Solo: um sistema vivo e complexo
Por Guilherme Bavia, engenheiro agrônomo e gerente técnico da Alltech Crop Science
Manter e aperfeiçoar a produção de soja, de modo lucrativo e duradouro, requer encaixe de seu cultivo como um dos componentes de espécies agrícolas no sistema de produção de grãos, de modo a diversificar as espécies de plantas e evitar os efeitos negativos do plantio isolado da mesma cultura.
A soja é hoje a maior fonte direta de renda na agricultura de produção de grãos no verão. O cultivo desta oleaginosa no Rio Grande do Sul tem se expandido nos anos recentes, por vezes, para áreas agrícolas marginais ou com menor capacidade produtiva. O preço do grão é estável e tem remunerado a atividade agrícola ano após ano, contribuindo para mudar o cenário agrícola de diversas regiões do estado. Pelas significativas contribuições à sociedade do meio rural e das cidades, é importante que a soja também contribua para a sustentabilidade econômica, ambiental e social dos sistemas de produção de grãos. Neste contexto, manter e aperfeiçoar a produção de grãos desta oleaginosa requer encaixe de seu cultivo como um dos componentes de espécies agrícolas no sistema de produção de grãos, sempre evitando o cultivo isolado da soja e sem diversificação de espécies de plantas.
Embora seja cultura plástica e com adaptação de cultivo para ambientes de produção diversos, para alcançar desempenho agronômico desafiador de 90sc/ha a 100sc/ha por exemplo, a soja requer solo fértil e estruturado, com capacidade de infiltração e de armazenamento de água, além da ausência de camada compactada, de doenças radiculares e de nematoides. Diversificar os cultivos no e entre anos, através da rotação e sucessão de culturas no verão e inverno, é prática agronômica indicada e conhecida de técnicos e agricultores, que ainda propicia alternância na renda da propriedade agrícola por diversificar os produtos colhidos e comercializados.
Estudos conduzidos nas últimas três décadas no sul do Brasil têm evidenciado que, a cada três ou quatro safras de verão, o milho deve compor a rotação com a soja na safra de verão, pois este cereal contribui com aporte de carbono ao sistema, ajudando na estruturação do solo pelo alto volume de resíduos decorrente de seu cultivo. No milho, facilmente obtém-se resíduos de colheita de 8t/há -10 t/ha, ao contrário da soja, onde apenas cerca de 3 t/ha de palha restam da colheita de 60sc/ha, diferença exacerbada e preocupante pelo fato dos resíduos da planta de soja colhida terem alto teor de nitrogênio e, portanto, serem rapidamente decompostos pela microbiota do solo. Diversificar os cultivos de verão com gramíneas como o milho, em contraparte ao atual “mar de soja”, é urgente e necessário para prolongar a duração do período recente de sucesso da agricultura e valorizar este importante setor da economia brasileira e regional.
Além da diversificação dos cultivos no verão, o alcance das características de solo e de produtividade da soja é dependente do cultivo de toda área agrícola durante o inverno seguindo indicações técnicas decorrentes de pesquisas. A diversificação de culturas no inverno e no verão será avanço agronômico expressivo a ser implantado efetivamente nas próximas safras agrícolas. Segundo dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Rio Grande do Sul, enquanto as espécies de verão - soja e milho - ocuparam 7,3 milhões de hectares para produção de grãos em 2014, espécies de inverno ocuparam apenas 1,4 milhões de hectares (Figura 1). A situação se repete nos demais estados da Região Sul e também no País, evidenciando que a relação de área inverno/verão cultivada seguindo indicações técnicas e preconizando a diversificação de cultivos é inferior à 1:5, ou seja, menos de 20% da área cultivada no verão é efetivamente cultivada no inverno para este propósito. A este respeito, todavia, cabe ressaltar ausência de estatísticas oficiais sobre o uso da terra com plantas para cobertura vegetal e alimentação animal, como por exemplo, espécies utilizadas exclusivamente como forrageiras (alfafa, trevo) e lavouras de grãos destinados à forragem, silagem ou pastagem e cobertura morta para plantio direto (aveia preta, sorgo forrageiro, cevada forrageira).
Solos agrícolas melhor estruturados e com maior capacidade de armazenamento de água e de sua oferta às plantas, aos animais e à sociedade são alguns dos benefícios potenciais deste novo sistema de produção de grãos a ser estruturado, implantado e dispersado para todas as regiões de cultivo de grãos, como já o foi de forma mais equilibrada nos anos 1990 e início dos anos 2000. Tecnicamente, uma agricultura com diversificação em cultivos de inverno e de verão contribuirá para diminuir os efeitos adversos de eventos como o El Niño ocorrente nos meses recentes. O sistema de produção diversificado também poderá atenuar os efeitos da ocorrência de La Niña, caracterizado por limitação hídrica aos cultivos de espécies anuais no Sul do Brasil e que pode ter intensidade aumentada na próxima safra de verão, caso se confirmem recentes previsões de institutos de pesquisa que estudam o fenômeno.
Um sistema de rotação e de sucessão de culturas é proposto na Tabela 1, em que a área de cultivo da propriedade é fracionada em três glebas. No verão do primeiro ano, 1/3 da área é semeada com a cultura do milho e 2/3 da área com soja. Desta área com soja, metade deve ser semeada no início da época indicada pelo Zoneamento Agrícola de Risco Climático em sucessão à aveia preta dessecada pelo menos 20 dias antes da data prevista para semeadura da soja, enquanto o restante daquela área de soja é semeada na resteva de trigo, que geralmente é colhido entre meados de novembro e de dezembro.
