Doenças e pragas agrícolas geradas e multiplicadas pelos agrotóxicos

Hasime Tokeshi demonstra a importância de se ter uma visão da agricultura como um todo.

10.11.2015 | 21:59 (UTC -3)

Grande tem sido o progresso das ciências agronômicas, bem como a especialização dos seus profissionais, principalmente dentro das universidades e centros de pesquisa estatais e privados. Como ocorre em outras áreas, a agronomia também está gerando super especialistas, principalmente dentro das universidades, formando profissionais incapazes de analisar os problemas agrícolas como um todo . O produtor tem que plantar e cultivar qualquer planta e, simultaneamente, resolver todos os problemas de nutrição, adubação, correção de solo, manejo de solo e culturas, controle de doenças e pragas, comercialização, crédito e assistência técnica. Professores e pesquisadores ganharam excelência em conhecimentos somente na sua área de pesquisa, perdendo a visão global do problema enfrentado pelos agricultores. Como conseqüência, estamos formando agrônomos incapazes de identificar doenças e pragas corriqueiras e responder com acerto a consulta do produtor. É preciso pensar que além dos objetivos profissionais do agrônomo, de orientar o controle dos problemas do produtor, deve existir a preocupação com o meio ambiente. O uso indiscriminado de fungicidas, inseticidas e adubações desequilibradas estão causando desvios metabólicos nas plantas, reduzindo a biodiversidade do ecossistema como um todo. O uso inadequado dos agrotóxicos advém do desconhecimento dos seguintes pontos: a) Os artrópodos (insetos e ácaros) são fitófagos que não têm enzimas proteolíticas. Eles se alimentam de aminoácidos livres fornecidos pelas plantas ou por microrganismos simbiontes do aparelho digestivo dos artrópodos Panizzi e Parra (1991). b) Todos os desequilíbrios nutricionais das plantas levam, direta ou indiretamente, ao acúmulo de açúcares e aminoácidos livres e isso as tornam suscetíveis às doenças e pragas. O desconhecimento dos efeitos colaterais dos agrotóxicos, corretivos e fertilizantes estão gerando nas culturas maior necessidade de agrotóxicos, criando um círculo vicioso, o qual é necessário romper e corrigir para que a nave espacial Terra seja capaz de sobreviver ao ataque da terrível praga Homem, que a dominou e a trata como se fosse sua dona, considerando-se superior aos demais seres vivos do planeta. O homem só é capaz de enxergar as causas do ponto de vista humano e esquece que ele faz parte do ecossistema e que qualquer ser vivo é importante neste ecossistema. O que o homem chama de pragas e doenças, para a mãe natureza nada mais é que a polícia sanitária responsável pela eliminação dos indivíduos doentes ou em desequilíbrio. Para termos uma idéia mais completa sobre o exposto, procuraremos dar uma visão de como a planta interage com o solo e a biodiversidade aí existente.

A importância da micorrizas para as plantas advém da sua ampla distribuição, pois 83% das dicotiledôneas, 79% das monocotiledôneas e 100% das gimnospermas possui pelo menos uma micorriza. A micorriza vesicular arbuscular (MVA) é a que predomina nas plantas tropicais. A sua importância cresce nos solos pobres da Amazônia e Cerrado, onde o nível de fósforo e micronutrientes são fatores limitantes para o crescimento dos vegetais. Nos solos tropicais úmidos, o crescimento das plantas originárias deste ecossistema é praticamente dependente das micorrizas para crescerem nas condições naturais, sem adubos solúveis.

