Fatores determinantes do sucesso de programa de transferência de embriões

A transferência de embriões (TE) é uma tecnologia reprodutiva desenvolvida no final do século XIX e aprimorada no século XX. Nesse período, tornou-se uma ferramenta importante no comercio nacional e internacional d

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Embryo

transfer (ET) is a reproductive technology developed at the end of the

nineteenth century and improved during the twentieth century. In this

period, the knowledge advancement of production, handling, storage and

embryo transfer processes made the national and international trade of

bovine embryos possible. Currently, the success rate of ET programs

depends on the effective control of these variables. The negligence in

handling those variables may seriously compromise the results. This

paper briefly describes and discusses the implications of each

variable, which may influence the success of an ET program.

A

transferência de embriões (TE) pode ser definida como o processo de

remover um ou mais embriões do trato reprodutivo de uma fêmea doadora e

transferi-los a uma ou mais fêmeas receptoras. Os embriões também podem

ser produzidos no laboratório utilizando técnicas de fecundação in

vitro ou por clonagem de células embrionárias ou somáticas. Entretanto,

considerando que a transferência de um embrião é somente uma de uma

série de etapas destinadas à obtenção de uma gestação por essa via, o

termo TE, no sentido mais amplo, considera também os processos de

superovulação e inseminação das doadoras, coleta de embriões,

isolamento, avaliação e cultura dos embriões durante um curto período,

micromanipulação (com finalidade de sexagem ou genotipagem),

congelamento e transferência dos embriões.

Desde o nascimento

dos primeiros produtos oriundos dessa tecnologia (Heape, 1890), a TE

foi utilizada como ferramenta auxiliar nas pesquisas com reprodução

animal, sendo que sua aplicação comercial ocorreu somente a partir da

década de 1980. Atualmente, a industria da TE é um negócio de escala

internacional. Para os interessados em conhecer um pouco mais a

história do desenvolvimento da tecnologia da TE recomenda-se a leitura

da excelente revisão sobre esse tópico feita recentemente por

Betteridge (2003 ).

Nos

últimos 25 anos, foram poucos os avanços conseguidos para melhorar a

resposta aos tratamentos de superovulação. Isso pode ser mostrado da

análise do número médio de embriões recuperados de vacas superovuladas

em uma central norte-americana de TE (Em Tran Inc.). Em 1979, a média

de embriões recuperados era de 4,6 contra 4,8, vinte anos depois

(Hasler, 2003). Esses dados consideram todas as doadoras superovuladas,

independentemente de não terem manifestado cio, ou não terem sido

coletadas devido à falta de resposta ovariana. Com efeito, um sério

problema, ainda sem solução, é que, aproximadamente, 20% das doadoras

não produzem embriões transferíveis (Tabela 1).

Tabela 1. Distribuição das vacas conforme o número de embriões utilizáveis por tratamento (Silva et al., 2008).

No de embriões - 0 - Menos que 3 - 3 a 6 - Mais que 6

% vacas 20% - 10% - 45% - 25%

Embora

a produção média de embriões por doadora não tenha sido aumentada

significativamente, houve um avanço considerável na flexibilidade para

a aplicação dos tratamentos. Essa melhora foi possível graças ao uso de

dispositivos liberadores de progesterona aplicados por via vaginal ou

subcutânea (Bo et al., 2006). Atualmente, a superovulação pode ser

iniciada após a inserção de um dispositivo liberador de progesterona em

qualquer momento do ciclo estral. Por outro lado, tem sido claramente

demonstrado que não existe qualquer beneficio do intervalo de espera da

manifestação de dois cios consecutivos entre superovulações, como

inicialmente acreditado. As doadoras podem ser superovuladas

repetidamente cada 40 dias, durante um período de 1 a 2 anos, com

resultados satisfatórios (Hasler, 2003)

Após

a ampla aceitação da recuperação não cirúrgica de embriões desde os

anos 80s, os procedimentos para recuperar embriões têm recebido pouca

atenção. Praticamente, todos os técnicos de TE utilizam um cateter tipo

Foley, com um "balão" inflável na extremidade para fixar o cateter no

útero. Tradicionalmente, as sondas de Foley eram compostas de borracha

ou látex. Recentemente, o silicone foi utilizado para substituir esses

materiais na confecção das sondas específicas para bovinos. Essas

sondas apresentam várias vantagens, incluindo a capacidade de suportar

a esterilização em autoclave, manutenção da forma concêntrica do balão,

bem como múltiplas saídas de drenagem.

