Lavoura de arroz gaúcha tem colaborado com a redução dos gases do efeito estufa

Por Mara Grohs, IRGA

23.11.2023 | 16:16 (UTC -3)
Mara Grohs
Mara Grohs

Atualmente, a orizicultura abrange 2,5% dos hectares de plantações agrícolas do país e é um dos grãos mais importantes para a economia nacional, especialmente na região Sul do Brasil. A maioria de sua produção (80%) é destinada ao mercado interno, sendo um componente essencial da dieta dos brasileiros e, portanto, fundamental para os índices nutricionais do país.

No entanto, esse setor enfrenta ameaças significativas devido às mudanças climáticas decorrentes do efeito estufa. O arroz cultivado em terras baixas, em sistemas irrigados, está diretamente relacionado à segurança hídrica do país. Longos períodos de seca podem prejudicar a lavoura arrozeira, enquanto enchentes também são prejudiciais para o bom desenvolvimento da planta. Além disso, as altas temperaturas representam um desafio, uma vez que o cultivo do arroz é afetado negativamente quando as temperaturas ultrapassam 38°C.

A região Sul é responsável por 70% da produção orizícola do Brasil. Essa região apresenta certa vulnerabilidade face às mudanças climáticas, pois em torno de 11% das áreas de lavoura estão próximas do litoral e ameaçadas pelo aumento do nível do mar. Embora o setor esteja vulnerável às mudanças climáticas, também contribui para a intensificação do aquecimento global, através das emissões de gases do efeito estufa.

A lavoura de arroz irrigado tem, ao longo dos anos, feito a sua parte na redução dos gases do efeito estufa para a atmosfera. No Sul do Brasil está concentrado a maior parte da produção de arroz, sendo que no RS aproximadamente 6 mil produtores são responsáveis por 70% de todo o arroz produzido no país; ou seja, técnicas que mitiguem o metano no RS terão impacto direto sobre as métricas brasileiras.

É importante deixar claro, que a planta de arroz não é a fonte produtora do gás metano, um dos principais gases do efeito estufa, mas sim o solo, que através do processo de fermentação, pela presença da água, produz o metano. O transporte desse gás para a atmosfera se dá através da planta de arroz, por canais conhecidos por aerênquimas. Ou seja, enquanto tivermos um ambiente irrigado e a presença da planta haverá produção e emissão do gás metano. Nesse cenário, dificilmente se evitará a produção do metano, mas estudos conduzidos pelo IRGA, nos últimos 20 anos, têm demonstrado que é possível mitigá-los. Esses estudos, em parceria com universidades como UFRGS e UFSM, têm demonstrado que através do manejo cultural realizado na lavoura, há redução considerável na emissão dos GEE.

Dentre esses manejos, os que se destacam é o uso do preparo antecipado, o qual reduz em 25% a emissão dos GEE, quando comparado ao sistema convencional. Quando se considera que, dependendo do ano, entre 50 e 70% do estado do Rio Grande do Sul adota esse sistema de preparo do solo, percebe-se a magnitude da contribuição dos produtores gaúchos sobre essa questão ambiental.

Porém, nos últimos anos, o sistema de produção gaúcho tem dado uma contribuição muito maior para essa questão, a qual tem sido pouco abordada pelo setor: a entrada da soja. A cultura da soja, cultivada em terras baixas, emite menos de 10% do tal de GEE em relação à cultura do arroz. O sistema chamado pingue-pongue, ou seja, um ano arroz irrigado seguido de um ano de soja, reduz em 55% a emissão de GEE nas terras baixas. Isso se torna ainda mais relevante quando observamos o crescimento em área de 205% nos últimos 10 anos. Nesse quesito, o IRGA acaba de finalizar uma pesquisa em que monitorando uma área com rotação de culturas por cinco anos, apresentou uma redução de quase 60% na emissão de gases do efeito estufa quando cultivado arroz, fruto da menor quantidade de carbono disponível para a produção de metano. Mas o que importa mesmo é que 70% das áreas de arroz estão em rotação de culturas, dado também levantado pela extensão rural do IRGA, aí sim percebe a magnitude da mitigação que a lavoura de arroz gaúcha, tem entregado a sociedade, além do alimento.

Mas o setor orizícola tem ido além. O melhoramento genético, o qual tem participação ímpar do IRGA, sendo responsável por 65% das cultivares semeadas no Estado do RS, têm entregado plantas mais produtivas e eficientes em todos os aspectos, e o ambiental não fica de fora. Existe um índice chamado Potencial de Aquecimento Global (PAG), o qual fornece o total de gases emitidos por CO2 equivalente e é utilizado para comparações de setores diferentes, como por exemplo, comparar a emissão de GEE de uma lavoura de arroz com a emissão dos GEE dos carros de uma cidade.

Para alimentos, é possível ainda considerar a eficiência do processo produtivo, ao se comparar a emissão dos GEE por hectare versus sua produtividade de grãos. E nesse quesito, esta o diferencial do arroz gaúcho (e do sistema de produção, desenvolvido no RS): os patamares de produtividade atingidos nas últimas safras, em função do melhoramento genético e do manejo cultural, fez com que o PAG passasse de 0,77 CO2 kg de arroz produzido para 0,67 kg de CO2/kg de arroz, ou seja, uma redução de 17% na emissão de GEE somente com o aumento da produtividade de grãos e a entrada da soja tem reduzido esse índice para 0,38 kg de CO2/kg de arroz. Além disso, a área do arroz apresentou uma redução de 20% na última década, mas esse aumento de produtividade permitiu que houvesse mais pessoas alimentadas/ha, passando de 158 para 186 pessoas. Ou seja, aumento da eficiência do processo produtivo em consonância com a sustentabilidade ambiental, resultado de muita pesquisa em genética e manejo e transferência de tecnologia junto ao produtor rural, o qual tem feito sua parte, mas é pouco ou nada valorizado nesse cenário de sustentabilidade ambiental.

Voltando a métrica do PAG/kg de alimento produzido, esse parâmetro é tão impactante que nos EUA há uma marca de arroz, o "Smart Rice", o qual utiliza essas informações para a valorização do produto, sendo vendido com um valor 80 % maior nas redes de supermercado, em comparação ao arroz dito “comum”. A diferença entre o que os americanos estão fazendo para o nosso arroz, é que lá, essa iniciativa é realizada para uma pequena fração do que é produzido e aqui, perde-se a oportunidade de valorização do produto produzido no Estado inteiro, em uma cadeia produtiva que a anos busca por estratégias de valorização.

Estudos e iniciativas mais sustentáveis do ponto de vista ambiental não faltam no sistema de produção de terras baixas do Estado do RS. O que ainda está faltando é uma mobilização das entidades envolvidas com a temática na busca da divulgação e marketing dessas informações e a conversão na valorização de um produto de excelente qualidade gastronômica, alinhado com as questões ambientais mais importantes da atualidade. Até porque o arroz produzido no Sul do Brasil, representa 70% da produção brasileira.

Por Mara Grohs, IRGA

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