No caso da mandioca , o exemplo da Figura 1

se adapta perfeitamente para explicar a ação da micorriza vesicular arbuscular ( MVA ). Nesta planta, a ação da micorriza é responsável pela sua capacidade de crescer em solo com 1 ppm de fósforo disponível nos solos do Cerrados e da Bacia Amazônica. Na Figura 1 o trevo branco cresceu em vasos com e sem MVA e o fósforo disponível foi quantificado antes e depois do cultivo. O controle do fósforo foi feito junto às raízes, isoladas, com tela de 30 mm que impede os pêlos absorventes de passarem por ela. À distância de 20 mm das raízes foi colocada uma segunda tela de 0,45 mm, impedindo a passagem das hifas da MVA. Após o crescimento da planta, analisou-se o fósforo disponível restante no solo dos vasos com e sem MVA. Em presença de MVA, 80 % do fósforo da região H (hifa), distante 20 mm das raízes, havia sido absorvido. Como as hifas pararam na tela colocada a 20 mm das raízes, após este ponto o solo manteve 80 % do fósforo disponível sem ser absorvido. Na ausência de MVA, as raízes foram incapazes de absorver o fósforo disponível e 80 a 90 % se manteve no solo na região H (hifa), distante 20 mm das raízes. Após a segunda tela (região BS), o fósforo disponível foi igual ao do vaso com MVA, pois esta também não atuou após a segunda tela. Outros experimentos feitos com este sistema demonstraram que as hifas MVA foram capazes de absorver fósforo a 11 cm de distância das raízes, aumentando muito o volume de solo explorado pela planta e seu simbionte. Liet et al (1991), Römheld (1998).

A eficiência e eficácia das hifas MVA se deve ao seu pequeno diâmetro e ramificação no solo, aumentando a superfície de absorção do fósforo e, indiretamente, das raízes. Alguns pesquisadores citam aumento da superfície das raízes em 700 %. As hifas MVA são capazes de excretar ácidos orgânicos que solubilizam cristais de fosfato de ferro, alumínio e cálcio. Possuem sistema de vacúolos que armazenam polifosfatos que participam da geração de ATP e transporte de fósforo e carboidratos, em fluxos opostos nas raízes e hifas. A eficiência de MVA depende da espécie, planta e ambiente, como pode ser observado na Tabela 1 obtido de Römheld (1998). Nesta tabela verificamos que a simples colonização das raízes não correlaciona com a eficiência de absorção de fósforo. Os estudos gerais de MVA já determinaram que a extensão das hifas no solo varia de 1 cm a 1 metro e o diâmetro de 1 a 12 mm. A eficiência de absorção de fósforo decresce à medida que a hifa se afasta das raízes. As MVA possuem capacidade de disponibilizar fósforo orgânico quelatizado na matéria orgânica por meio de enzima fosfatase ácida. A atividade da fosfatase ácida de Glomulus manihotis é maior entre 1 a 2 cm das raízes e decresce após esta distância Tarafdar e Marschener (1994). Adubações elevadas de fertilizantes fosfatados anulam ou inibem esta atividade de MVA.

As MVA são ainda responsáveis pela absorção de outros nutrientes como potássio, zinco, cobre, amônia e, possivelmente, nitrato, manganês, cálcio, magnésio e sulfato. No esquema da Figura 2 (

) verificamos que os elementos dentro dos círculos são seguramente absorvidos diretamente pelas hifas da MVA. Os elementos com absorção com dados ainda incompletos foram omitidos. Os dados disponíveis não permitem ainda quantificar em condições de campo os efeitos da MVA na absorção, devido às mudanças morfológicas e fisiológicas causadas pela própria MVA nas raízes micorrizadas. Na Tabela 2 são apresentados os efeitos de Glomus mossae em milho crescendo em solo calcário

. Verifica-se que a MVA aumenta os teores de fósforo, zinco e cobre. Há redução nos teores de potássio, cálcio, manganês, ferro e boro. A presença de MVA controlou o excesso de cálcio, manganês, ferro e boro, resultando em aumento de produtividade, devido ao equilíbrio nutricional gerado na planta. Plantas micorrizadas têm a tendência de ter sistema radicular menos desenvolvido e profundo, podendo por isso sofrer mais estresse de falta de água nos períodos de seca. O mais freqüente, porém, é que com a morte das micorrizas o crescimento seja retardado e aumente a suscetibilidade a pragas e doenças, devido ao desequilíbrio nutricional e ao acúmulo de aminoácidos livres na planta. O uso de agrotóxicos como herbicidas hormonais (glifosato), fungicidas e inseticidas matam freqüentemente as micorrizas ou causam desbalanço nutricional o que leva à suscetibilidade a pragas e doenças. Este ponto será enfatizado, pois a falta de micronutrientes que atuam como cofatores de enzimas leva ao acúmulo de aminoácidos e açúcares livres na planta e aumento de suscetibilidade a pragas e doenças.