A maior parte dos

técnicos opta por utilizar um grande volume de líquido (um ou dois

litros de PBS), sendo que a metade é introduzida por fluxo de gravidade

em cada corno uterino, embora exista uma crescente opinião que o PBS

pode ser liberado no corpo do útero de forma a realizar a "lavagem"

simultânea dos dois cornos uterinos. Nesse caso, o balão é inflado logo

depois de passar a cervix. A eficiência da coleta parece ser semelhante

nos dois procedimentos. Uma prática interessante após a coleta consiste

em encher os cornos uterinos com PBS, bloquear a saída da sonda e

soltar o animal no curral enquanto é realizada a procura dos embriões.

Caso não sejam encontrados embriões (ou encontrado um número muito

inferior ao número de corpos lúteos), os animais serão novamente

coletados. Com essa prática, alguns técnicos tem aumentado em

aproximadamente 2 a 3 o número médio de embriões recuperados (Netto et

al., 2005)

No

início, a indústria comercial de TE utilizava o mesmo meio (PBS

suplementado com soro) para realizar a coleta e a conservação dos

embriões. Atualmente, várias empresas oferecem meios mais complexos,

elaborados especificamente para atender as diversas etapas da TE.

Embora esses produtos ofereçam uma maior "segurança psicológica" ao

técnico, não existe evidência científica convincente demonstrando que o

uso desses produtos resulte em uma melhora significativa da qualidade

após a coleta ou das taxas de prenhez.

Atualmente, a avaliação

dos embriões é relativamente bem padronizada, tanto para o estágio de

desenvolvimento, como para a qualidade embrionária. As definições

desses dois conceitos estão disponíveis no Manual editado pela

Sociedade Internacional de Transferência de Embriões (IETS). Apesar de

existir vários procedimentos (metabólicos, capacidade de

desenvolvimento em cultura, etc) para estimar a viabilidade dos

embriões, atualmente só a avaliação morfológica (utilizando microscopia

ótica) é utilizada para avaliar a qualidade dos embriões. Existe uma

boa correlação entre a qualidade morfológica dos embriões e a posterior

taxa de prenhez (Alvarez et al., 2007).

Assumindo-se

uma boa competência do técnico que executa a TE, os principais fatores

que afetam a taxa de prenhez são a qualidade do embrião e da receptora.

Em muitas operações comerciais, a taxa de sucesso com TE freqüentemente

excede 70%. Porém, o planejamento de um programa de TE deve considerar

cifras mais modestas (da ordem de 50%), mesmo quando em determinadas

ocasiões sejam alcançadas taxas de prenhez da ordem de 80% após a

transferência de embriões frescos de boa qualidade em receptoras

idôneas (Hasler, 2003).

A qualidade do embrião é sabidamente um

fator de grande relevância na taxa de prenhez. Contudo, os técnicos que

trabalham nas fazendas (ou mesmo nas centrais de TE) têm pouca escolha

com relação a esta variável no momento de realizar a transferência. Por

outro lado, a condição da receptora pode influenciar as taxas de

prenhez. Em raças européias, o uso de vacas e novilhas de corte e

novilhas leiteiras resulta em taxas de prenhez semelhantes, enquanto

que vacas leiteiras apresentam uma taxa de prenhez consideravelmente

menor.

Há muito tempo é conhecido que o grau de sincronização

do cio entre o embrião e a receptora influencia a taxa de prenhez.

Vários estudos parecem indicar que a sincronia é mais crítica em

receptoras de corte que de leite. Entretanto, quando receptoras de

corte e leiteiras foram comparadas no mesmo estudo (Hasler, 2001) não

houve diferença nas exigências de sincronia. Também, parece que uma

assincronia de 24 horas, para mais ou para menos, entre doadora e

receptora, não compromete a taxa de prenhez quando são transferidos

embriões frescos ou congelados.

Diversos estudos direcionados a

melhorar as taxas de prenhez das receptoras utilizando hormônios

(progesterona, hCG, bSTr, GnRH) ou outras drogas (banamine,

clenbuterol) não apresentaram resultados consistentes.

A

conservação de embriões bovinos congelados é um procedimento

comercialmente viável desde os anos 80s, resultado das pesquisas

pioneiras realizadas na Universidade de Cambridge (Polge e Willadsen,

1978). Inicialmente, o glicerol foi a principal substância utilizada

como crioprotetor das células embrionárias. O inconveniente dessa

tecnologia era a necessidade de descongelar as palhetas e realizar a

avaliação morfológica antes de realizar a transferência. Para tanto

era necessário dispor de um microscópio, um meio especifico de

descongelamento e um embriologista treinado para fazer a avaliação do

embrião no momento da descongelação.