No inverno, a cultura do trigo deve ser semeada em 1/3 da área intercalada com 1/3 de aveia preta e com 1/3 de aveia preta + ervilhaca. Por sua vez, o milho será semeado durante o mês de setembro, em sucessão à aveia preta + ervilhaca dessecada previamente, ajuste que permite colheita do cereal no verão entre o final de janeiro ou durante o mês de fevereiro. Com este manejo dos cultivos de inverno e verão, a colheita do milho possibilita a implantação da terceira cultura da safra agrícola. Esta chamada segunda safra de verão, ou ainda safra de verão/outono, será adotada principalmente para adicionar mais carbono ao sistema, via palhada, que após diversos processos biológicos e no longo prazo será incorporado à matéria orgânica do solo, culminando com melhoria na estruturação do solo. Capim sudão e o milheto são boas opções de cultivo neste período de entressafra de grãos. Dependendo da região, culturas também potenciais para o período de verão/outono são o nabo forrageiro pela contribuição na reciclagem de nutrientes e o feijão de segunda safra que agrega receita à propriedade, embora ambas tenham relação carbono:nitrogênio mais estreita que aquelas gramíneas. Em áreas com histórico de ocorrência de doenças como Sclerotinea sclerotiorum deve-se evitar fazer uso destas duas alternativas.
Nas áreas da propriedade para cultivo da aveia preta não há necessidade de semear esta terceira cultura, pois ao ser implantada após a colheita da soja, pode ser mantida em vegetação até o período próximo ao de semeadura da cultura de verão subsequente.
O sistema de rotação e de sucessão de culturas apresentado na Tabela 1, preconiza manter pelo menos uma cultura implantada em todas as áreas durante todo ano, desfavorecendo a ocorrência de pousio vegetado ou espontâneo (Figura 1), mesmo na entressafra dos cultivos. Portanto, após a colheita da cultura anterior ou o manejo desta via de dessecação, deve ocorrer imediatamente a semeadura da próxima cultura.
Os benefícios ambientais advindos da rotação de culturas são bem conhecidos, principalmente quando contextualizados no âmbito do sistema plantio direto, pois este contribui para a adição de matéria orgânica ao solo, reciclagem de nutrientes, fixação simbiótica de nitrogênio, retenção e infiltração de água no solo, além de ter papel importante para a redução do escoamento superficial e no controle da erosão hídrica, resultando na preservação dos recursos naturais.
Nas últimas décadas estudos tem reforçado as evidências de que a atividade humana tem parte no aquecimento global experimentado pela Terra, sendo esse aquecimento apontado como precursor de mudanças no clima mundial. Em decorrência, os países discutem alternativas locais e conjuntas para mitigar a emissão de gases de efeito estufa, considerados importantes contribuintes e aceleradores destes eventos. Ademais, estes estudos buscam identificar o nível de associação, a intensidade do fenômeno e os setores (agrícola ou não) que poderão ser afetados pelas mudanças climáticas, e, principalmente, identificar alternativas de adaptação de plantas e a capacidade e eficiência destas em responder aos impactos e cenários preditivos advindos das mudanças climáticas.
Através do Decreto nº 7.390/2010, o Governo Brasileiro regulamentou o “Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura - Plano ABC”. Este plano tem por finalidade organizar e planejar as ações a serem realizadas para a adoção das tecnologias de produção sustentáveis, selecionadas com o objetivo de responder aos compromissos de redução de emissão de gases de efeito estufa no setor agropecuário assumidos pelo país. No setor agropecuário, a ampliação da área sob Sistema de Plantio Direto em 8 milhões de hectares é prática agrícola que contribuirá para atingimento da meta brasileira. Neste contexto, a rotação de culturas figura como alicerce para o cumprimento da meta de menor emissão de gases do efeito estufa, onde a soja tem papel preponderante, por ser cultura que, geralmente, tem grande participação para a viabilidade financeira do sistema de produção anual nas propriedades rurais. Além disso, a soja pode contribuir em outra importante linha do Plano ABC, a fixação biológica de nitrogênio, que é o principal gás de efeito estufa da agricultura de sequeiro, sendo emitido, principalmente, devido a utilização da adubação nitrogenada. Aliás, é notório o destaque do Brasil no desenvolvimento científico e tecnológico que viabilizou a inoculação da semente de soja com Bradyrhizobium, prática de baixo dispêndio pelo agricultor, mas que dispensa a aplicação externa de nitrogênio à cultura. Estudos recentes da Embrapa demonstram que a sucessão trigo/soja, ou seja, o monocultivo de inverno e verão respectivamente, pode aumentar em 20% a emissão de óxido nitroso para a atmosfera, comparativamente a rotações de culturas compostas por gramíneas (2/3) e leguminosas (1/3) no inverno e mais 2/3 de soja no verão.
Não há dúvidas que a soja tem sido e continua sendo o “seguro” da propriedade rural. À cultura tem se atribuído muito do sucesso pelo qual passa o setor agropecuário atualmente. Não obstante os bons frutos colhidos pelos produtores rurais, o monocultivo cultivo da soja em grande parte das áreas do Rio Grande do Sul, tem sido visto como risco para a manutenção da qualidade do solo, pilar da qualidade ambiental e da sustentabilidade dos sistemas produtivos. A “boa notícia”, no entanto, está no estabelecimento de opções de cultivo que mantem a rentabilidade do sistema de produção, aliadas à preservação do meio ambiente, sem observar e analisar somente os dados isolados de cada cultura anual.
Paulo Fernando Bertagnolli, Mércio Luiz Strieder, Anderson Santi, Genei Antonio Dalmago, Pesquisadores da Embrapa Trigo
Artigo publicado na edição 202 da Cultivar Grandes Culturas.
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