O controle biológico de doenças e pragas é um fenômenos extremamente corriqueiro nos centros de origem das plantas cultivadas. O exame do problema nesses centros indica que as plantas coevoluíram com os microorganismos, por associação em simbiose mutualística, simbiose neutra ou associativa. Neste sistema, as plantas excretam sais minerais, aminoácidos, ácidos orgânicos e açúcares para favorecer o crescimento de microorganismos epífitos ou da rizosfera. Esta associação constante gerou a interdependência entre microorganismos e plantas superiores. Os estudos da fixação associativa de nitrogênio em gramíneas mostram que os elementos essenciais à planta não podem ser isolados das necessidades da microflora associativa, se quisermos manter as condições ótimas de produção e controle biológico de pragas e doenças, Tokeshi (1991). Se admitirmos que a ocorrência de doenças e pragas são resultados do desequilíbro ecológico, microbiológico e nutricional da planta, fica evidente que nos centros de origem das plantas, as doenças e pragas não são devastadoras porque o referido equilíbrio é mantido. Quando domesticamos a planta e a cultivamos em condições diferentes, em monocultura, adubação química e agrotóxicos, estamos destruindo o ecossistema original, a microflora e fauna benéfica que protegia a planta. A destruição do ecossistema original envolveu a microflora epífita e a rizosfera, criando, assim, condições para o surgimento de grandes epidemias de doenças e pragas da atualidade. Na natureza, a luta para sobrevivência das espécies tem por base o melhor aproveitamento da energia. Como as plantas alimentam as micorrizas, fornecendo de 20 a 50% dos produtos da fotosíntese, isto significa que esta simbiose é benéfica para sobrevivência das espécies associadas. O nível de interdependência mencionado abrange micorrizas, rizobactérias promotoras de crescimento e bactérias fixadoras de nitrogênio, de acordo com Döbereiner, J. (1979), Li e Liu ( 1986 ) e Ruschel (1979 ).

O sistema radicular é muito variável com as espécies de plantas e se caracteriza pela ampla adaptabilidade que as raiz apresentam em resposta à interação com o ambiente externo e interno da planta. Como o solo é extremamente variável nas características físico-químicas , as raízes têm que apresentar esta plasticidade para se adaptar a estas mudanças do solo. Os estudos de localização de adubos mostram muito bem a adaptação das raízes na presença de nutrientes. As mudanças da concentração de fitohormônios são respostas que as raízes produzem para superar as barreiras físico-químicas impostas pelo solo. Veremos alguns exemplos de resposta das plantas ao ambiente interno e externo.

As plantas fornecem diariamente ao sistema radicular de 25 a 50 % dos produtos da fotossíntese para o seu crescimento e manutenção. Cerca de 50% dos carboidratos enviados para as raízes são usados somente para a respiração e produção de energia (ATP). Qualquer fator que interfira na fotossíntese, como baixa luminosidade e o uso de agrotóxicos, afeta mais o crescimento radicular do que a parte aérea. As plantas micorrizadas e com Rhizobium usam de 15 a 50 % do carboidrato para alimentar os microorganismos simbiontes. Desta forma, como 83 % das dicotiledôneas, 79 % das monocotiledômneas e 100 % da gimnospermas têm micorriza, o custo da manutenção das micorrizas representa pelo menos 15 a 30 % dos carboidratos fotossintetizados pela planta. Como a natureza não perdoa desperdício, deve haver uma razão muito forte para que esta simbiose mutualística seja mantida e coevoluido com as plantas. Na Tabela 3 verificaremos que em ervilhas crescendo com pouca luz a presença de Rhizobium (Rh) e micorriza (MVA) é prejudicial à planta pela competição pelos carboidratos e isto reflete no crescimento de caules e raízes. Sendo os Rhizobium e micorrizas fundamentais na absorção de nutrientes essenciais, verificamos que qualquer produto ou manejo que reduza a fotossíntese é prejudicial às plantas ou a seus simbiontes associados. O uso de fungicidas sistêmicos como o benomil, que tem ação erradicante sobre as micorrizas, prejudica, portanto, a planta por impedir a absorção de micronutriente zinco e cobre, essenciais no sistema de defesa e crescimento das raízes. A simples aplicação de fungicidas e inseticidas à base de carbamatos aumenta a suscetibilidade da planta aos ácaros e oídios, devido a mudanças fisiológicas no vegetal, que o torna mais palatável e nutritivo a estes agentes (pragas e doenças) refletindo diretamente no crescimento radicular via fitohormônios nas raízes e exsudatos.