O uso do etileno glicol

como um crioprotetor, no lugar do glicerol fez possível a transferência

do embrião diretamente no útero da receptora, sem necessidade de

retirar o embrião da palheta em que foi congelado. Essa inovação

representou uma melhora significativa no campo da TE nos anos 90s. Como

as taxas de prenhez são semelhantes entre os embriões congelados com

glicerol e etileno glicol, atualmente o etileno glicol é o crioprotetor

predominante na maior parte dos programas comerciais de TE. As taxas de

prenhez que resultam da transferência de embriões congelados e

descongelados são atualmente, aproximadamente, 10% menores que as

obtidas com embriões frescos de qualidade semelhante.

O

termo FIV (Fecundação in vitro) envolve a produção de embriões

produzidos in vitro e inclui as etapas de maturação, fecundação e

cultura in vitro, até o estágio de mórula ou (mais freqüentemente)

blastocisto. A padronização laboratorial das condições ambientais

(temperatura, umidade, etc) para realizar a FIV, fez com que no inicio

dos anos 90s, várias empresas, que atuavam no ramo da TE, começassem a

oferecer programas de FIV em base comercial.

A produção

comercial de embriões FIV rapidamente alcançou um grande sucesso e como

resultado milhares de prenhezes foram estabelecidas. Infelizmente, um

número significativo de gestações foi caracterizado por aborto,

dificuldades ao parto, morte perinatal ou anomalias dos bezerros

(Smith, 2007). Devido a esses problemas, a demanda pelos serviços de

FIV nos EUA declinou significativamente. Nos últimos anos, contudo,

esses problemas têm sido reduzidos pelo uso de sistemas de cultura com

meios semidefinidos em substituição ao soro fetal e/ou co-cultura.

Atualmente, Brasil é o maior usuário mundial da tecnologia de FIV,

sendo que o número de transferências utilizando embriões produzidos por

FIV ou recuperados de vacas superovuladas é muito próximo. Acredita-se

que, no futuro, o procedimento da FIV para a produção de embriões

deverá substituir a TE tradicional, envolvendo superovulação e coleta

uterina dos embriões.

Os

primeiros bezerros clones nascidos originaram-se da divisão de embriões

em duas metades (Ozil et al., 1982). Esta técnica deve ser realizada

com auxílio de um micromanipulador (manualmente também é possível, mas

requer uma boa habilidade e experiência prévia do operador na

manipulação de embriões). A bipartição possibilita um aumento no número

de bezerros produzidos de um determinado grupo de embriões e também a

produção de gêmeos idênticos, oriundos de alguns desses embriões.

Entretanto, esta tecnologia atualmente é menos utilizada que durante os

anos 80s, período em que a técnica ficou disponível.

Outro uso

da manipulação envolve a remoção de algumas células dos embriões com o

uso do micromanipulador e posterior análise de PCR para determinar o

sexo ou a presença de determinados genótipos. Esta tecnologia, além de

habilidade técnica do operador, precisa de equipamentos relativamente

caros e sofisticados, razão pela qual não tem sido amplamente adotada

pela indústria comercial de TE.

A clonagem de bovinos adultos

pela transferência do núcleo de células somáticas é uma área que

atualmente vem recebendo grande atenção na imprensa e em laboratórios

de pesquisa acadêmica. A comercialização de bovinos originados por essa

tecnologia ainda é bastante limitada. No Brasil, o comércio de clones é

limitado ao mercado especulativo de animais de excepcional valor

comercial (vide caso do famoso touro "Bandido", utilizado em rodeios),

bem como atender a demanda na preservação de raças nativas ou

adaptadas, em vias de extinção.

Como

o comércio internacional de embriões congelados entre países cresceu

rapidamente nos anos 80s, atenção considerável foi dada ao estudo das

eventuais doenças transmitidas pelo embrião quando transferido fresco

ou congelado. Como resultado, atualmente devem ser respeitados

procedimentos específicos de produção e manipulação dos embriões

destinados ao movimento entre países (Stringfellow et al., 2004). Esses

protocolos têm provado ser bastante eficientes e não existe notícia de

qualquer problema sanitário relacionado com a transmissão de doenças

pelo embrião transportado internacionalmente. Entretanto, os protocolos

existentes aplicam-se a embriões produzidos in vivo, de forma que mais

pesquisas são necessárias para desenvolver regulamentos sanitários mais

específicos para o comercio internacional de embriões produzidos in

vitro, clones e embriões transgênicos. Devidos aos recentes eventos

internacionais de aparecimento de doenças de importância econômica

(febre aftosa) e/ou que afetam à saúde humana (BSE), é altamente

provável que o uso de meios de cultura sem a presença de produtos de

origem animal será obrigatória para a manipulação e congelamento de

embriões bovinos.

Centro de P&D Genética e Reprodução Animal, Instituto de Zootecnia-APTA, Nova Odessa-SP, 13460-000, Brasil.

Contatos: herrera@iz.sp.gov.br.

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