Irrigação por gotejamento para produção de uva para vinho de inverno
Por Maxwell Soares da Silva, especialista agronômico da Netafim
No ano de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) e seus Estados membros, incluindo o Brasil, definiram um plano de atividades a serem realizadas até o ano de 2030, constando de 17 objetivos e 169 metas, chamados de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Tratam-se de objetivos amplos e muito complexos envolvendo dimensões sociais, econômicas e ambientais. Segundo artigo de representantes da UNESCO, da FAO e da Rede Brasil do Pacto Global, publicado em 2021, a água é um fator crítico para praticamente todos os ODS.
Quando pensamos nos ODS, de certa forma a água tem participação significativa em todos eles. Mas e água com qualidade, onde entra? Primeiramente, precisamos entender o que é “qualidade”. O termo qualidade vem do latim qualitate e é utilizado em situações bem distintas, sendo várias as definições. A Associação de Bibliotecas do Reino Unido afirmou, em 1994, que qualidade é fácil de reconhecer, mas difícil de definir.
Em geral, a qualidade é uma característica ou propriedade atribuída a alguém ou a alguma coisa. Muitas vezes está alinhada ao grau de excelência atribuída. E qualidade de água? Incolor, inodora e insípida? É pouco. Nesse caso, para atribuir ou definir qualidade é necessariamente imprescindível saber para qual finalidade a qualidade é desejada, visto que nem tudo o que é bom para um fim também é bom para outro. Para cada uso – consumo humano, dessedentação animal, irrigação, balneabilidade, geração de energia, manutenção da vida aquática, entre outros fins – é desejável um nível de qualidade diferente. Mas como é atribuída a qualidade da água?
De acordo com algumas conceituações, a qualidade da água é definida em função de um conjunto de características físicas, químicas e biológicas, conforme a sua utilização, e esta é a grande questão: a utilização. Quando se pensa nos ODS, entende-se que são 17 objetivos e, desse modo, existem diferentes utilizações da água entre essas várias finalidades.
Por exemplo, no ODS 1 (Erradicação da pobreza) há previsão de garantir o acesso a serviços básicos, incluindo os recursos naturais. No ODS 2 (Fome zero e agricultura sustentável), é nítida a necessidade da existência de água com quantidade e qualidade para alcançá-lo, o mesmo ocorrendo no ODS 3 (Saúde e bem-estar) quando se aborda as doenças transmitidas pela água. No ODS 4 (Educação de qualidade), existe a previsão de acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância. Cabe ressaltar que o desenvolvimento de qualidade sem acesso à água de qualidade é impossível. Todavia, enquanto no ODS 5 (Igualdade de gênero) a relação com a água de qualidade não fica clara, no ODS 6 (Água potável e saneamento), essa presença já se encontra no título, e o saneamento, que é um objetivo de suma importância para nosso país, necessita da devida atenção dos gestores públicos para ser atingido de forma magnânima.
Quando se trata do ODS 7 (Energia limpa e acessível) entende-se que a quantidade de água é clara para a geração da hidroenergia, mas aqui a qualidade está voltada para a presença de sólidos capazes de paralisar uma turbina (vide o crescimento de plantas aquáticas em barragens de hidrelétricas). No ODS 8 (Trabalho decente e crescimento econômico), é clara a relação com o aumento das condições de trabalho e produtividade, o que, para o caso do ser humano, não pode ser atingido sem alimento seguro e água de qualidade. Nesse caso, também é imprescindível que essas condições sejam alcançadas sem degradação ambiental, ou seja, que a manutenção de nascentes e fontes naturais de água sejam mantidas para o abastecimento futuro.
O ODS 9 (Indústria, inovação e infraestrutura) prevê a construção de infraestruturas resilientes, a promoção da industrialização inclusiva e sustentável, bem como o fomento à inovação. A água está embutida em todos esses aspectos, até porque pessoas estarão envolvidas. Quanto ao ODS 10 (Redução das desigualdades), fica bastante evidente a necessidade de uniformização do atendimento à população, sobretudo com relação à segurança hídrica e aos serviços de saneamento. No ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis), também é clara a necessidade de maior atenção às nascentes e fontes de abastecimento de água. A manutenção da qualidade da água para consumo é um tópico básico para cidades e comunidades sustentáveis. O ODS 12 (Consumo e produção sustentáveis) prevê, entre outras ações, o uso eficiente dos recursos naturais, o manejo saudável dos produtos químicos com redução de contaminação do ambiente e a redução da geração de resíduos, todas com impacto direto na manutenção da qualidade da água.
Nos ODSs 13 (Ação contra a mudança global do clima), 14 (Vida na água) e 15 (Vida terrestre) está implícito que a presença da água de qualidade é fundamental. Cabe ressaltar que o ODS 15, embora tenha como título a vida terrestre, também engloba toda a água doce presente no interior dos continentes. Quanto aos ODSs 16 (Paz, justiça e instituições eficazes) e 17 (Parcerias e meios de implementação), percebe-se que as relações políticas e a gestão pública com foco na sustentabilidade são importantes aspectos envolvidos e, assim sendo, cabe nitidamente a abertura de parcerias e fomento à pesquisa para as questões ainda pendentes, sob esse foco.
Partindo dessas descrições, é possível perceber que a água está fortemente enquadrada em quase todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Mas por que não se enxerga tantas ações voltadas para a água no nosso dia a dia e nas relações e publicações diárias da nossa mídia?
Em vários países, como no Brasil, crises hídricas vêm se mostrando um problema cotidiano. A falta de chuvas em alguns períodos do ano tem criado problemas e conflitos para vários dos usos da água, sobretudo pela escassez, ou seja, quantidade insuficiente para os fins desejados. Mas será que a qualidade da água está sendo observada e controlada para todas as finalidades necessárias?
No Brasil, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), Lei 9433 de 8 de janeiro de 1997, prevê assegurar a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos. Mas os usos são tão diversos! Seria possível manter o padrão de qualidade para todos?
Infelizmente, não é possível uma PNRH dissociada do uso do solo ou de todas as finalidades pretendidas para os respectivos recursos hídricos. Depois de 16 anos da publicação da Lei 9433/1997, há que se pensar melhor em uma política efetivamente nacional para os recursos hídricos. Políticas para a água precisam ser bem mais discutidas e implementadas nos níveis federal, estadual e municipal em países que querem atingir os ODS, sobretudo no Brasil. Como estará nossa qualidade de água em 2030? Como estará a água para abastecimento humano em 2030? Conseguiremos superar, ou, ao menos, minimizar os entraves à agua de qualidade para todos nos próximos anos? Fica a questão.
Por Eduardo Cyrino de Oliveira Filho, pesquisador da Embrapa Cerrados
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