Na Figura 2 podemos verificar que a resposta imediata das raízes às mudanças físico-químicas do solo são resultantes do fluxo e produção dos fitohormônios

. A coifa das raízes, além de atuar como lubrificante para o crescimento radicular, é o sensor que detecta a resistência do solo à penetração e determina maior ou menor alongamento das raízes. A coifa controla, ainda, a emissão de sinais para a síntese e efluvio de fitohormônios para produção de raízes secundárias, pêlos absorventes, maior ou menor liberação de moléculas de baixo peso molecular e o crescimento da microflora externa. Há, portanto, similaridade das funções da ponta dos dedos e suas funções com a ponta das raízes. De acordo com o esquema das raízes, a sua ponta é produtora do estímulo da sua resposta ao ambiente externo. Assim, se aplicarmos um fungicida sistêmico como benomil, fossetil alumínio ou abamectina, interferimos na capacidade de resposta das raízes gerando mudanças no suprimento de carboidrato, fitohormônios, micronutrientes ou exsudatos de raízes, aumentando a sua suscetibilidade a pragas e doenças da parte aérea ou raízes.

Os estudos sobre a influência dos macronutrientes (N, P, K) no crescimento das raízes, feitos em condições de campo, são numerosos e mostram claramente que são elementos essenciais para o crescimento do sistema radicular e do caule. A localização do adubo em diferentes profundidades e quantidades, muda a quantidade e superfície total das raízes. Esta resposta é nítida para o nitrogênio e fósforo na maioria das plantas. No caso do potássio, a resposta não foi significativa, provavelmente devido à extrema solubilidade do elemento e mobilidade no perfil do solo. Na Tabela 4 são apresentadas as respostas em se tratando de, nitrogênio em milho, no campo, em relação ao crescimento de caule e raízes

.

Nas gramíneas, as raízes crescem mais nas regiões onde o nitrogênio e fósforo foram aplicados, mostrando a adaptabilidade das raízes à mudança de fertilidade e a sua sensibilidade às mudanças do ambiente solo. Se o elemento está uniformemente distribuído no solo, o enraizamento é uniforme, se estiver concentrado lateralmente, as raízes laterais vão predominar na profundidade onde o elemento estiver concentrado. O uso de adubos minerais solúveis e agrotóxicos, na agricultura moderna, causa a destruição agregada do solo e, como conseqüência, teremos a formação de pé de grade ou arado. O encharcamento e anaerobiose existentes nesta área interferem no crescimento das raízes, que gastam muito mais energia para ultrapassar esta barreira físico-química e se tornam mais suscetíveis ao ataque de pragas e doenças.

