam-se sugando a seiva das raízes das plantas de soja. Os sintomas de ataque nas plantas (Figura 7), dependem da intensidade e da época de ocorrência da praga na cultura, variando do murchamento e amarelecimento das folhas a um subdesenvolvimento e secamento da planta, podendo causar perdas de até 100% da lavoura.

A presença dos percevejos castanho-da-raiz nas lavouras é facilmente reconhecida pelo forte cheiro que estes insetos exalam, quando o solo é movimentado nas áreas infestadas. No Brasil, as principais espécies de percevejo-castanho associadas à cultura da soja são Scaptocoris castanea, S. carvalhoi e S. buckupi. Ávila et al. (2009) constataram que no estado de Mato Grosso do Sul ocorre, pelo menos, duas espécies de percevejos castanho, sendo elas Scaptocoris castanea e S. carvalhoi. A primeira espécie foi encontrada em lavouras de soja, algodão e milho e a segunda em áreas de pastagens. Os focos de infestação do percevejo têm sido mais frequentes na região norte do estado, sendo a maior incidência observada no município de São Gabriel do Oeste. Nos últimos anos foram também constatadas severas infestações de percevejos castanho-da-raiz, especialmente nos sistemas de plantio direto do Cerrado brasileiro. No estado de Goiás, as revoadas dessa praga iniciam-se no período chuvoso durante o mês de novembro e persistem até março, período em que há predominância de adultos no solo. Informações insuficientes sobre alternativas eficazes para o controle dessas pragas, têm levado os produtores a efetuarem aplicações preventivas e curativas de inseticidas, muitas vezes sem resultados satisfatórios de controle.

No estado do Mato Grosso há ocorrência da espécie S. castanea em todas as regiões, já a espécie S. carvalhoi foi identificada na região leste do estado em áreas de soja, milho e algodão. As informações mais recentes sobre os percevejos -castanho-da-raiz foram obtidas por Nardi (2006), que descreveu a ocorrência do polimorfismo alar em S. carvalhoi. Esse estudo revelou a existência de indivíduos de asas curtas (braquípteros) e longas (macrópteros), destacando a importância dessas alterações morfológicas para a colonização de novas áreas, uma vez que a revoada, realizada somente pelos adultos macrópteros, constitui-se da única forma de dispersão desses insetos por longas distâncias.

Durante períodos do ano de maior umidade, este inseto permanece nas camadas mais superficiais do solo, mas, em condições mais secas, se desloca para camadas inferiores para profundidades além de 1,5 m (Figura 8).

Em trabalhos realizados com coberturas vegetais, no estado do Mato Grosso, no período de entressafra observou-se redução da população para a cobertura realizada com crotalária (Crotalaria spectabilis), em relação às áreas com plantio de milheto, sorgo e, braquiária. No entanto, com plantios sucessivos de algodão durante a safra, observou-se redução da população de percevejo -castanho-da-raiz ao final de três anos, o que indica que a cultura do algodoeiro interfere no desenvolvimento desse inseto.

Outras pragas subterrâneas

Cochonilhas das raízes do gênero Pseudococcus sp. são também frequentemente observadas no coleto de plantas de soja cultivadas no sistema plantio direto, embora em baixas densidades. Em condições de alta infestação de ninfas e adultos desta praga na cultura, as plantas podem atrasar o seu desenvolvimento e reduzir a massa seca da parte aérea, bem como do número de vagens e o peso dos grãos de soja. Larvas de Diabrotica speciosa ou de Cerotoma spp. Podem, eventualmente, ser observadas atacando raízes de soja (Figura 8) ou os nódulos de rizóbios, especialmente nos estádios iniciais de desenvolvimento da soja implantada sobre uma área em que havia sido cultivado feijão ou milho. Esses tipos de danos podem reduzir o estande ou afetar negativamente a fixação biológica de nitrogênio nas plantas de soja.

Manejo das pragas que atacam as raízes da soja

Para que o manejo de pragas que atacam a parte subterrânea das plantas de soja seja efetivo, é necessário fazer o monitoramento preciso desse grupo de pragas antes mesmo da instalação da lavoura, uma vez que todas as táticas de controle a serem implementadas são preventivas. Muitas vezes, o planejamento das técnicas de manejo de pragas subterrâneas é realizado com base no mapeamento dos sintomas de danos e análises de produção de cultivos anteriores. Tanto para o manejo de corós como do percevejo-castanho, é de fundamental importância a realização de amostragens no solo, com o objetivo de avaliar as espécies presentes, o seu nível populacional, os estádios e o desenvolvimento predominante desses insetos. No planejamento das táticas de controle a serem implementadas, devem ser considerados fatores da planta, do solo e da praga a ser manejada.

Dentre as técnicas que podem ser utilizadas para o controle de corós e percevejo-s castanho, destacam-se: manipulação da época de semeadura, preparo do solo com implementos adequados e aplicação de inseticidas nas sementes ou em pulverização no sulco de semeadura. Como os adultos dos corós apresentam normalmente forte atração pela luz, o uso de armadilhas luminosas durante o período de emergência do inseto no solo, pode capturar um número expressivo de adultos durante a noite e, assim, contribuir para reduzir a sua infestação nos cultivos subsequentes. A aplicação de inseticidas nas sementes e no sulco de semeadura da soja constitui alternativa promissora para o manejo de corós, especialmente em sistemas conservacionistas, como o sistema de plantio direto. Já no caso do percevejo-castanho, inseticidas aplicados nas sementes não estão se mostrado uma tática eficiente. Todavia, a pulverização no sulco de plantio com inseticidas químicos, especialmente quando o percevejo está localizado próximo da superfície do solo, pode proporcionar um bom controle da praga, dependendo do produto e da dose empregados. O cultivo de crotalária em áreas infestadas com percevejo- castanho tem também contribuído para a redução populacional dessa praga no solo. O controle biológico do percevejo-castanho empregando-se fungos entomopatogênicos pode ser, também, uma alternativa promissora. Xavier e Ávila (2006) identificaram quatro isolados de Metarhizium anisopliae, que proporcionaram níveis de controle de S. carvalhoi superior a 80%, em condições de laboratório. Todavia, a eficiência desse fungo no controle do percevejo-castanho, em condições de campo, não foi avaliada.


Este artigo foi publicado na edição 184 da revista Cultivar Grandes Culturas. Clique aqui para ler a edição.

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