Plantas que têm seu centro de origem em solos ricos em cálcio, no geral são muito sensíveis a pH ácidos. É por esta razão que a alfafa, lentilha, grão de bico, melão, ervilha e algodoeiro são plantas que requerem solos neutros ou alcalinos para crescerem adequadamente. Devido a seleção e domesticação , algumas variedades destas plantas são mais tolerantes a solos ácidos, mas sempre crescem melhor em solos neutros ou alcalinos. Plantas intolerantes a solos ácidos, no geral, não toleram alumínio e, por isso, tem o alongamento das raízes inibido por este elemento. O cálcio protege as raízes do alumínio tóxico. O nível de proteção varia com a espécie e variedade da planta, dependendo da concentração de outros cátions do solo. Dessa forma, o nível de cálcio não é constante para controlar toxidez de alumínio no solo, ele é dinâmico variando com o pH do solo. Por exemplo, no algodoeiro de pH 5,6, o nível de cálcio de 1 mM na solução do solo permite o máximo de crescimento radicular. No pH 4,5, o nível de cálcio requerido é de 50 mM para dar o mesmo efeito. No geral, a relação cálcio dividido pelo soma de cátions da solução do solo (total de cátions) deve ser de 0,15, para se obter crescimento radicular máximo. Nos solos tropicais ácidos, onde o pH é muito baixo, a simples calagem superficial não corrige o problema no subsolo, devido à pouca mobilidade do cálcio na ausência do gesso como elemento transportador do cálcio em profundidade. Isso porque o cálcio não é transportado pelo floema para a extremidade das raízes, onde o ocorre o seu alongamento. Esse fato nos obriga a aplicar sempre calcário e gesso simultaneamente para obter mudança de pH no subsolo e, assim, ter adequada relação cálcio/cátion total na solução do solo. Quando o solo está compactado e encharcado, a respiração das raízes e microorganismos gera gás etileno que permanece junto às raízes, inibindo o seu crescimento e aumentando o crescimento dos pêlos absorventes. Todas estas respostas estão associadas a fitohormônios induzidos pelo receptor junto a coifa das raízes (Figura 3). O papel do cálcio neste sistema ainda não está totalmente esclarecido, mas é um elemento participante do metabolismo radicular.

Moléculas de alto peso molecular resultante do húmus como ácido fúlvico, fitohormônios (IAA) e proteínas, no geral , estimulam o crescimento radicular. Fenômeno oposto ocorre com moléculas de baixo peso molecular (MBPM), como álcool etílico, etileno, ácido butírico, ácido valérico, ácido acético, ácido málico, ácido oxálico, ácidos graxos de cadeia curta e ácidos fenólicos. As MBPM surgem durante a fermentação dos exsudatos das raízes e matéria orgânica em decomposição anaeróbica, em solos encharcados ou compactados. Quando aplicamos fertilizantes, herbicidas e fungicidas que matam os microorganismos benéficos e plantas invasoras, são criadas as condições para a fermentação anaeróbica dos exsudatos das raízes, dispersão de argila e perda de agregação de partículas do solo. A conseqüência deste fato é a formação de pé de grade ou arado que, em poucas horas de encharcamento, produz as MBPM, inibindo o crescimento das raízes. Um exemplo da ação inibidora pelo ácido fenólico é apresentado na Tabela 5, onde a inibição se torna bastante evidente comparada com o controle. Na Tabela 6 são mostrados exemplos de ácidos graxos na inibição radicular, adaptado de Marschner (1995).

Como já foi mencionado anteriormente, 30 a 60 % dos produtos da fotossíntese são consumidos pelas raízes. Deste consumo, a respiração da planta e micorrizas usam 16 a 76% e a rizodeposição no solo de 4 a 70%, totalizando 42 a 90% na maioria das espécies de plantas, Lynch e Whipps (1990). A quantidade de carbono depositado no solo aumenta em plantas sob estresse de solo compactado, anaerobiose, seca, deficiência mineral, microflora da rizosfera e efeitos colaterais de agrotóxicos. Os principais componentes da rizodeposição são: a) exsudatos de MBPM (ácidos orgânicos, aminoácidos, açúcares e álcoois), b) gomas ou mucilagens associados à coifa e c) escamação dos tecidos e células radiculares, devido à morte dos pêlos absorventes e suberificação das raízes. Na Figura 4 são apresentados de forma esquemática os componentes da rizodeposição e os produtos secundários resultantes da sua degradação, absorção por microorganismos, até a sua liberação como CO2 para a atmosfera e formação de novas MBPM, como matéria orgânica no solo. Quando a microflora é diversificada, o período de residência dos fotossintetizados no solo é maior, devido a sua ciclagem na forma de novos microorganismos até a sua liberação final como CO2 e MBPM no solo.

Os exsudatos de raízes abrangem as MBPM liberadas ou secretadas pelas raízes. No entretanto, são as mucilagens, exoenzimas e fitosideróforos que exercem grande influência na fisiologia das raízes e que são responsáveis pela agregação de partículas do solo e formação dos macroporos. Devido à ação sensorial da ponta das raízes é esta que comanda a quantidade e qualidade dos fitohormônios produzidos, bem como o tipo de exsudato liberado (Figura 3). Quando o solo está compactado, passando de 1,2 g cm3 para 1,6 g cm3, o alongamento radicular é drasticamente reduzido, mas o consumo de produtos da fotossíntese dobra com mais exsudação de MBPM e a formação de agregados aumenta na periferia das raízes. Os exsudatos radiculares mudam sob a ação de fatores internos e externos da planta, estado nutricional e dinâmica dos nutrientes do rizoplano e rizosfera. A grande compactação do solo e aeração dele resultante muda drasticamente os exsudatos radiculares e aumenta as podridões radiculares na maioria das plantas.

A região apical das raízes , em particular, está constantemente coberta por uma camada mucilaginosa produzida pela raízes, formada basicamente por polissacarídeos (20 a 50 %) formados por cadeias de ácido poliurônico. A quantidade de polissacarídeo produzida é proporcional à velocidade de crescimento da extremidade das raízes. No solo, os polissacarídeos são alimentos para bactérias e fungos que degradam os polissacarídeos. Estes, em combinação com microorganismos e seus polissacarídeos e partículas do solo, formam o mucigel. São os mucigeis que dão estabilidade aos agregados do solo e geram, ao final, os macroporos. Os agregados do solo podem conter até 40 % de mucigel ou mucilagens. A presença das mucilagens nas raízes é extremamente importante em solos contaminados por metais pesados como chumbo, mercúrio, cobre e cádmio porque formam complexos com os metais e impedem a sua absorção pelas raízes. Em solos ácidos com alumínio tóxico, as mucilagens atuam da mesma forma, tirando da solução do solo o alumínio e permitindo que as raízes cresçam sem a toxidez do metal. Um ponto crítico da fisiologia das raízes pode ser observado quando as plantas crescem em solos deficientes em nutrientes como fósforo, zinco, ferro e manganês. Nestas condições, as plantas mudam os exsudatos das raízes e tornam disponível os elementos em falta por meio de ácidos orgânicos que quelatizam os minerais, tornando-os disponíveis. Isto já foi demonstrado em várias plantas, e na Tabela 7 são apresentados os dados de Marschner (1995), onde várias leguminosas usam ácidos distintos para obter a liberação do fósforo insolúvel do solo.

Como vimos anteriormente, 25 a 50 % dos produtos da fotossíntese são translocados e usados nas raízes. A maioria dos fotossintetizados acaba no solo pelos exsudatos radiculares, mucilagens, escamação e morte de células dos pêlos absorventes. Este conjunto de matéria orgânica recebe o nome de rizodeposição (Figura 4). Esta matéria orgânica representa energia que é usada por organismos do solo. Isto pode ser facilmente demonstrado contando o número de microorganismos no solo e no rizoplano, e a proporção encontrada é de 1 : 5 a 1 : 50, dependendo da idade, espécie e condições de crescimento do vegetal. Como regra geral, de 75 a 80 % do carbono orgânico provém das raízes. A população de microorganismos é limitada principalmente pelo nível de nitrogênio da rizodeposição. As leguminosas e gramíneas que fixam nitrogênio atmosférico têm maior número de microorganismos por exsudarem mais aminoácidos que as não fixadoras. Quando adubamos as plantas com excesso de nitrogênio em cobertura ou fazemos aplicações de agroquímicos que impedem a síntese de proteínas, os aminoácidos acumulam nas folhas e raízes, aumentando a exsudação de aminoácidos e açúcares no solo. Estes exsudatos atuam como estímulo químico e induzem a germinação de esporos de fungos patogênicos (Fusarium, Pythium, Phytophthora e Rhizoctonia) e bactérias fitopatogênicas (Pseudomonas solanacearum e Pseudomonas spp). O aumento do número de patógenos no rizoplano rompe a resistência natural da planta e surge o processo patogênico (doença ) nas raízes do vegetal. Muitas bactérias benéficas do rizoplano que fixam nitrogênio de forma associativa e as micorrizas, em presença de excesso de nitrogênio amôniacal, nítrico e aminoácidos, usam este nitrogênio, passando a atuar como parasita da planta simbionte. Com os simbiontes atuando como parasitas e maior consumo de produtos da fotossíntese e o aumento substancial da exsudação de açúcares e aminoácidos, o sistema radicular se torna mais vulnerável aos patógenos das raízes e da parte aérea. Como conseqüência final, aumentamos a suscetibilidade da planta a pragas, doenças e ácaros devido a maior excreção de aminoácidos e carboidratos livres. Se ligarmos os fatos acima com os efeitos colaterais da aplicação de inseticidas, fungicidas, acaricidas, nematicidas e adubos químicos de alta solubilidade, verificamos que os efeitos colaterais resultam no acúmulo de aminoácidos e açúcares livres nas folhas e extremidades das raízes. Com isto, fica evidente que a ocorrência de doenças e insetos pragas nas culturas nada mais é que o resultado do desequiliíbro nutricional da planta, refletindo nos exsudatos radiculares e foliares. Na Figura 5 apresentamos o esquema dos processos biológicos e bioquímicos que levam aos desvios metabólicos e à suscetibilidade a pragas e doenças.

O uso de adubos químicos extremamente solúveis, herbicidas, inseticidas, fungicidas, nematicidas, bactericidas e preparo do solo com equipamentos pesados estão degradando o ambiente solo. As derivas de herbicidas por quilômetros de distância submetem as plantas a sub doses 100 a 1000 vezes menores que as recomendadas para as culturas. Estas sub doses não produzem sintomas de toxidez nas plantas acidentalmente atingidas, mas causam o bloqueio do sistema de defesa. Os herbicidas hormonais, em particular o glifosato, bloqueiam a síntese de fitoalexinas nas plantas e, por isso, transformam as plantas invasoras daninhas de altamente resistentes a suscetíveis a podridões de raízes por Fusarium, Pythium, Rhizoctonia Phytophthora. As plantas cultivadas com doses de 0,1 a 0,001 das doses recomendadas podem não mostrar sintomas de fitotoxicidade, mas têm a síntese de fitoalexina bloqueada total ou parcialmente e por isso são atacadas por agentes patogênicos dos mais diversos. Portanto, o aumento de doenças bacterianas, fúngicas, nematoides e ataque de insetos e ácaros podem ser ocasionados pelos herbicidas em sub dose.

Recentemente , os surtos de Cancro Cítrico (Xanthomonas axonopodis) nos pomares na região norte do Estado de S. Paulo estão associados aos pomares com ataque da Clorose Variegada dos Citros (Xyllela fastidiosa). Para controlar a cigarrinha vetora desta última doença empregou-se o herbicida glifosato na vegetação das áreas periféricas dos pomares cítricos. A deriva dos produtos pode ter causado bloqueio do sistema de defesa da planta causando a explosão do Cancro Cítrico na região. Este é um exemplo típico de medida de controle com visão parcial e unilateral do problema.

Os resultados têm sido desastrosos, pois a própria Clorose Variegada dos Citros (

) é um reflexo do aumento de suscetibilidade da planta pelo uso exagerado e inadequado de agroquímicos. Com o abandono dos agrotóxicos convencionais e retorno do uso de Calda Sufocálcica e Calda Bordaleza, a

está deixando de ser problema em muitos pomares cítricos.

O equilíbrio microbiológico gerado em pomares abandonados, nos quais os sintomas da

desapareceram, é uma outra prova de que muitas doenças iatrogênicas (geradas pelos agroquímicos) estão se agravando pelo uso inadequado de agrotóxicos nas culturas. Há, portanto, necessidade dos professores, técnicos e produtores adotarem uma visão mais holística das causas e controle de pragas e doenças antes de simplificarem o problema, recomendando aplicação de agrotóxicos sem os devidos cuidados, pois muitas vezes ao invés de curar a planta, acabam gerando novas doenças e pragas. É de suma importância ao recomendar o uso de agrotóxicos, fertilizantes e corretivos pensar no ecossistema como um todo, incluindo o homem, o trabalhador rural, a saúde dos consumidores e pensar na responsabilidade nossa de deixarmos o solo sadio para os nossos descendentes.

Não devemos esquecer que todos os seres da Terra são interdependentes. Cada ser está vivendo da cooperação de outros seres.

ESALQ-USP

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